A tragédia de Santa Maria e a segurança nos Eventos Esportivos

Publicado por: redação
26/02/2013 10:58 PM
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Na madrugada do dia 27/01/2013, domingo, uma tragédia de enormes proporções chocou o Brasil e o mundo: o incêndio na Boate “Kiss”, na cidade de Santa Maria, interior do Estado do Rio Grande do Sul que, até o dia 29/01, já havia acarretado na morte de 235 pessoas, a maioria jovens estudantes universitários, bem como deixado 117 feridos.

Além de entristecer o país, a tragédia ocorrida no interior gaúcho mais uma vez suscitou questionamentos sobre a precariedade das condições de segurança em casas de shows e em estabelecimentos de modo geral em todo o Brasil e, como não poderia deixar de ocorrer, se haverá conforto e segurança nos grandes eventos que serão realizados no Brasil a partir deste ano, especialmente na Copa do Mundo de Futebol de 2014 e nos Jogos Olímpicos de 2016.

É sabido que já ocorreram tragédias em eventos esportivos no Brasil, especialmente em Estádios de Futebol. No ano 2000, no Rio de Janeiro, durante a final da Copa João Havelange, entre o Vasco da Gama e o São Caetano, centenas de torcedores ficaram feridos em razão da queda de um alambrado do Estádio São Januário, de propriedade do Vasco, que recebia um público bastante superior à capacidade que possuía naquela época.

Após este incidente, foram criadas normas pela Confederação Brasileira de Futebol no intuito de evitar a superlotação dos estádios, garantindo uma quantidade de metros quadrados para cada torcedor, o que diminuiu a capacidade máxima de torcedores nos estádios do país.

Mais recentemente, no ano de 2007, quando os torcedores do Esporte Clube Bahia comemoravam o acesso do clube à segunda divisão do Campeonato Nacional, um lote da arquibancada do Estádio da Fonte Nova, em Salvador, cedeu, causando a morte de sete pessoas e deixando uma grande quantidade de feridos. Esta tragédia, de grande repercussão internacional, gerou questionamentos sobre a capacidade do Brasil em sediar um evento do porte da Copa do Mundo, já que o país já havia sido confirmado como sede da Copa de 2014. Em razão do incidente, a Fonte Nova foi interditada e, posteriormente, demolida, para a construção de um novo Estádio no mesmo local, que será inaugurado no dia 31/03/2013 e receberá jogos da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo de 2014.

Os incidentes acima relatados, bem como tantos outros em eventos esportivos, ocorreram em razão da negligência dos dirigentes das entidades esportivas brasileiras, bem como da ausência da fiscalização devida pelos órgãos do poder público. Em todos os casos, houve a posterior adoção de medidas paliativas, que não resolvem o cerne do problema, além da inexistência, na maioria das vezes, da aplicação de sanções na esfera civil ou penal aos dirigentes esportivos e aos gestores públicos responsáveis.

A preocupação da opinião pública nacional e internacional, baseada nestes exemplos de irresponsabilidade e de impunidade, é a ocorrência de incidentes de grandes proporções nos eventos globais que serão realizados no Brasil. No entanto, as autoridades esportivas internacionais envolvidas nos eventos refutam esta hipótese.

O diretor de comunicação do Comitê Organizador Local dos Jogos Olímpicos de 2016, Carlos Villanova, declarou que a tragédia de Santa Maria "poderia ter acontecido em qualquer lugar do mundo", mas que "não tem nada a ver com a capacidade do Brasil de organizar eventos de massa, como é demonstrado há décadas com o carnaval carioca e os fogos de artifício de Ano Novo na praia Copacabana, que atraem sem intercorrências até dois milhões de pessoas".

Da mesma forma, o secretário-geral da FIFA, entidade organizadora de dois dos grandes eventos que ocorrerão no Brasil a partir deste ano, o francês Jérôme Valcke, declarou que a tragédia de Santa Maria "não tem nada a ver com a segurança dos estádios durante a Copa das Confederações e do Mundial de 2014".
"Temos um plano de contingência para evacuar um estádio inteiro no espaço de oito minutos", argumentou o secretário, reafirmando sua "plena confiança" no Comitê Organizador Local do Mundial de 2014.

