Colecionismo Patológico - Juntando angústias -

Publicado por: redação
17/10/2012 04:10 AM
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*Breno Rosostolato

Colecionar figurinhas, juntar e trocar com os amigos aquelas que são repetidas, ganhar algumas no bafo e completar o álbum é considerado ainda um passatempo para crianças e adultos. O ato de colecionar, no caso de um álbum de figurinhas, é saudável. É lúdico, proporciona interação entre as pessoas e satisfação pessoal a cada vez que consegue uma figurinha nova. Uma diversão inocente e agradável. Não só álbuns de figurinhas são colecionáveis. Bonecos, quadros, objetos antigos, livros,discos e muitas outras peças e objetos que remontam uma história, resgatam e conectam o passado, revive uma ideia, vontades e desejos. Alguns podem colecionar viagens inesquecíveis, lugares memoráveis, relações amorosas e por ai vai. Colecionar é uma maneira de criar as próprias listas, se inserir e constituir uma história. As pessoas precisam de experiências, vivenciar situações, conhecer lugares e outras pessoas. Tudo isso irá contribuir para a formação da personalidade e baseado nestas experiências colecionadas, cria-se as referências. Conseguimos aprender e desenvolvemos a subjetividade.

Acontece que existe uma modalidade de colecionismo que é destrutiva ao indivíduo e em nada tem de divertido ou agradável. Pautado na compulsão e na obsessão, são histórias permeadas de dor e sofrimento, cujo comportamento está condicionado a enormes crateras afetivas. Algumas pessoas juntam tantos objetos que não conseguem nem andar em suas próprias casas, transformando-a num depósito de lixo, um ambiente sujo, que acumula poeira, sujeira, insetos e até ratos, isso sem contar com o cheiro desagradável de comida estragada. Para entendermos o colecionismo patológico devemos entender as raízes deste conflito emocional.

A obsessão é uma alteração no pensamento que cria impulsos, imagens, cenas e dúvidas que invadem a consciência. São ideias impulsivas experimentadas como intrusivas e inapropriadas que manifestam-se de forma quase involuntária, repetitiva, persistente e normalmente absurdas. A pessoa na tentativa de evitá-las ou ignorá-las passa a ter comportamentos ritualísticos a fim de neutralizar a ansiedade causada por estas ideias, daí a origem da compulsão. A compulsão são atos repetitivos, como no caso de verificar se fechou a porta da casa quatro vezes, ou atos mentais como rezar, contar, repetir frases. Comportamentos que atenuam a angústia da obsessão. A pessoa possui o discernimento de que esses pensamentos são reais, reconhecem os excessos e exageros, mas mesmo o juízocrítico não é suficiente para acabar com as atitudes compulsivas. São sistemas assim que explicariam, por exemplo, o Transtorno Obsessivo Compulsivo, conhecido pela sigla TOC.

Diante da angústia de uma realidade dolorosa e sofrida, como a perda de alguém querido ou um isolamento social, o sujeito desenvolve defesas que disfarçamesta realidade, distanciando-o da dor. Embora seja contra a vontade da pessoa, as ideias obsessivas são criadas para diminuir o sentimento de desamparo e a sensação de medo. A compulsão surge estereotipando as ações da pessoa, aprisionando-a num universo de rituais e padrões. O sujeito fica a mercê de outros conflitos como as fobias. É diante desta contextualização que se sustenta ocolecionismo patológico. É compulsivo e se caracteriza pelo acúmulo e a incapacidade de se descartar objetos. Estes objetos podem ser qualquer coisa, mas a fixação por guardá-los vai depender do sentimento relacionado e atribuído pelo colecionador compulsivo. Geralmente são roupas velhas, jornais, eletrodomésticos quebrados ou móveis rasgados. É muito comum existir uma quantidade exacerbada de objetos que não fazem o menor sentido de estarem ali como tampinhas de garrafa, cartas muito antigas, extratos bancários e documentos de décadas, latas, potes de vidro, pedaços de barbante, uma quantidade imensa de papéis antigos entre outras coisas.

A resistência em se desfazer destes objetos é sustentado pelo discurso de que tudo ali possui sua importância e que poderá ser útil futuramente, mas num futuro que nunca chega. Objetos com apelos sentimentais tornam os colecionadores ainda mais intransigentes com a ideia de descartá-los, geralmente porque o objeto é o laço afetivo com um ente querido que faleceu ou que está distante.

Existem ainda casos de colecionismo patológico com animais, o chamado “animal hoarding” (coleção de animais). Pessoas criam um número exagerado de animais domésticos que geralmente são coletados nas ruas, sem a menor condição de higiene e cuidados adequados. Muitos destes animais morrem por causa dos maus cuidados, sem vacinação, alimentação e limpeza. Tanto o colecionador e sua família convivem com cadáveres em estado de decomposição e ficam a mercê de doenças.

Existe tratamento para o colecionismo compulsivo, na maioria das vezes, procurado pela família. O colecionador patológico refuta qualquer procedimento que venha a organizar o ambiente em que ele vive e livrar-se do lixo em que ele se apegou. Mediante ao uso de psicofármacos e psicoterapia, entre as vertentes psicológicas, a mais aconselhada é a linha comportamental cognitiva, o colecionador patológico é levado a resignificar suas necessidades de juntar objetos, revelando o conflito cerne de toda a angústia.

A intervenção psicológica deve ser incisiva, em que com o auxílio do psicoterapeuta e o apoio da família, a reclassificação de cada objeto é importante, separando aquilo que for necessidade básica e o que é supérfluo. Separa-se aquilo que será doado, reciclado e jogado fora. Deve-se enaltecer que o convívio em casa deve ser prazeroso, com espaço para todos. A prioridade é restabelecer sua saúde emocional e que a mudança de comportamento e valoresirão afetar, positivamente, não só ela como as pessoas que ama.

*Breno Rosostolato é psicoterapeuta e professor da Faculdade Santa Marcelina.

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