O poder dos juízes

Publicado por: redação
14/06/2014 09:49 AM
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* Amadeu Garrido

O poder, a autoridade, somente devem ser exercidos enquanto instrumento necessário para fazer-se cumprir a lei. Fora disso, é abuso. A lição, do emérito administrativista Bandeira de Mello, é ignorada pela maioria dos servidores públicos, investidos desses atributos. E, principalmente, pelos juízes.

Um dos abusos mais frequentes dos magistrados consiste em organizar as pautas processuais e de julgamentos a seu talante. Frequentemente, é esquecida a regra de que os processos mais antigos devem ser primeiramente julgados. É a ordem cronológica. Por outro lado, a Constituição Federal, devidamente interpretada, as leis e os regimentos dos tribunais dão primazia à solução de determinados conflitos. A prioridade cabe aos processos de "habeas corpus" (tenha o corpo), que não se limita a garantir o direito à liberdade de locomação, mas, também, de outros aspectos a ele ligados, em todos os momentos do processo penal.

O lamentável episódio ocorrido recentemente no Supremo Tribunal Federal, em que o Presidente Joaquim Barbosa expulsou um advogado do plenário, é oportuno para pensarmos no tema. Como sempre, todos os atos do Ministro Joaquim são aplaudidos por expressiva parte da população: afinal, trata-se de um magistrado salvador da pátria. O culto à personalidade fez e faz um grande mal aos povos, mas o único pensamento que o condena expressamente encontra-se no budismo.
O povo deveria se lembrar dos males à humanidade provocados pelo culto à personalidade: Hitler, Mussolini, Lênin, Stálin, Mão-Tsé-Tung, para citar os exemplos mais significativos.

Face ao abuso de autoridade do Presidente da Suprema Corte, que, no domínio do mínimo de "savoir fire", tão a gosto do Ministro Marco Aurélio, poderia tirar de letra o episódio, preferiu o ato de truculência. O advogado expulso foi veemente, mas respeitoso. Se incorreu em excessos posteriores, foi movido pela "ira santa" referida por Rui Barbosa. Não por excesso etílico, que teria sido percebida em sua correta intervenção. Mais uma vez, tratou-se de desclassificar o adverso para justificar um ato indefensável.

A consequência pior está na compreensão errônea e paradoxal da maioria do povo quanto ao papel dos advogados e da Ordem dos Advogados do Brasil, que não poderia deixar de sair em defesa do causídico. Primeiro, a figura do advogado não se confunde com a de seu cliente, como se entendia na ditadura militar. Ficou conhecido um inqualificável episódio ocorrido no DOI-CODI de São Paulo: os carniceiros da ditadura militar lançaram, nú, em pela Rua Tutóia, um renomado advogado, que fora tentar salvar a vida de seu cliente. Muitos outros advogados foram assassinados por exercer suas funções, sobretudo em conflitos fundiários ocorridos nos mais distantes rincões do país. Ocorre que a função do advogado só é compreendida como o ar que respiramos: é preciso que ele falte. Diante de uma falta, praticado por um homem, ou por algum familiar, culposa ou dolosa, ou de uma acusação improcedente, o advogado deixa de ser o anarquista que atrapalha os serviços públicos e passa a ser um profeta do desesperado. É imediata e ansiosamente procurado.

A Ordem dos Advogados do Brasil foi a entidade que comandou a resistência ao governo de exceção e levou o Brasil à democracia. Em nome de todos os bravos defensores, lembremos a figura de Raimundo Faoro. As mortes e as torturas nos porões macabros teriam sido em número muito maior se a Ordem não se posicionasse firmemente contra o arbítrio, sob imensos riscos. São incompreensíveis, salvo se as atribuirmos a quem ignora a recente história brasileira, as críticas endereçadas a seu Conselho Federal, por defender uma das mais elementares prerrogativas de seus pares: a de pedir ou, com mais precisão, a de requerer, na forma da lei.
Contrariamente à lógica natural das coisas judiciárias, o Presidente do STF não havia pautado à ordem do dia um "habeas corpus". Outros temas, de menor relevância à pessoa humana, haviam sido priorizados. Tal processo só poderia ser precedido por outros da mesma natureza, de presos ou processados sem terem a visibilidade (má ou boa) do paciente do combativo defensor.

O maior poder abusado dos presidentes dos Tribunais está em organizar as pautas. Os pautados e não pautados. Os gabinentes de juízes e desembargadores também não observam as prioridades subjetivas e objetivas contidas nos processos que a eles aportam, salvo se os advogados dos detrimentados esgrimirem de modo intimorato seu inconformismo ante às violações da lei.

Bem por isso, é altamente relevante para todos os cidadãos a construção de norma a esse respeito, em andamento no Conselho Nacional de Justiça:
a lei, e não os juízes, será determinante das pautas. Provavelmente seus elaboradores a concretizarão após a "alta", como bem mencionou o jornalista Josias de Souza, ao referir-se ao afastamento voluntário do Ministro Joaquim da cúpula da Justiça brasileira.

*Amadeu Garrido de Paula é advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho.

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