O tempo de concentração de um jogador de futebol deve ser considerado como hora extra ?

Publicado por: redação
21/08/2014 07:35 AM
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Os temas que envolvem o Direito Desportivo são apaixonantes. Sempre polêmicos e possíveis de serem interpretados de várias formas. É muito gratificante relembrar fatos históricos e pitorescos que nos ajudam a entender a atual regulamentação da atividade do atleta profissional.

O futebol tem a graciosa virtude de unir culturas e povos, sem distinção de credo, raça ou origem. A linguagem da bola é universal. No início do século XX, enquanto o Brasil começava a tomar gosto pelo esporte e assistia Arthur Friedenreich ser carregado em triunfo pelas ruas do Rio de Janeiro após conquistar o título de Campeão Sul Americano, o futebol era praticado por uma minoria privilegiada de filhos de imigrantes ingleses. Nesta época, sequer se cogitava reconhecer o atleta como um trabalhador.

O doutrinador Hector Barbagelata, cita três entraves para o reconhecimento do futebol como trabalho: a) o complexo processo do amadorismo ao profissionalismo; b) o desporto é mais uma diversão do que uma obrigação; c) o alto grau de participação do público.

Apenas no início da década de 1930 é que surgem as primeiras normas disciplinando a prática desportiva, com forte característica intervencionista do Estado. Nesta época a preocupação era a de evitar o êxodo de jogadores para o exterior.

Episódio interessante é o relatado pelo Ministro Mozart Victor Russomano enquanto Juiz Presidente da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Pelotas, julgou um processo, no ano de 1951, no qual o reclamante Nelson Feira da Cunha, que havia sido contratado como jogador de futebol do Clube Atlético Bancário de Pelotas, se qualificava como comerciário e não como atleta de futebol.

O atleta profissional não é um trabalhador comum. A legislação aplicável para este trabalhador é a Lei n.º 9.615/98 (Lei Pelé). Naquilo em que esta for omissa se aplica a CLT.

Jornada de trabalho

A limitação da jornada de trabalho se constitui em uma das formas de proteção do trabalho humano.

“É de fundamental importância a limitação do tempo despendido com o trabalho por razões de natureza biológica, de ordem econômica e de caráter social”. Arnaldo Süssekind.

“A limitação das horas de trabalho interessa às condições fisiológicas de conservação de classes inteiras, cuja higiene, robustez e vida entendem com a preservação geral da coletividade, com a defesa nacional, com a existência da nacionalidade brasileira”. Rui Barbosa.

Este tema é regulado pela legislação desportiva há muito tempo, conforme cronologia abaixo destacada:

1976: Art. 6º da Lei n.º 6.354/76 (já revogado) – Limitava a jornada do atleta a 48 horas semanais.

1988: Art. 7º XIII da C.R.F.B. – estabeleceu que a jornada do trabalhador está limitada a 8 horas diárias e 44 horas semanais.

2001: Art. 93 e 96 da Lei Pelé – a partir de 25/03/2001, revogaram o art. 6º da Lei 6.354/76.

Em razão desta revogação ocorrida em 2001, respeitados doutrinadores entenderam que o limite de jornada não se aplicava ao atleta, mesmo que a Constituição Federal assim determinasse.

“O tratamento diferenciado a respeito das relações trabalhistas comuns se justifica em face da natureza especial dessa prestação de serviços, que consiste em uma peculiar distribuição da jornada entre partidas, treinos e excursões. Há relativamente ao atleta, nesse particular, um campo aberto que reclama a atuação das normas coletivas ou dos contratos individuais de trabalho”. Alice Monteiro de Barros.

2011: O art. 28 § 4º, VI da Lei Pelé, assegura ao atleta profissional jornada de trabalho desportiva de 44 horas semanais (inserido pela Lei n.º 12.395/11).

A atual redação é criticada por doutrinadores, pois jornada se origina do vocábulo giorno, que quer dizer dia. Logo a terminologia não é a mais adequada. Contudo, deve ser ressaltado que a lei não limitou a quantidade de horas por dia trabalhada, mas sim a semanal.

Tempo de concentração

O art. 7º da já revogada Lei n.º 6.354/76, tratava do período de concentração e o limitava a 3 dias, salvo quando o atleta estivesse à disposição da Federação ou da Confederação.

O art. 28 § 4º, incisos I, II e III da Lei Pelé, tratam da concentração, da seguinte forma:

I - se conveniente à entidade de prática desportiva, a concentração não poderá ser superior a 3 (três) dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta ficar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede

II - o prazo de concentração poderá ser ampliado, independentemente de qualquer pagamento adicional, quando o atleta estiver à disposição da entidade de administração do desporto;

III - acréscimos remuneratórios em razão de períodos de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, conforme previsão contratual;

Na medida em que a lei desportiva passou a contemplar o pagamento de acréscimos remuneratórios em razão dos períodos de concentração, logo, não há que se falar em pagamento de horas extras neste período.

Em razão de sua natureza, o período de concentração é obrigação contratual e não integra a jornada de trabalho para fins de pagamento de horas extraordinárias, desde que observado o limite de 3 dias.

“A concentração é um costume peculiar ao atleta e visa resguardá-lo para obtenção de melhor rendimento na competição.” Alice Monteiro de Barros.

Neste sentido se firmou a Jurisprudência:

JOGADOR DE FUTEBOL. HORAS EXTRAS. PERÍODO DE CONCENTRAÇÃO. Nos termos do art. 7º da Lei 6.534/76, a concentração do jogador de futebol é uma característica especial do contrato de trabalho do atleta profissional, não se admitindo o deferimento de horas extras neste período. Recurso de Revista conhecido e não provido.

(RR - 129700-34.2002.5.03.0104, Relator Ministro: José Simpliciano Fontes de F. Fernandes – 2ª Turma, Data de Publicação: 07/08/2009)

HORAS EXTRAS. JOGADOR DE FUTEBOL. PERÍODO DE CONCENTRAÇÃO. "A concentração é obrigação contratual e legalmente admitida, não integrando a jornada de trabalho, para efeito de pagamento de hora extras, desde que não exceda de 3 dias por semana". Recurso de revista a que nega provimento.

(RR - 405769-69.1997.5.02.5555, Relator Ministro: Antônio José de Barros Levenhagen - 4ª Turma, Data de Publicação: 05/05/2000)

Todavia, o atleta fará jus aos acréscimos remuneratórios pelo tempo de concentração, desde que haja prévia estipulação no contrato especial de trabalho desportivo.

O período de concentração é obrigação contratual e não integra a jornada de trabalho para fins de pagamento de horas extraordinárias, desde que observado o limite de 3 dias. No cômputo do limite semanal serão incluídos todos os períodos de trabalho ou à disposição do empregador, exceto aqueles previstos no inciso III do § 4º do art. 28 da Lei 9.615/98, aí inserido o período de concentração;

O período de concentração poderá gerar direito à acréscimos remuneratórios, desde que previstos contratualmente, ou por força de norma coletiva;

Não havendo pactuação específica, nem efetivo pagamento de acréscimos remuneratórios, o salário básico ajustado com o clube, abrangerá os serviços prestados e os períodos de concentração, viagens, pré-temporadas e participação do atleta em partida.

 

MAURICIO DE FIGUEIREDO CORRÊA DA VEIGA - Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UCAM-RJ; Membro do IAB; Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF; Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD); Auditor do Tribunal Pleno do STJD da CBTE; Procurador Geral do STJD da CBTARCO; Membro da Escola Superior da Advocacia da AATDF; Sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados.

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