De fato, as entidades organizadoras dos supramencionados eventos, o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Federação Internacional de Futebol (FIFA), disponibilizam aos países sedes uma extensa lista de exigências no que tange a segurança nos locais de realização dos jogos.

No caso da FIFA, todas as exigências relativas à organização dos seus eventos, incluídas as de segurança, estão reunidas em um caderno de 250 páginas publicado em 2004, com o nome de Football stadiums technical recommendations and requirements, algo como “recomendações técnicas e requisitos para estádios de futebol”.

O manual, que está em sua 5ª edição, de 2011 e foi elaborado para orientar a construção e reforma dos estádios alemães da Copa de 2006, servindo de guia para os anfitriões das Copas de 2010 e 2014, a África do Sul e o Brasil, trata a segurança dos torcedores como item prioritário, tanto na elaboração dos projetos quanto na operação dos estádios, havendo diversas recomendações e determinações neste sentido.

Há, por exemplo, a recomendação de que setores como escadarias, portões e corredores sejam sinalizados e livres de obstáculos, além da determinação de que os portões de acesso abram do interior para o exterior e permaneçam destrancados até o fim dos eventos, tudo isso para facilitar a evacuação rápida do público presente, o que não ocorreu, por exemplo, na Boate de Santa Maria.

E algumas das recomendações da FIFA relativas à segurança nos seus eventos foram positivadas com a elaboração da denominada “Lei Geral da Copa”, aprovada pelo Congresso Nacional no segundo semestre de 2012, onde consta, inclusive, a hipótese de Responsabilidade Civil da União perante a FIFA, “por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos, exceto se e na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano”.
A elaboração de extensas listas de exigências relativas à segurança pelos órgãos organizadores dos eventos, especialmente pela FIFA, as constantes vistorias nas obras que estão sendo realizadas por estes órgãos, bem como a possibilidade de responsabilizar civilmente a União e os gestores públicos por eventuais danos causados conferem uma expectativa de que tragédias como as relatadas acima não se repitam nos eventos esportivos internacionais que serão realizados no Brasil.

No entanto, a “cultura” nacional de inexistência de medidas preventivas, da adoção de providências apenas após grandes tragédias e, ainda assim, paliativas, da ausência de fiscalização adequada e da impunidade resgatam o temor de que tragédias de grandes proporções ocorram não só nos eventos esportivos internacionais que serão realizados em nosso país como em outros locais e períodos.

Afinal, de que adianta a adoção de rigorosas normas de segurança nos jogos da Copa do Mundo se normas similares não estiverem sendo seguidas, por exemplo, em festas nas ruas ou em casas de show ocorridas durante o período da copa? Além disso, qual a garantia de que teremos eventos, esportivos ou não, com as condições de segurança adequadas após o Mundial de Futebol e a Olimpíada?

É imprescindível que a União, os Estados e os Municípios adotem rigorosas medidas de prevenção e fiscalização não só no momento imediatamente posterior ao de uma tragédia como a do interior Gaúcho, mas sim ininterruptamente. Boates, casas de show, bares, estádios, escolas e estabelecimentos de qualquer natureza sem condições de segurança adequadas devem ser impedidos de funcionar até que regularizem a situação.

Na esfera esportiva a fiscalização deve ser rigorosa nos eventos internacionais que aqui serão realizados, mas não apenas durante eles. Não deve haver mais tolerância com incidentes como os que ocorrem frequentemente, nas mais diversas proporções, em Estádios e Ginásios do nosso país, por conta do descaso das autoridades. Além de intensa fiscalização, deve haver rigorosa punição aos dirigentes esportivos e aos gestores públicos responsáveis. Que se aproveite o legado da Copa e da Olimpíada para uma mudança definitiva de paradigma nos padrões de segurança do país. O Brasil não pode mais chorar tantos mortes estúpidas.

Jorge Luís Azevedo Nunes é advogado do núcleo de negócios em Direito Desportivo do MBAF Consultores e Advogados S/S. Pós Graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito. esportivo@mbaf.com.br

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