SUL AMÉRICA CONDENADA - Juíza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador, condenou Sul America Seguro Saude S/A

Publicado por: redação
24/03/2011 10:30 PM
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Juíza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador, condenou  Sul America Seguro Saude S/A


Inteiro teor da decisão:

0081105-45.2004.805.0001 - OBRIGACAO DE FAZER

Autor(s): Ruas Comercio E Representacoes Ltda

Advogado(s): Dulce Anne Freitas Feitosa

Reu(s): Sul America Seguro Saude Sa

Advogado(s): Indaiá Menezes Lemos

Sentença: Vistos etc,

RUAS COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA, devidamente qualificado nos autos, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO LIMINAR, contra SUL AMÉRICA SEGURO SAÚDE S/A, também já qualificado, aduzindo em síntese que celebrou contrato de seguro grupal de assistência médico-hospitalar, sendo anualmente renovado de forma automática, o que ocorria regularmente durante os 8 (oito) anos de relação jurídica com a ré. Afirma a Requerente que, de maneira inesperada, teve o seguro cancelado em maio de 2004, tomando ciência do ocorrido apenas por informação de um de suas funcionárias que, ao necessitar dos serviços do plano, teve o atendimento negado.
Dessa forma, requer em sede liminar a manutenção do contrato de seguro, para que a parte Ré cumpra com a continuidade das obrigações pactuadas, cancelando a negativa de vigência contratual. Ao final, pede que seja mantida a tutela antecipada, além de danos morais e materiais causados. Juntou documentos de fls. 09/75.
Liminar deferida às fls. 80/81.
Citada, a Ré apresentou contestação às fls. 86/98, argüindo que o contrato que foi assinado pela empresa Demandante prevê nas cláusulas 21 e 21.2, assim como a de nº 23, das condições gerais da apólice o cancelamento do seguro, tendo a parte autora a ciência de todas as cláusulas. Ressalta a inaplicabilidade do art. 13 da Lei 9.656/98 nos contratos de seguro coletivo e que, com isso, afirma a inexistência de vedação legal que imponha à Ré dar continuidade ao negócio jurídico realizado. Ressalta a inexistência de danos morais, juntando os documentos de fls. 25/39.
Réplica às fls. 117/119.
A audiência de conciliação de fls. 159 não obteve êxito.

Relatado, decido.

A empresa Demandante pretende ver reconhecido o seu direito de manutenção do seguro saúde, pois o Plano de Saúde Demandado rescindiu o contrato unilateralmente, sob o argumento de que tinha respaldo contratual para tal. Afirmou a ré que, além de o termo final estar previsto no instrumento pactuado, a Lei 9.656/98, em seu art. 13, disciplina que os planos e seguros de assistência à saúde têm renovação automática quando se configurarem como individuais ou familiares e tratando o caso de contrato coletivo, não caberia a aplicação da citada lei.
No mérito, O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição desses produtos e serviços, principalmente no que se referem àquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como as que autorizam o cancelamento unilateral de contratos.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, fazer válida cláusula contratual que autoriza a rescisão unilateral do contrato ao confessar que negou renovação por inexistência de imposição legal para manter o contrato sub judice.
No entanto, com sua contestação a seguradora trouxe aos autos o contrato de seguro que não apresenta qualquer destaque na cláusula limitativa de direito do consumidor. Mesmo porque, é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara, precisa e adequada, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado, abrangendo o justo motivo do cancelamento do contrato e não apenas enviando mera correspondência, o que, sem sombra de dúvidas caracteriza a abusividade da prática comercial da empresa quanto a aplicabilidade da cláusula em discussão.

Isso porque o artigo 54 do CDC assim prescreve:

“Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”

E na seu § 4º é taxativo:

“as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”.

