O beija mão

Publicado por: redação
09/03/2014 01:39 AM
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Luiz Holanda
O julgamento do mensalão serviu para muitos objetivos. Além de uma tentativa para impedir a continuidade da impunidade (institucionalizada em todos os órgãos e poderes da nação) serviu também para desvendar as humilhações por que passam os indicados para ocupar o cargo de ministro dos nossos tribunais superiores. Também serviu para revelar as idiossincrasias e subserviências de todos eles, assim como a via crucis de humilhações e baixezas a que se prestam para chegar até lá. Muitos são indicados exclusivamente por critérios políticos, boa parte sem o conhecimento jurídico e sem a capacidade (intelectual e moral) para atuar como juiz.

Seria muito interessante mostrar para o povo como esses ministros são escolhidos, principalmente o jogo que se esconde na aprovação dos seus nomes. Talvez por isso muitos dos indicados, quando assumem o cargo, passam a odiar aqueles que lhes ajudaram. Existem duas maneiras de se entender esse mecanismo. A primeira é a demonstração de subserviência durante a súplica do apoio. A segunda é a soberba do favorecido quando tem a oportunidade de se vingar das humilhações sofridas na fase da indicação. A nomeação do ministro Luiz Fux para o Supremo Tribunal Federal-STF revelou isso. Até sua colega, a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça-STJ, reconheceu que o ministro enfrentou “uma certa humilhação” para conseguir ser nomeado.

Os bastidores da indicação de Fux registraram esse fato. Em busca do apoio de Lula, responsável por sua indicação, o ministro foi conversar com os companheiros José Dirceu, Antonio Palocci, Sérgio Cabral e Delfim Neto. Até o Paulo Maluf pediu por ele. Sua conduta postulatória não o recomendaria para o cargo, mas pelo menos serviu para demonstrar o poder do lobby que o indicou e a sua total falta de méritos para o cargo que ocupa. Não fosse primo do então presidente Collor de Mello, o atual ministro Marco Aurélio jamais teria chegado ao STF. Outra que só chegou lá graças ao apadrinhamento foi a ex-ministra Ellen Gracie, vetada por Fernando Henrique Cardoso mas apoiada pelo poderoso Nelson Jobim. Por escolha de Dilma Rousseff, Fux foi nomeado em plena efervescência do mensalão. Como um dos seus apoiadores foi José Dirceu – posteriormente condenado por corrupção e outros crimes-, Fux beijou-lhe a mão sem qualquer constrangimento, prometendo que “mataria no peito” o processo tão logo assumisse o cargo. Em outras palavras, sua promessa indicava que, caso fosse nomeado, julgaria a favor do ex-ministro. Ao se “estarrecer” quando viu as provas, mudou de idéia. Ainda bem.

A nomeação do ministro Toffoli foi outra humilhação, só que, desta feita, o humilhado foi o país. Em oito horas de gravações em áudio e vídeo, a advogada Christiane Araújo de Oliveira revelou que mantinha relações íntimas com o ministro e alguns dos poderosos do governo federal, e que tinha proximidade com a quadrilha de Durval Barbosa para conseguir material contra adversários políticos. Ela confessou ter tido um relacionamento íntimo com Toffoli e que, em um dos seus inúmeros encontros, entregou a ele gravações do acervo de Durval Barbosa. Teria, também, voado a bordo de um jato oficial do governo por cortesia do ministro, à época chefe da Advocacia Geral da União. Toffoli negou todas as acusações. Nas gravações, ela também revela ter tido uma amizade íntima com o secretário-geral da presidência da República, Gilberto Carvalho.

Outro que não devia estar no STF é o ministro Ricardo Lewandowski, nomeado pelos mesmos critérios dos demais e que usou depoimento de petistas para defender José Dirceu. O saldo do beija-mão desse ministro é pior do que o dos outros, com a agravante de que, no julgamento do mensalão, não se conteve na ânsia de agradar quem o beneficiou. Conhecendo perfeitamente a terrível inércia da corte que integra, tentou convencer seus colegas de que pode existir corrupção sem corruptos, ou seja: pode-se fazer justiça condenando o crime sem, no entanto, condenar o criminoso.

Luiz Holanda é professor de Ética e de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador-UCSAL

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