A limitação dos créditos laborais na Lei de Falência e o aparente conflito de normas trabalhista

Publicado por: redação
17/03/2013 10:04 PM
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Com a promulgação da Lei n° 11.101, nova lei de falência e recuperação de empresas, de 9 de fevereiro de 2005, criou-se uma situação jurídica nova no que tange os créditos trabalhistas frente ao processo falimentar e de recuperação de empresas, ocasionando grande repercussão quanto aos efeitos da insolvência do empregador no contrato de trabalho, diante da efetiva proteção dos créditos dos empregados.

 

O Decreto Lei n° 7.661/45, antiga Lei de falência, tinha como objetivo principal excluir do mercado capitalista qualquer empresa que prejudicasse a economia, ou seja, retirar do mercado aqueles empresários que causavam danos e malefícios à economia.

 

Na prática, cogita-se a ideia de que a antiga lei de falência era utilizada como uma forma de cobrança de dívidas; neste sentido, visava o adimplemento da obrigação decorrente da impontualidade, objetivando a satisfação do credor.

 

Diante das dificuldades em que passa a sociedade brasileira e mundial, em decorrência do aumento populacional, do desemprego, da fome, da miséria, havia a necessidade de uma lei que preservasse a empresa, facilitando a continuidade da sociedade empresária e não o seu desaparecimento do mercado capitalista.

 

Logo, a empresa exerce papel fundamental na sociedade moderna, na medida que gera emprego, renda, movimentação financeira, tributação, crescimento econômico, exportação, importação, beneficiando direta ou indiretamente a sociedade e o Estado.

 

Neste contexto, a Lei n° 11.101/05, no âmbito do direito comercial e empresarial, logrou êxito ao prever a recuperação de empresa em detrimento da satisfação do credor, pois, de acordo com a antiga lei de falência, qualquer credor poderia requerer a falência do empresário-devedor em posse de título de crédito, cujo valor não fosse pago no vencimento.

 

Contudo, a proteção da empresa não significa a proteção da sociedade empresária ou do empresário propriamente dito, mas sim, da sociedade e do Estado que se beneficiam direta ou indiretamente com o desenvolvimento de sua atividade, gerando renda, emprego e crescimento econômico.

 

De outra sorte, a Consolidação das Leis do Trabalho previu sucessão de empresas (artigos 10 e 448), caracterizada como qualquer alteração, modificação na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa preservando os contratos de trabalho, bem como os direitos adquiridos advindos destes.

 

Diante disto, podemos extrair que a alteração na estrutura jurídica da empresa está ligada a qualquer transformação na organização da pessoa jurídica titular da empresa, isto é, a partir do momento em que se altera a natureza jurídica da sociedade empresária estamos diante de uma sucessão empresarial.

 

Na sucessão de empresas o empregador permanece imutável, ou seja, o que se altera é a pessoa jurídica que representa a empresa. Nesta conformidade, os contratos de trabalhos dos obreiros permanecem inalterados estando adstritos à empresa sucedida, que tem a natureza de empregadora.

 

Por consequente, as transformações ocorridas na estrutura societária da empresa, decorrentes, inclusive, de incorporação, fusão ou cisão, não poderão causar nenhum prejuízo aos contratos de trabalho dos empregados, uma vez que o risco decorrente do exercício da atividade empresarial será responsabilidade da pessoa do empregador.

 

Em que pese o instituto das relações trabalhistas, este vem sofrendo constantes modificações em decorrência de profundas alterações que consequentemente extrapolam a questão normativa e acabam alterando características fundamentais no ordenamento jurídico pátrio.

 

 

A Lei 11.101/2005 disciplinou a ordem de preferência quanto ao pagamento dos créditos habilitados na falência e recuperação judicial, contudo, a limitação dos créditos trabalhistas vem causando grande repercussão no ordenamento jurídico pátrio.

 

A limitação dos créditos na falência e recuperação judicial, independentemente da natureza do crédito a ser recebido, decorre do princípio da igualdade ou da isonomia, de modo que todos os credores tem o direito de saldar o seu crédito, atrelado ao propósito do legislador em proporcionar meios concretos e seguros para a salvar a sociedade empresária do estado de grave crise econômica financeira, viabilizando maior segurança a figura do empresário e da empresa, adimplindo consequentemente parcialmente ou totalmente o seu passivo.

 

Contudo, em que pese o intuito do legislador falimentar com a edição do referido diploma legal, a limitação no adimplemento dos créditos trabalhistas, no nosso entender, acabou indo de encontro a uma série de aspectos e princípios constitucionais, além de ensejar um conflito aparente de normas infraconstitucionais.

 

A Constituição Federal de 1988 contemplou, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (artigo 1° da CF/88), bem como uma série de direitos e deveres individuais e coletivos, não restringíveis ao rol descrito no artigo 5°, pois podemos encontrá-los no corpo constitucional.

 

Dentre as diversas características dos direitos e garantias fundamentais, podemos destacar a irrenunciabilidade (não são suscetíveis de abdicação, renuncia, recusa, mais sim do não exercício), inalienabilidade (os direitos e garantias são indisponíveis, ou seja, insuscetíveis de alienação e transação em face da natureza não patrimonial) e a imprescritibilidade (podem ser exercidos a qualquer tempo, não sendo atingidos pelo instituto da prescrição, que tem como alvo direitos patrimoniais).

