Direito à intimidade é aquele que preserva-nos do conhecimento alheio, reserva-nos a nossa própria vivência.

Publicado por: redação
24/04/2010 10:34 PM
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Direito à Intimidade e Privacidade - Andréa Neves Gonzaga Marques
Direito à intimidade é aquele que preserva-nos do conhecimento alheio, reserva-nos a nossa própria vivência.

Para denominar esse direito, juristas ofertaram-lhe terminologias diversas, conforme nos lembra Edilsom Pereira de Farias: Nos E.U.A. é denominado de right of privacy; na França, droit a la priveé e droit a l?intimité; na Itália, diritto allá riservatezza. Na Alemanha, a Corte Constitucional, com base na Lei Fundamental daquele país, reconheceu a existência de um direito fundamental à autodeterminação sobre as informações de caráter pessoal - Recht auf informationelle Selbstbestimmung.
Entre nós, há os que preferem falar em direito à Vida Privada (René A. Dotti) e direito à Privacidade (José Afonso da Silva).

Segundo Celso Ribeiro Bastos, o inciso X, do artigo 5º da Constituição Federal "oferece guarida ao direito à reserva da intimidade assim como ao da vida privada. Consiste ainda na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhe o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano". Esta seria a finalidade da adoção da regra contida naquele inciso.

René Ariel Dotii assevera que a Intimidade está inserida na Vida Privada como se fossem dois círculos - teoria dos círculos concêntricos: a Intimidade seria um círculo concêntrico e de menor raio que a Vida Privada. Quanto maior for a proximidade das informações a revelar das esferas de intimidade e segredo, maior peso terão que assumir as razões para a sua revelação, do ponto de vista do interesse público. No mesmo sentido assegura Darcy Arruda Miranda ao propor que devem ser considerados como pertencentes à Vida Privada da pessoa, "não só os fatos da vida íntima, como todos aqueles em que seja nenhum o interesse da sociedade de que faz parte". Dessa forma, a intimidade seria uma espécie do gênero Privacidade.

Sobre o direito à intimidade, lembremos da lição de Robert Alexy ao mencionar, em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, a teoria das Esferas, pela qual é possível separar três esferas com decrescente intensidade de proteção, quais sejam: a esfera mais interna (âmbito último intangível da liberdade humana), caracterizando-se por ser o âmbito mais íntimo, a esfera íntima intangível e conforme interpretação do Tribunal Constitucional alemão, o âmbito núcleo absolutamente protegido da organização da vida privada, compreendendo os assuntos mais secretos que não devem chegar ao conhecimento dos outros devido à sua natureza extremamente reservada; a esfera privada ampla, que abarca o âmbito privado na medida em que não pertença à esfera mais interna, incluindo assuntos que o indivíduo leva ao conhecimento de outra pessoa de sua confiança, ficando excluído o resto da comunidade; e a esfera social, que engloba tudo o que não for incluído na esfera privada ampla, ou seja todas as matérias relacionadas com as notícias que a pessoa deseja excluir do conhecimento de terceiros.

Com o objetivo de encontrarmos esse âmbito mais íntimo e interno do indivíduo, bastaria indagar-se se existe um comportamento de uma pessoa que em nenhum aspecto refira-se ou afete a esfera de outras ou os interesses da vida em comunidade. Assim, determinadas situações e formas de comportamento do indivíduo conduziriam a uma prioridade absoluta do princípio da liberdade negativa conjuntamente com o princípio da dignidade da pessoa frente a quaisquer princípios opostos concebíveis. Entretanto, vale lembrar que não há direito absoluto, mas ainda que assim consideremos, não resta afastado o âmbito mais interno da personalidade do indivíduo a ser assegurado por regras ou princípios.

Relevante também ressaltar a lição de Edilsom Pereira Farias, verbis:
A intimidade, como exigência moral da personalidade para que em determinadas situações seja o indivíduo deixado em paz, constituindo um direito de controlar a indiscrição alheia nos assuntos privados que só a ele interessa, tem como um de seus fundamentos o princípio da exclusividade, formulado por Hannah Arendt com base em Kant. Esse princípio, visando a amparar a pessoa dos riscos oriundos da pressão social niveladora e da força do poder político, comporta essencialmente três exigências: "a solidão (donde o desejo de estar só), o segredo (donde a exigência de sigilo) e a autonomia (donde a liberdade de decidir sobre si mesmo como centro emanador de informações)".

