Na Índia, as castas configuram um sistema de estratificação social explícito e reconhecido por todos. No Brasil, o tal país "sem preconceitos e castas", os estratos sociais e profissionais se multiplicam, a população se faz de cega e surda e os aproveitadores deitam e rolam com o dinheiro do contribuinte. Por todos os lados, o que mais se vê são bandos de privilegiados formais que usufruem de regalias e mordomias absurdas, em flagrante escárnio a outros segmentos da sociedade. Isso ocorre fartamente nos três poderes republicanos, mas o Judiciário tem assumido uma inadmissível posição de destaque nesse mar de privilégios obscenos.
O valor será pago todo mês a juízes e servidores com até três filhos, em idade entre 8 e 24 anos. O projeto de lei foi elaborado pelo próprio TJ-RJ sob a alegação de se promover a simetria com o Ministério Público estadual, que já recebe auxílio semelhante. O dinheiro sairá do Fundo Especial do TJ-RJ, composto pela arrecadação com taxas judiciárias e custas judiciais. A população fluminense foi tocaiada por uma das associações mais funestas que se pode ter, a de juízes com deputados estaduais. Criou-se assim mais uma casta, a de filhinhos de juízes e servidores do TJ-RJ -- por que eles merecem favores e privilégios que milhões de outros brasileiros, contribuintes como eles ou seus pais, não recebem?!
Segundo o artigo, o orçamento foi de R$ 1.040.063.433,00! Somente para o pagamento de aposentadorias e pensionistas foram despendidos R$ 236.793.466,87, cerca de um quarto do orçamento. Para os vencimentos de pessoal, foi gasta a incrível quantia de R$ 442.321.408,00. Ou seja, para o pagamento de pessoal e das pensões e aposentadorias, o STJ reservou dois terços de seu orçamento.
Setembro é considerado o mês das flores, continua o artigo. Mas no STJ é o mês do Papai Noel. O bom velhinho, três meses antes do Natal, em 2014, chegou com seu trenó recheado de reais. Somente a dois ministros aposentados pagou quase 1 milhão de reais. Arnaldo Esteves Lima ganhou R$ 474.850,56 e Aldir Passarinho, R$ 428.148,16 -- os dois somados receberam o correspondente ao valor aposentadoria de 1.247 brasileiros. A ministra Assusete Dumont Reis Magalhães embolsou de rendimentos R$ 446.833,87, o ministro Francisco Cândido de Melo Falcão de Neto foi aquinhoado com R$ 422.899,18, mas sortudo mesmo foi o ministro Benedito Gonçalves, que abocanhou a módica quantia de R$ 594.379,97. Também em setembro, o ministro Luiz Alberto Gurgel de Faria recebeu R$ 446.590,41. Em novembro do mesmo ano, a ministra Nancy Andrighi foi contemplada no seu contracheque com R$ 674.927,55, à época correspondentes a 932 salários mínimos, o que -- incluindo o décimo terceiro salário -- um trabalhador levaria para receber 71 anos de labuta contínua.
Villa afirma que nos dados disponibilizados na rede é impossível encontrar um mês, somente um mês, em que ministros ou servidores -- não exemplificou casos de funcionários, e são vários, para não cansar (ou indignar?) ainda mais os leitores -- não receberam acima do teto constitucional. São inexplicáveis esses recebimentos, diz ele. Claro que a artimanha, recheada de legalismo oportunista (não é salário, é "rendimento"), é de que tudo é legal. Deve ser, presumo. Mas é inegável que é imoral, conclui Villa [também acho].
Em maio de 2015, o quantitativo de cargos efetivos era de 2.930 (eram 2.737 em 2014). Destes, 1.817 exerciam cargos em comissão ou funções de confiança (eram 1.406 em 2014). Dos trabalhadores terceirizados, o STJ tem no campo da segurança um verdadeiro exército privado: 249 vigilantes. De motoristas são 120. Chama a atenção a dedicação à boa alimentação dos ministros e servidores. São quatro cozinheiras, 29 garçons, 5 garçonetes e 54 copeiros. Na longa lista -- são 1.573 nomes em 99 páginas -- temos pedagogas, médicos, encanadores, bombeiros, repórteres fotográficos, recepcionistas, borracheiros, engenheiros, auxiliares de educação infantil, marceneiros,jardineiros, lustradores e até jauzeiros (que eu não sei o que é) [sic]. [Info: jauzeiro é limpador de janelas.]Para assistência médica, incluindo familiares, foram gastos em apenas um ano R$ 63 milhões e R$ 4 milhões para assistência pré-escolar. Pela quantia despendida em auxílio-alimentação -- quase R$ 25 milhões -- Villa acredita ( e eu também) que se faz necessário um programa de emagrecimento de ministros e servidores. Villa informa ainda que o STJ dispões de uma frota de 146 veículos (57 GM/Ômega, 13 Renault/Fluence, 7 GM/Vectra, e mais 68 veículos de serviços [isto dá um total de 145 veículos e não 146]. Como há 33 ministros no STJ, tem-se que cada excelência conta com mais de 4 veículos à sua disposição.
