"Causos" de Sucupira, de Cruzeiro e de tantos outros municípios brasileiros

Publicado por: redação
09/07/2015 02:55 AM
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* Dario Reisinger
 

Certa vez, fui contratado para assessorar um candidato a vereador em determinada eleição. Na primeira vez que visitei seu comitê, ele me trouxe orgulhoso suas propostas. Ao ler, não fiz muita cerimônia e recomendei que algumas fossem reformuladas. Com uma expressão de surpresa e revolta, o postulante a parlamentar me perguntou o motivo. Respondi que ali constava uma sugestão para aumentar a pena dos crimes hediondos e que, enquanto vereador, ele jamais poderia fazer isso, vez que sobre matéria penal a legislação é federal.

No entanto, é grande o número de leis sobre matéria que escapa da competência municipal, mas que, mesmo assim, Câmaras de Vereadores aprovam e fazem valer. É o caso, por exemplo, da cassação da prefeita Ana Karin Dias de Almeida Andrade (PR-SP), de Cruzeiro, cidade do Vale do Paraíba (SP).

Há cerca de um ano, a política foi afastada do cargo máximo por não responder seis requerimentos no prazo de 15 dias. Seis  num universo de 388, sendo 287 de autoria de um mesmo vereador. Pasmem, a lei que previa o prazo, bem como o decreto de cassação e tudo o mais que fez parte do processo foram editados pelo próprio Poder Legislativo de Cruzeiro. Em outras palavras, parece que a Casa de Leis estabeleceu um mecanismo legal de afastamento da prefeita, no qual basta ter mais energia para gerar requerimentos do que a provocada para responder todos em 15 dias. Tal opinião também é compartilhada pelo experiente professor universitário, mestre e doutorando em Direito de Estado Roque de Siqueira Gomes, que acompanha o processo de Ana Karin, concedendo suporte à banca jurídica que a defende e que tem como parecerista o ex-ministro da Justiça Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

No julgamento do Tribunal de Justiça, chama a atenção o voto do desembargador José Luiz Germano, que se mostrou surpreso com o objeto da cassação e pelo exagerado número de documentos ser gerado pelo próprio ente que determinou o afastamento. O desembargador também destaca que a Câmara de Cruzeiro sempre concedeu dilações de prazo à Ana Karin e, de forma surpreendente, desta vez, negou o benefício - o que contraria, ao meu ver, qualquer noção de lealdade e de boa-fé.

Em exemplo simplista, imagine uma esposa que deve servir o jantar ao marido às 20 horas, mas, por conta do excesso de responsabilidades, o faz às 20h30. O esposo nunca reclama. Porém, em determinado dia, e sem qualquer aviso anterior, sentencia que vai se divorciar por conta disso. Ora, qualquer mulher saberia que existem motivos outros, secretos e nada nobres que sustentam a vontade da separação.

Ana Karin não foi cassada pelo atraso na entrega de um hospital, pelo desvio de dinheiro público, por falta de vagas em creches ou de medicamentos em postos de saúde. A prefeita de Cruzeiro foi afastada porque por lá a lei municipal permite, esbarrando, de forma questionável, em preceitos já estabelecidos pela esfera federal, incluindo aí a constitucionalidade das coisas.

Daqui a pouco, em Cruzeiro há previdência própria, pena de morte, maioridade penal e outras mudanças que possam ser, aos olhos dos vereadores da cidade, boas no melhor estilo "usos e costumes".

 

* Graduado em Direito, pela Faculdade Unidas de Suzano (Unisuz), e especialista em Direito Penal, pela Escola Paulista de Direito (EPD); é professor universitário de Direito Penal em cursos de graduação e de pós-graduação; sócio-diretor do escritório Reisinger Ferreira - Advocacia; e vice-presidente da Organização Não-Governamental (ONG) Lupa

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