No âmbito público, a mesma situação que ocorre com o direito à honra vem sendo aceito pela doutrina como relevante para a operacionalização ou não do direito à Intimidade. Quando o agente público (servidor público ou aquele que, de alguma forma, interage som o serviço público) pratica atos inerentes à seu cargo ou função, ele se rende à exposição de sua privacidade e intimidade, tendo em vista a relevância de seus atos perante a sociedade. Dessa forma, é de se constatar, tal qual no sub-item anterior, que o direito à privacidade oferece maior proteção aos cidadãos comuns do que aos homens públicos ou pessoas célebres. No entanto, verifica-se com bastante propriedade, que as pessoas públicas supra mencionadas não sofrem uma supressão de sua intimidade, mas uma limitação.
É o que expõe, Humberto Nogueira Alcalá:
O alcance do direito à liberdade de informação implica que as pessoas de relevância pública, especialmente as autoridades públicas (governo, administração, legisladores, juízes), que detêm a faculdade de decidir os destinos de uma sociedade têm um âmbito de vida privada mais reduzidas que as pessoas que não são figuras públicas, podendo informar-se dos atos da vida pessoal que dizem respeito ou que têm implicâncias diretas com o cumprimento das obrigações públicas, mas não a respeito dos aspectos da vida privada ou intimidade que não são necessários nem estão vinculados com as exigências de informação de caráter relevante ou de interesse público, que não deve confundir-se com o interesse ilegítimo do público na vida privada ou intimidade das pessoas.
Assim, nos casos que a informação não seja de relevância pública prevalece o direito à privacidade da pessoa, se esta não afeta, já que a liberdade de informação prevalece somente quando seu conteúdo é de relevância pública.

Portanto, a relevância pública da informação, da livre expressão, será a única desculpa legítima para a publicação de fatos e atos que afetem a privacidade de determinado indivíduo. E é neste sentido que Alcalá afirma que "os meios de comunicação social devem avaliar se os feitos a informar que afetam a privacidade são ou não de relevância pública; se não o são, o silêncio é a conduta constitucionalmente exigida." Até porque, após a publicação de fatos que não sejam de relevância pública, denegrindo e afetando a vida privada e intimidade do indivíduo, causa-lhe dano irreversível e irreparável. Posteriormente à violação do direito, qualquer palavra que se tente emitir com sentido de escusa não ajudará a eliminar a lesão à Privacidade e Intimidade. Afinal, as palavras depois de proferidas não voltam atrás.

Entretanto observamos que, ainda que o profissional da comunicação avalie se deve ou não publicar determinada informação que contrarie direito à intimidade e privacidade, sua avaliação de proporcionalidade em nada se parecerá com a cuidadosa ponderação a ser realizada por um magistrado.

Jónatas Machado preleciona que "o direito à privacidade deve ser protegido, no seu conteúdo essencial, mesmo quando se trate de pessoas extrovertidas e figuras públicas em locais públicos, particularmente num contexto tecnológico de muito fácil captação de imagens e sons." Aquele autor lusitano nos lembra que a reserva de intimidade e privacidade compreende uma espécie de zona de exclusão, que delimitaria um perímetro de reserva e discrição que nem os poderes públicos, nem os particulares podem vulnerar, uma espécie de "santuário inultrapassável". Exemplificando, a publicação de preferências, práticas, hábitos e orientações sexuais de determinado indivíduo que exerça cargo público são, à primeira vista, proibidas pelo direito à Intimidade. O mesmo direito impediria referências ao estado de saúde, por exemplo.
Considerando a teoria das esferas concêntricas, a jurisprudência constitucional germânica remete a esfera da intimidade para o conteúdo essencial dos direitos de personalidade, o que torna a colisão dos direitos à livre expressão e à intimidade, insusceptível de qualquer ponderação proporcional. Assim, a informação que colidisse com o direito constitucionalmente tutelado da Intimidade, nem sequer estaria sujeita à observância de exigências mínimas de razoabilidade e proporcionalidade. Prevaleceria sempre o direito à Intimidade. Jónatas Machado adverte para o risco de se estender a título de Privacidade aquilo que, normalmente, estaria circunscrito à Intimidade (zona de segredo) do indivíduo:
[...] Todavia temos dúvidas que tenha que ser assim, parecendo-nos que uma tal solução acabará, na prática, perante um hard case em que esteja em causa a ponderação entre a intimidade e o interesse público, por conduzir à colocação, sob a égide da privacidade, daquilo que normalmente surgiria associado à intimidade, para que por essa via o interesse público possa prevalecer.

No entanto, revela-se importante ressaltar que, não raras vezes, as condutas que integram a esfera de intimidade do indivíduo têm repercussões na atividade e nas instituições públicas, tornando-o assim vulnerável ao direito de livre expressão e informação. Diante desta constatação, nos resta claro que a existência de um interesse legítimo é o que irá determinar se estamos ou não, diante do exercício do direito da livre expressão e informação. A jurisprudência francesa vem entendendo que mesmo quando se esteja perante imputações relativas a fatos da vida privada, suscetíveis de terem repercussões na esfera pública, as mesmas podem ser divulgadas sem receio, admitindo-se o recurso da exceptio veritatis (exceção da verdade).

Autor: Andréa Neves Gonzaga Marques, Analista Judiciário do TJDFT, lotada na Auditoria Militar do Distrito Federal; graduada em Direito pela Universidade de Brasília; com Especialização em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP - Brasília/DF (2006) e Especialização em Direito Militar pela Universidade Castelo Branco - Rio de Janeiro/RJ (2008).

Fonte: TJDFT

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