Em seu artigo, Marco Antonio Villa faz uma salada de números quando afirma que "como foi exposto", há no STJ 2.840 servidores efetivos e mais 1.537 terceirizados, perfazendo um total de 4.413 servidores para um simples tribunal, o que parece demasiado. Na realidade, estes últimos números não constam do texto anterior do artigo. Villa cita ainda que, em 2013, havia ainda 523 estagiários, levando o total de servidores a 4.936 funcionários [uma média de 133 funcionários para ministro].
Os números acima são simplesmente espantosos (repito eu e não Villa), e caracterizam inequivocamente que o STJ é um centro de privilegiados sanguessugas do país.
Sintomaticamente, logo após as denúncias devastadoras de Marco Antonio Villa, o STJ vem a público através de seu presidente Francisco Falcão em artigo publicado também no Globo, em 04 do corrente junho ("STJ, a Justiça com eficácia"), fazer apologia de si mesmo. O ministro Falcão afirma que "Em 25 anos de existência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é, sem hesitação, o “tribunal da cidadania”, com indicadores de desempenho institucionais que evidenciam avanços de sua atuação em prol de uma justiça mais célere, eficiente e democrática". Ele se esqueceu de mencionar a que custo isso se deu para o país.
Falcão diz ainda que em 2014, o tribunal poupou aproximadamente R$12 milhões a partir da revisão de compras na área de tecnologia da informação. Outros R$ 22 milhões permaneceram nos cofres da Casa, após a adoção gratuita de um novo sistema de gestão de documentos, em convênio firmado no âmbito do Judiciário. Segundo ele, o tribunal se tornou referência em atividades de responsabilidade socioambiental entre os poderes da República, tendo economizado com isso mais de R$ 6 milhões em cinco anos.
O ministro diz também que houve, ainda, uma redução pela metade de 2.400 itens de material de consumo, incluindo papel e utensílios. Somente com eletricidade, o tribunal economizou mais de meio milhão (R$ 600 mil) entre 2013 e 2014. Pela denúncia de Villa, esta economia foi insuficiente para pagar o contracheque da ministra Nancy Andrighi em novembro de 2014. Todos os números do ministro Falcão são absolutamente pífios frente aos gastos com mordomias e outros que tais feitos pelo STJ só em 2013 e 2014.
O ministro presidente do STJ conclui seu artigo no Globo afirmando que "Manter instituições sólidas e que atuam para garantir o Estado Democrático de Direito tem um custo. Com desempenho de excelência e iniciativas sustentáveis, o STJ prova que esse investimento não precisa aumentar a cada ano — e pode sempre ser revertido em favor da sociedade". Esta mensagem soa profundamente cínica e escapista, para dizer o mínimo, diante das mordomias e regalias apontadas no artigo de Marco Antonio Villa. Teria sido mais honesto da parte de Sua Excelência o presidente do STJ se ele refutasse ou explicasse de maneira sólida e irrefutável porque seu tribunal gasta tanto com seus ministros e outros penduricalhos, no cumprimento de suas funções.
O ministro Francisco Falcão, presidente do STJ, confia demais no poder de convencimento de sua argumentação precária e franzina, subestimando acintosamente a inteligência de seus leitores.
Infelizmente, as mordomias absurdas no Judiciário não se limitam apenas ao STJ e ao TJ-RJ, isso virou uma prática imoral e antiética em todo esse poder republicano. Em 20 de maio de 2013, o jornal O Estado de S. Paulo (Estadão) denunciou (em reportagem de Eduardo Bresciani e Mariângela Gallucci), que o STF - Supremo Tribunal Federal paga voos para mulheres de ministros. Levantamento feito pelo jornal com base em dados oficiais publicados no site da Corte, conforme determina a Lei de Acesso à Informação, mostra que ministros usaram estes recursos, no período entre 2009 e 2012, para realizar voos internacionais com suas mulheres, viagens durante o período de férias no Judiciário, chamado de recesso forense, e de retorno para seus Estados de origem.
O total gasto em passagens para ministros do STF e suas mulheres em quatro anos foi de R$ 2,2 milhões - a Corte informou não ter sistematizado os dados de anos anteriores. A maior parte (R$ 1,5 milhão) foi usada para viagens internacionais. De 2009 a 2012, o Supremo destinou R$ 608 mil para a compra de bilhetes aéreos para as esposas de cinco ministros: Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski - ainda integrantes da Corte -, além de Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Eros Grau, hoje aposentados.