 

Neste passo, o legislador, além de ter garantido o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (artigo 5, inciso XXXVI da CF/88, artigo 6 da Lei de Introdução ao Código Civil e artigo 10 e 448 da CLT) como um limite a retroatividade da lei, visando consequentemente maior estabilidade as relações jurídicas, assegurou os direitos sociais, consubstanciada na valorização do trabalho (artigo 170, caput e inciso VIII da CF/88), como conteúdo de ordem social.

 

Logo, na medida em que o legislador falimentar limita o adimplemento dos créditos trabalhistas na recuperação ou na falência, transformando em quirografário o montante excedente, viola expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo este um dos fundamentos da Republica Federativa do Brasil, de modo que o trabalho foi consagrado como um direito social.

 

Ademais, destacamos que as transformações ocorridas na estrutura societária da empresa não poderão causar nenhum prejuízo aos contratos de trabalho dos empregados, pois, conforme destacado acima, o risco da atividade econômica empresarial é inerente a pessoa do empregador/empresa (artigo 2° da CLT), não podendo, em hipótese alguma, os credores trabalhistas, bem como os credores de um modo geral, ao vislumbrarem a falência da empresa, ficarem prejudicados em face da situação de grave crise econômica financeira que passa, pois é a força do trabalho que custeia a mantença de milhões de pessoas em todo o mundo.

 

O artigo 449 da CLT disciplinou que os direitos decorrentes das relações de trabalho perdurarão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa, devendo o obreiro se habilitar, na qualidade de credor, no juízo falimentar.

 

Logo, os direitos derivados da legislação do trabalho, constituirão, na falência, a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito, inteligência esta disposta no §1° do artigo supracitado da CLT.

 

 

Diante da limitação prevista na Lei n° 11.101/05, concernente ao pagamento dos créditos trabalhistas, além de ir em encontro com o quanto disposto no artigo 449, §1° da CLT, entendemos que tal restrição ofende expressamente os princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, bem como a ordem econômica, consubstanciada na valorização do trabalho (artigo 170, caput e inciso VIII da CF/88) e no direito adquirido (artigo 5, inciso XXXVI da CF/88 e artigo 10 e 448 da CLT), além da irredutibilidade (artigo 7, inciso VI da CF/88) e a intangibilidade dos salários (artigo 462 da CLT), associado a sua natureza alimentar (467 da CLT), pois despreza os preceitos mínimos exigíveis para o exercício da função laboral atrelada a dignidade da pessoa humana e o bem estar do cidadão.

 

Ainda há de se destacar que a estabilidade laboral fora contemplada pela Carta Magna de 1988 (artigo 7, inciso I a III e artigo 10, inciso I da ADCT) e pela Consolidação das Leis do Trabalho (artigo 492), sendo garantido, inclusive, indenização compensatória pela despedida arbitrária ou sem justa causa.

 

Por outro lado, destacamos que, em face do quanto disposto no artigo 141, inciso II da Lei 11.101/2005, após a decretação da falência e a consequente alienação dos bens da empresa, compete a massa falida arcar com o passivo da empresa, uma vez que, o valor pecuniário arrecadado com a realização do ativo servirá para o adimplementos das dívidas, observada a ordem de classificação disposta no artigo 83 e 84 da Lei n° 11.101/05, sem a limitação dos créditos trabalhistas.

 

Parece plausível a solução adotada, na medida que, os credores trabalhistas, bem como os credores de um modo geral jamais poderiam ficar prejudicados em face da situação de grave crise econômica financeira da empresa, tendo em vista que, o risco da atividade econômica empresarial é inerente a pessoa do empregador/empresa (artigo 2° da CLT).

 

Logo, podemos extrair que a intenção do legislador falimentar foi proporcionar meios hábeis e menos gravosos para o sucessor/arrematante e para a empresa, dificultando o adimplementos dos créditos, em especial, os trabalhistas, em decorrência da sua limitação, transformando o seu excesso em quirografários, vindo consequentemente a contrariar dispositivos constitucionalmente positivados.

 

Entretanto, diante do aparente conflito de normas entre a CLT (artigos 10°, 448° e 449°, §1°) e Lei n° 11.101/05 (artigos 60°, parágrafo único, 141°, inciso II e 83°, inciso I) e observando o quanto disposto no artigo 2, §1° do Decreto-Lei n° 4.657 (Lei de introdução do Código Civil) entendemos que apesar da nova lei de falência e recuperação de empresas estabelecer normas gerais ou especiais frente às disposições já existentes (CLT), esta não revoga, nem modifica a legislação jus laboral.

 

Com isso, o legislador acabou criando uma situação jurídica nova, pois se impõe, necessariamente, uma análise cuidadosa para dar segurança ao procedimento de recuperação judicial e falimentar, sem esquecer a proteção e os direitos dos empregados.

 

EVERTON José Rêgo Pacheco de Andrade é Advogado. Membro do Grupo de Propriedade Intelectual do MBAF Consultores e Advogados. Pós-graduado em Direito do Estado pela Fundação Direito. p.intelectual@mbaf.com.br

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