“...até que a morte nos separe” – o casamento ontem e hoje.

Publicado por: redação
26/11/2013 12:18 AM
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Por Breno Rosostolato*

A celebração e os votos solenes do casamento, baseados na Santa Eucaristia, fomentaram novas mentalidades e transformariam radicalmente o modo de pensar da sociedade ocidental. Lapidada através de conceitos que, na Idade Média, eram considerados algo sagrado e indiscutível, o casamento se consolida como uma instituição através de três pilares: oposição aos conceitos pagãos e, consequentemente, seu enfraquecimento; a obediência divina, logo, um controle das pessoas; e, por fim, os interesses materiais e políticos.

Para os pagãos, o amor era subversivo, enquanto que para os cristãos, o amor deveria ser caridoso. Amor este que era visto com ressalvas, porque o casamento era muito sério para se admitir este sentimento ou algum envolvimento mais afetivo. O cristianismo enaltece o amor à Deus e somente assim deveria ser entendido. O casamento só é aceito através de uma relação monogâmica. Assim, as relações poligâmicas são ofuscadas e o conceito cristão de abdicar os bens materiais seria assim firmado como compromisso divino. Desta maneira, o controle das relações amorosas e principalmente ao sexo seria muito eficaz. O pretexto para a realização do casamento na Idade Média são os interesses políticos e sociais que envolvem a união de duas pessoas e, portanto, duas famílias. O negócio do casamento tinha como intuito a possibilidade de aumentar o patrimônio da família e, por fim, uma eficaz intervenção da igreja em uma sociedade sem limites. O crescimento e a prática da evangelização seria uma maneira de organizar a sociedade através da sujeição às leis divinas.

A concepção de indissolubilidade do casamento é o grande marco na metamorfose social que as pessoas sofreriam. O amor não era cogitado entre o casal, no máximo poderia ser manifestado em casa de forma superficial e sem maiores envolvimentos íntimos. O intuito primordial da união conjugal era procriar, deixar herdeiros, ou seja, assegurar os bens da família e, principalmente, serventia religiosa.
O amor era um sentimento renegado a ser coadjuvante no casamento. Inclusive, demonstrações de afeto em público eram consideradas vergonhosas e desrespeitosas, sinal de fraqueza dos homens que não sabiam ter autoridade e não se impunham à mulheres levianas e desonradas. Os conceitos enraizados ao casamento criaram visões e condutas sedimentadas através da repressão. Muitas pessoas sacrificam suas vidas em prol de um ideal e pagam altos preços pelo suposto conforto conjugal, porque casamento sempre foi defendido como sinônimo de felicidade, segurança e dignidade.

Acontece que muitos encaram a união conjugal como uma oportunidade única de serem felizes e atribuem a esta relação e ao companheiro a salvação de suas vidas. Acreditam que suas vidas devem se fundir e criam muitas expectativas. Necessidades essas sustentadas por frustrações, faltas e perdas pessoais. Idealizam o outro e esperam que a fantasia se torne realidade, o que gera muita frustração e decepções, porque estas idealizações não se concretizam como elas gostariam.

A necessidade de se moldar ao outro é uma tentativa desesperada de lidar com a solidão e um sentimento insuportável de abandono e o conceito da indissolubilidade do casamento eternizou a relação conjugal, logo, a possibilidade concreta de ter sempre alguém ao seu lado. A culpa de não cumprirem o destino que lhe foi ofertado pela vida faz com que as pessoas se sacrifiquem em prol da relação. Viver como uma única pessoa, praticando todas as tarefas juntas, faz com que comprometa suas identidades, características e singularidades. São relações sufocantes, em que se acredita que os dois devem ser um só. Não se pode ter prazer fora do casamento e, portanto, o conceito de exclusividade é inerente. Admirar ou achar alguém bonito fora do casamento é interpretado como traição.

Concordo com a psicanalista Regina Navarro Lins, ao afirmar que o casamento não é confessionário, muito menos deve ser encarado como um conto de fadas ou eternos. Qual a necessidade de falar tudo para o outro ou saber tudo sobre o companheiro? Sentir desejo por outra pessoa é muito natural, mas a culpa faz com que muitos se confessem, dando margem para que o cônjuge acentue esta culpa se vitimizando. O matrimônio que se baseia no amor romântico, que possui como alicerces uma concepção de indissolubilidade e levam, muitas vezes, os casais a passarem por cima do próprio limite para enaltecer o parceiro, faz as pessoas acreditarem na crença de posse pelo outro, gerando muitos conflitos. O que meu parceiro faz ou deixa de fazer não é da minha conta.

O casamento pode ser muito melhor do que este modelo que ai está. Para tal, não precisamos adotar novos modelos, mas admitir que talvez o melhor seja não ter um modelo a seguir. Rever o pacto de exclusividade e a indissolubilidade é preciso. O somaterapeuta e escritor, Roberto Freire, afirma que o máximo de segurança é escravidão. Inclino-me a esta consideração, pois muitas pessoas ainda acreditam que a felicidade é ter alguém na vida, buscando desesperadamente se casar para se sentirem seguras. Ideia equivocada. Temos que nos valorizar primeiro e encontrar a felicidade superando nossos medos e anseios sem transferir a nossa salvação a ninguém.

* Breno Rosostolato é psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina - FASM

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