O pagamento de passagens aéreas a dependentes de ministros é permitido, em viagens internacionais, por uma resolução de 2010, baseada em julgamento de um processo administrativo no ano anterior. O ato diz que as passagens devem ser de primeira classe e que esse tipo de despesa deve ser arcado pela Corte quando a presença do parente for "indispensável" para o evento do qual o ministro participará. No entanto, o Supremo afirma que, quando o ministro viaja ao exterior representando a Corte, não precisa dar justificativa para ser acompanhado da mulher. Seria muito interessante -- digo eu e não o Estadão -- conhecer a argumentação usada pelos ministros citados acima, e aceita pelo Supremo, para dizer que a companhia de suas mulheres era "indispensável" para o bom êxito de suas participações nos eventos a que se destinavam no exterior. Que a companhia das esposas é sempre conveniente e desejável todos sabemos e reconhecemos, mas daí considerá-la "indispensável" é outra história. Mas, com passagem de graça na primeira classe ...
Em 24/12/2013, o sempre muitíssimo bem informado jornalista José Casado desfila em sua coluna "Órfãos do Judiciário", no O Globo, uma série de mordomias no Judiciário Brasil afora. Naquela época, o Tribunal de Justiça do Paraná acabava de renovar sua frota de automóveis. Comprou 80 novos para os juízes. Enquanto isso o fórum de Curitiba, frequentado pelo público, continua sendo um local “insalubre” — na definição da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça.
No tribunal de Goiás, cada desembargador possuía 13 servidores públicos à disposição. O fórum tem metade disso, embora o volume de processos seja oito vezes maior. [10% do número dos servidores por ministro do STJ em 2014.]Em Minas Gerais, construiu-se um palácio para a Justiça estadual, em “L”, com torres de 11 andares e seis subsolos, 1.597 vagas de estacionamento, 16 plenários, lojas, salão para eventos e quatro auditórios — além de um exclusivo para os 25 desembargadores. Quando questionados, os magistrados responderam: “Considerando a área total a ser construída (de 138.164,61 metros quadrados), temos um valor de R$ 2.600 por metro quadrado. O custo do prédio do Tribunal Superior Eleitoral (em Brasília) é de R$ 2.800 por metro quadrado".
Segundo José Casado, desde os anos 90, os juízes dos tribunais superiores e estaduais parecem empenhados numa espécie de competição imobiliária: a cada novo prédio que mandam construir, suas salas de trabalho ficam mais amplas. O projeto do Conselho da Justiça Federal, em Brasília, chegou a prever gabinete de 650 metros quadrados.
As mordomias no Judiciário proliferam, mas em velocidade menor que a insatisfação do público pagante. Basta olhar para os juizados de primeiro grau, onde estão oito em cada dez processos: 2013 vai terminar com 70% deles parados, sem resolução, segundo informa o Conselho Nacional de Justiça. Seriam necessários cinco anos para solucioná-los, desde que os fóruns não recebessem um único novo processo, dizia José Casado em dezembro de 2013.
O Brasil avança na consolidação de um Judiciário confinado em palácios, recheados de cargos adornados por mordomias, e a cada ano mais distanciado da maioria da sociedade, que permanece sem o direito de acesso à Justiça.
É um país com 770 mil advogados, mas apenas 5.500 defensores públicos. São 311 advogados para cada 100 mil habitantes e apenas 3,9 defensores no mesmo universo. Os poucos defensores existentes atendem 90% da população. [Ver postagem "
Na prática, o Estado capturou a máquina judicial e a transformou em instrumento de ação contra a sociedade. É nos tribunais que União, estados e municípios fazem seu efetivo controle de caixa sobre as principais despesas — aposentadorias e precatórios, entre outras contas. Ágeis na percepção das mutações nas instituições, as empresas privadas há muito tempo saíram desse circuito e optaram pela solução de controvérsias em tribunais informais, os da mediação.
Prossegue José Casado: Órfãos ficaram oito em cada dez brasileiros que sobrevivem com até três salários mínimos mensais. Não têm quem os defenda — principalmente, contra o Estado. Quando encontram um defensor público, geralmente sobrecarregado, precisam entrar na fila e contar os dias no calendário da burocracia, que gasta 15 dias para adicionar uma petição a um processo.
Com sorte, talvez levem apenas dez anos frequentando as estatísticas de “congestionamento” do Judiciário. Mas podem atravessar uma vida inteira, se o processo for contra o Estado brasileiro por causa de um crédito judicialmente reconhecido como válido, mas com pagamento protelado por sucessivos governos — os provedores das verbas que sustentam as mordomias nos palácios.
Digo eu e não José Casado: o contribuinte se vê desamparado e sordidamente explorado pelo Judiciário -- paga-lhe mordomias absurdas que para ele contribuinte são impensáveis, e fica atônito com os critérios de soltura aplicados por juízes nos mais diversos tipos de crimes.
Fonte: http://bomlero.blogspot.com.br/2015/06/judiciario-brasileiro-uma-casta-de.html