ICMS - Remissão de débitos e intransigência do Judiciário

Publicado por: redação
09/10/2012 12:38 AM
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Após o Supremo Tribunal Federal ter julgado uma série de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, anulando dezenas de benefícios de ICMS concedidos sem prévia autorização do Confaz, os Estados e o Distrito Federal vêm negociando uma solução nacional para preservar a segurança jurídica dos contribuintes que observaram as normas editadas pelo Poder Público. Solução essa que se tornou urgente com a Proposta de Súmula Vinculante 69, que pretende acelerar a declaração de inconstitucionalidade de benefícios fiscais unilaterais.

Nesse ínterim, as unidades federadas autorizaram, por unanimidade, que o Distrito Federal concedesse remissão dos valores referentes à fruição de incentivos do Programa Pró-DF e do regime especial de apuração do ICMS previsto em TARE’s, para afastar os efeitos econômicos e sociais negativos advindos da declaração de inconstitucionalidade das respectivas leis pelo Poder Judiciário.

A remissão foi prevista nos Convênios ICMS ns. 84/2011 e 86/2011 e sua eficácia foi condicionada à não concessão ou prorrogação dos mesmos incentivos, sem prévia anuência do Confaz. Para assegurar o cumprimento dessa condição, estabeleceu-se que os débitos ficariam suspensos até serem extintos, conforme cronograma estabelecido pelos referidos convênios. Criou-se, portanto, uma condição suspensiva para a extinção definitiva dos débitos, o que é razoável e salutar para evitar novos atos unilaterais, como os praticados no passado.

Nessa conformidade, o Distrito Federal promulgou a Lei Distrital nº 4.732/2011, que concedeu remissão condicional de ICMS na exata medida em que autorizado pelo Confaz. Frise-se que a Lei Distrital foi acompanhada de demonstrativo do impacto econômico-financeiro, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ocorre que, em recente julgamento, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios deixou de reconhecer a inexigibilidade de débito cobrado em Ação Civil Pública, alegando que “a celebração posterior de convênio não pode desconstituir relação que se encontra sub judice, sob pena de afronta à segurança jurídica, bem como não possui o condão de convalidar o suposto vício existente na instituição do benefício fiscal discutido na espécie”. Além disso, “a Lei nº 4.732/2011, ao dispor sobre a suspensão de exigibilidade e a concessão de remissão de ICMS, exorbitou dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, uma vez que somente lei complementar pode dispor sobre a matéria.”

A decisão é preocupante, pois, ao mesmo tempo em que nega competência ao Confaz para deliberar sobre a questão, impede que o Distrito Federal exerça o poder de remitir débitos fiscais, contrariamente ao disposto na nossa Constituição. De fato, os art. 150, §6º e 155, §2º, XII, “g”, da Carta da República autorizam a concessão de benefícios e incentivos fiscais, entre os quais a remissão de débitos, exigindo, porém, em relação ao ICMS, que haja prévia deliberação dos Estados e do Distrito Federal, na forma prevista em lei complementar. Por outro lado, o art. 10 da Lei Complementar nº 24/1975, que regula a matéria, permite que a remissão seja concedida mediante condição, como fizeram os Convênios ICMS 84/2011 e 86/2011. Como a Lei Distrital nº 4.732/2011 está em conformidade com os referidos convênios, é legítimo o procedimento dos Estados e do Distrito Federal.

Por outro lado, a decisão fala em afronta à segurança jurídica, quando ocorre o contrário: a remissão destinou-se a proteger os contribuintes que, confiando na legislação distrital, investiram e aumentaram a arrecadação no/do Distrito Federal e, posteriormente, foram surpreendidos pela declaração de nulidade dos benefícios, com ameaça de cobrança retroativa de tributos. Note-se que não se trata de “repristinar” legislação julgada inconstitucional no passado, burlando decisões judiciais, mas sim de reconhecer a nulidade dos incentivos passados e de criar-se um novo benefício – remissão – prévia e devidamente autorizado pelo Confaz.

Na realidade, o que se verifica é que o Poder Judiciário está se inclinando a favor de argumentos inconformistas do Ministério Público, que não quer aceitar a remissão dos valores que pretendia cobrar das empresas que aderiram aos programas de incentivo do Distrito Federal. Está se esquecendo, todavia, que o principal argumento contra tais programas de incentivo consistia na violação do pacto federativo, por não ter sido obtida a prévia autorização dos Estados.

Na medida em que a irregularidade do incentivo deve-se à falta de autorização dos Estados, nada impede que estes – os maiores interessados – possam deliberar pelo perdão dos tributos dispensados no passado. Ademais, cuida-se de remissão concedida por lei aprovada pela Câmara Legislativa – órgão de representação da vontade popular -, que ponderou os interesses em jogo e optou pela preservação dos investimentos feitos no passado - e dos empregos e renda deles decorrentes -, em detrimento de eventual aumento pontual de arrecadação. Assim, pode-se até vislumbrar tentativa de interferência pelo Poder Judiciário em decisão cuja conveniência depende de exame estritamente político, afeto ao Poder Legislativo.

De qualquer forma, para evitar o prolongamento de discussões como essa, que acabam gerando ainda maior insegurança jurídica, urge que o Congresso Nacional aprove lei complementar que expressamente autorize os Estados e o Distrito Federal a deliberar sobre a remissão (condicionada ou não) dos débitos decorrentes de benefícios e incentivos concedidos de forma unilateral no passado - como, aliás, previu o art. 12 da própria Lei Complementar nº 24/1975, em relação aos benefícios irregularmente concedidos antes de sua edição -, sob pena de restar infrutífero o trabalho que vem sendo desenvolvido no âmbito do Confaz.

·         Hugo Funaro é sócio do escritório Dias de Souza Advogados Associados

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