A política de preços da Petrobras: o que a Constituição tem a dizer?

Publicado por: redação
06/06/2018 12:20 AM
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Cláudio Pereira de Souza Neto*
 

A política de preços estabelecida pelo Governo Temer para a Petrobras acopla os preços dos combustíveis vendidos no Brasil à variação dos preços ocorrida no mercado internacional. Se esse valor aumenta no exterior, o aumento se reflete de imediato no preço dos combustíveis no Brasil. Essas oscilações têm levado a reajustes subsequentes, quase diários, no preço do óleo diesel, rechaçados pelo movimento de caminhoneiros.

 

A Petrobras é uma sociedade de economia mista. Parte de seu capital é público, e parte, privado. Os investidores privados (acionistas minoritários) compram ações para obter ganhos econômicos, mas não controlam a companhia. O acionista controlador é a União. Surge então a indagação: para prover combustível a preços baixos e estáveis à economia nacional, pode a União impor à Petrobras que pratique preços inferiores aos do mercado internacional, reduzindo, eventualmente, a lucratividade de suas operações, em detrimento dos interesses dos minoritários?

 

A Constituição Federal, em seu artigo 173, prevê que a atuação do estado como empresário apenas pode ocorrer em face de “relevante interesse coletivo” ou “imperativo de segurança nacional”. A Petrobras foi criada para garantir a segurança energética do Brasil. As finalidades que justificaram a instituição da empresa não se dissipam no momento da criação: devem informar permanentemente as decisões empresariais, inclusive quanto à política de preços.

 

A Constituição não se limita a autorizar a atuação estatal: determina que a exploração das principais atividades envolvidas na indústria do petróleo ocorra de modo monopolista. Atividades econômicas como a pesquisa e a lavra, o refino, o transporte marítimo ou via oleoduto e a importação de derivados estão, a princípio, vedadas aos empreendedores privados, que só podem explorá-las por delegação do Governo Federal (CF, art. 177). O propósito de o Constituinte de 1988 ter mantido o monopólio estatal - que remonta, no Brasil à década de 1950 - é justamente reduzir a vinculação do mercado interno à volatilidade da geopolítica internacional do petróleo, responsável pela fixação dos preços.

 

O fornecimento seguro e estável de petróleo, por valores adequados, não pode ser garantido pelo mecanismo do mercado. O preço do barril de petróleo é fixado internacionalmente, em grande parte, por um cartel, integrado pelos países produtores – a OPEP. Interferem ainda na fixação dos preços internacionais as guerras e intervenções que frequentemente acometem os países produtores. A rigor, não há mercado internacional, mas geopolítica, dominada pelos estados nacionais. Acoplar a política de preços da Petrobras aos preços praticados no exterior, em última análise, significa importar instabilidade política, que hoje caracteriza importantes centros produtores, como o Oriente Médio ou a Venezuela.

 

O fato de a Petrobrás ser sociedade de economia mista, não empresa púbica, não é, obviamente, irrelevante. A Petrobras se organiza como sociedade de economia mista, com ações negociadas na bolsa de valores, inclusive em bolsas estrangeiras, para ter acesso aos capitais privados. É legítima a expectativa dos investidores de que a gestão da companhia ocorra de modo eficiente. Acionistas tem razão ao reivindicarem a fixação dos preços de tal modo que, na maior parte do tempo, a empresa seja lucrativa e não se enrede em dificuldades financeiras de difícil superação.

 

Uma gestão dissociada de preocupação com a eficiência e a lucratividade certamente produzirá o afastamento dos investidores privados. Atendidos, com prioridade, os “imperativos da segurança nacional” e o “relevante interesse coletivo”, a sociedade de economia mista deve ser gerida, de modo probo e eficiente, com vistas à produção de resultados econômicos positivos. E a história da Petrobras tem sido de lucratividade e valorização permanente, salvo em momentos pontuais de crise.

 

Durante as décadas em que a Petrobras operou o monopólio da União sobre o Petróleo, desenvolveu tecnologia, com apoio do Estado Brasileiro, e reuniu conhecimento estratégico sobre o Brasil e seu subsolo. Ainda hoje possui diversos privilégios em relação às empresas privadas. Os principais estão previstos na Lei n. 12.351/2010, relativa à exploração do petróleo na camada pré-sal. A Petrobrás pode, por exemplo, ser contratada diretamente, ou seja, sem participar de processo licitatório, para as atividades de exploração e produção.

 

As vantagens conferidas à Petrobras impactam positivamente no valor da empresa e produzem dividendos para os investidores. Só é legítimo que esses valores sejam apropriados pelos investidores privados na medida em que a Petrobras também se submeta às limitações inerentes a sua “estatalidade”. O regime jurídico a que se sujeita a Petrobras consubstancia uma constelação de direitos e obrigações, que devem ser considerados conjuntamente. As sociedades de economia mista são complexas não só na composição societária. O público e o privado devem se harmonizar também na forma peculiar de se comporem interesses que interagem permanentemente.

 

*Cláudio Pereira de Souza Neto é professor da Universidade Federal Fluminense, advogado constitucionalista e sócio de Souza Neto e Sena Advogados

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