Assim, analisando a recusa da seguradora quanto à manutenção do contrato se verifica que não houve qualquer atitude do autor/segurado para justificá-la, mesmo porque, ainda que o fosse, era da seguradora o ônus de provar os motivos da negativa da continuidade do contrato, e ter adotado todas as cautelas, podendo ter buscado renegociar o valor do contrato e elaborar laudo demonstrativo do desequilíbrio atu , o que não o fez, mesmo tendo a obrigação de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde, uma vez que este é a parte hipossuficiente na relação de consumo.
Portanto, não está justificado o motivo do cancelamento do contrato, nem ao menos se oportunizou à empresa autora o direito a qualquer defesa, diante das exigências de clareza e ampla publicidade que deve nortear os contratos consumeristas.
Além disso, o CDC ao acolher a teoria da onerosidade excessiva e flexibilizar os princípios da teoria clássica do contrato, quanto à autonomia da vontade, liberdade de contratar e pactum sunt servanda, adotou os princípios da boa fé objetiva, transparência, equidade e valorizando a função social dos contratos visando a garantia do seu equilíbrio e manutenção e autorizou que o consumidor pudesse questionar tais avenças antes, durante e depois de sua existência. Assim, embora não seja certo se falar em renovação de contrato de longa duração, porque este não tem prazo determinado, em sendo a continuidade do contrato ameaçada, existe a possibilidade da discussão da permanência da validade do contrato celebrado, mesmo porque o consumidor possui garantias legais de ser informado de forma clara, precisa e transparente, de todas as cláusulas e condições do contrato sob pena de nulidade dessas cláusulas, se for verificada alguma forma de submissão que apresente excessiva vantagem para o fornecedor, mormente nos contratos de adesão, como é a hipótese destes autos.
A Lei 9.656/98 em seu artigo art. 13, proibiu a denúncia unilateral do contrato, admitindo-a apenas quando houver fraude ou inadimplência e o fato de não ter expressamente abrangido os contratos coletivos, não tem o condão de justificar e autorizar que as empresas ajam de forma diversa, pois, a norma visa a garantia da confiança dos consumidores de planos de saúde e a proteção de abusos, pois, não seria razoável e causaria insegurança, frustração e desassossego ao consumidor, a possibilidade de ter seu contrato de seguro de saúde cancelado dentro de um mês, após um ano de sua celebração, sem que este lhe tenha dado causa, gerando, ainda, tratamento desigual entre consumidores de planos individuais e coletivos, distanciando-se da filosofia pretendida pela Política Nacional de Defesa do Consumidor, constitucionalmente assegurada.
Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está a integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, pratica que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual e conseqüente ilegalidade por abusividade, nos termos do artigo 51 do CDC.
O Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela proibição de rescisão unilateral por parte da seguradora, conforme transcrevo abaixo:

“RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO
RECORRENTE : DNMS FACTORING LTDA
ADVOGADO : MARCO ANTÔNIO BIRNFELD E OUTROS
RECORRIDO : SUL AMÉRICA AETNA SEGUROS E PREVIDÊNCIA S/A
ADVOGADO : MARCO AURÉLIO M MOREIRA E OUTROS

CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA ABUSIVA. NULIDADE. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO PELA SEGURADORA. LEI 9.656/98.
É nula, por expressa previsão legal, e em razão de sua abusividade, a cláusula inserida em contrato de plano de saúde que permite a sua rescisão unilateral pela seguradora, sob simples alegação de inviabilidade de manutenção da avença.
Recurso provido.” (Recurso Especial nº 602.397–RS, Rel. Min. Castro Filho, j. 21.06. 2005, pub. DJU 01.08.2005 p. 443 ).

Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Da mesma forma, constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança.
Quanto ao alegado dano moral, não resta dúvida, que a Requerente sofreu constrangimentos, desassossego, transtornos, aborrecimentos e desconforto, ao permanecer por muito tempo tentando solucionar o problema do pagamento dos valores devidos, acobertados pelo contrato de seguro.
Da mesma forma, constata-se que a Empresa Ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando ao autor o conseqüente constrangimento de ter que ficar sem receber os valores efetivamente devidos pelo seguro que contratou.
Não se pode aceitar que práticas abusivas identificadas e condenadas na legislação consumerista continuem a ser exercitadas sem qualquer tipo de censura, o que vem ensejando os Tribunais a coibir tais atitudes com o reconhecimento do direito de indenização pelos danos morais suportados pelos usuários quanto aos serviços defeituosos fornecidos, conforme transcrevo abaixo:
“DANOS MATERIAIS E MORAIS. COBRANÇA INDEVIDA. DEVER DE INDENIZAR. 1. Tendo restado comprovado que a parte ré efetuou cobrança indevida, dando ensejo a prejuízos materiais e morais para o autor, patente é o seu dever de indenizar. 2. Recurso improvido. Sentença mantida” (TJDF – ACJ 103699 – 1ª T.R.J.E. – Rel.-Des. Arnoldo Camanho de Assis – DJU 25.03.2002 – p. 39).
Quanto ao montante a ser fixado a título de danos morais é certo afirmar que o quantum da indenização pelo dano moral é fixado por critérios subjetivos aferidos pelo juiz.
O princípio da razoabilidade apenas recomenda que se observem certos parâmetros com fins de se evitar o enriquecimento ilícito.
Neste sentido:
“O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que a indenização a esse título deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. Ademais, deve procurar desestimular o ofensor a repetir o ato.” (STJ, Quarta Turma, RESP 24727/SE, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 05/06/2000, p 174).
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo PROCEDENTE a ação para declarar a nulidade das cláusulas 21 e 21.2, bem como a de nº 23, constante nas Condições Gerais do Seguro de Assistência Médica e/ou Hospitalar firmado entre a autora e SUL AMÉRICA AETNA SEGURO SAÚDE S/A e pelos danos morais sofridos no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescidos de correção monetária e de juros legais de 1% a contar da data desta sentença.
Condeno, ainda, a ré ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 18 de Fevereiro de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara de Relações de Consumo

Fonte: DPJ BA 21/03/2011

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