O Iraque e o caos

Publicado por: redação
20/10/2014 06:03 AM
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Por Edilson Adão Cândido da Silva*

Há muito que o Iraque encontra-se em pauta no teatro internacional marcado por uma instabilidade que, em essência, o acompanha desde sua fundação em 1921. As conferências do pós Primeira Guerra Mundial, esse marco histórico decisivo que selou o destino territorial do Oriente Médio, criariam uma coroa consentida por Londres na Mesopotâmia. O país que não existia com a presente conformidade territorial até o início do século XX, converteu-se nos dias de hoje, possivelmente, no pior lugar do mundo. Em que pese residir na tríade Primeira Guerra Mundial, Imperialismo, dissolução do Império Turco-otomano as bases da compreensão do que se passa em todo Oriente Médio contemporâneo, vamos nos ater nesse espaço a episódios mais recentes e que dominam a cena política do antigo Reino da Babilônia.

Soa natural que a maioria dos cidadãos em qualquer lugar do mundo optem por não viver em um regime tirânico; pior ainda parece ser um “regime terrorista” que é no que parece ter se transformado o Iraque dos últimos anos. Saddam Husseim chegou ao poder em 1979, após desferir um golpe de Estado no âmbito interno do Partido Bath, que por sua vez chegara ao poder pela mesma via em 1968. Golpes de Estado são uma marca do país desde 1958, quando a república foi fundada por Karim Kassem e a família real executada. O fundador da república teria o mesmo fim dez anos mais tarde.

Com imenso talento para eliminar adversários, Saddam impôs uma longeva ditadura pessoal: o Iraque converter-se-ia  num regime opressor, mas, inegavelmente, um Estado. Podemos tranquilamente rotular Saddam Husseim como ditador, mas trata-se de erro conceitual classificá-lo como terrorista. Sendo assim, a argumentação utilizada por Bush e seus falcões no início do século presente para desferir o fatídico ataque de 2003, não condiz com a verdade; hoje discute-se nos serviços de inteligência como a CIA ou o M-16 se o que houve foi mentira ou um dos maiores erros de espionagem de todos os tempos ao apontar armas inexistentes. Após o término do governo Bush, Donald Rumsfeld, um dos principais falcões, reconheceu os erros que levaram à guerra do Iraque, embora não sem deixar de mencionar um “erro de boa fé.” Tal “boa fé” custou centenas de milhares de mortos e a transformação do país no caos.

Independentemente de erros, ou mentiras, o Iraque foi atacado em nome da Guerra ao terror. O regime caiu, Saddam Husseim foi capturado, preso, julgado e executado por um novo regime que ele dizia não reconhecer. E no que se converteu o Iraque a partir de então? Não em uma democracia imposta a bordo de um tomahawk, como queriam os neocons norte-americanos, mas no seu oposto: num abrigo de terroristas das mais variadas partes do mundo.

Essas são as bases mínimas para se compreender o surgimento do ISIS [ou EIIL, Estado Islâmico do Iraque e Levate], agora auto-intitulado Estado Islâmico, embora conceitualmente, não se justifique esse termo. Igualmente, é um erro a nomenclatura Khalifado, declarado pelo líder do grupo Abu Bakr al Bagdhadi, pois não só não condiz com a noção moderna de Estado no Sistema Internacional contemporâneo, como khalifa pressupõem sucessão do profeta Mohammad e seu reconhecimento pela comunidade islâmica, o que de fato, não acontece: o que o ISIS produziu com suas truculentas ações é uma ojeriza generalizada das mais variadas tendências do Islã. O grupo pratica uma deturpação dos preceitos islâmicos e em muito lembra uma seita ismaelita do século XI que após inalarem o haxixe, executavam de forma cruel seus adversários, ficando conhecido como os hashishiyn, adaptado para o léxico ocidental, assassinos. Militantes do ISIS parecem ser os assassinos do século XXI.

Como se sabe, sob a liderança de al-Zarqawi, a al Qaeda instalou-se no Iraque logo após a derrubada do regime de Saddam Husseim; no caos em que se transformara, o país tornou-se abrigo de terroristas de várias partes do mundo. No vácuo do fenômeno político designado como Primavera árabe, explodia em 2011 a crise síria e dentre os vários grupos que bradavam pela queda de Bashal Al Assad, encontrava-se o al Nusra, vertente síria da al Qaeda. O ISIS é exatamente um híbrido desses dois grupos como também é uma consequência direta das crises síria e iraquiana. Estima-se hoje que o ISIS controle cerca de um terço do Iraque em sua porção setentrional e outra vasta área da Síria que se estende de Alepo à fronteira iraquiana.

Contudo, com sua postura e métodos execráveis, o ISIS tem o mérito em tornar-se praticamente uma unanimidade atraindo para si o repúdio dos mais contrastantes interesses no Oriente Médio. Estados Unidos, Europa, Rússia, Síria e Irã, além do próprio governo sectário iraquiano, todos convergem para uma oposição ao grupo. O que parece impedir tal intento é o legado do espólio político e territorial, já que potências globais e regionais divergem no destino de Iraque e Síria. Por seu turno, a Turquia está bem atenta às pretensões dos curdos do norte iraquiano, (até então, a vanguarda de combate ao ISIS) em viabilizar um Estado, ideia rechaçada pelos turcos.

 

* Edilson Adão Cândido da Silva é especialista em relações internacionais e autor da coleção Geografia em Rede, da Editora FTD.

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