CASSI SAÚDE CONDENADA- Juíza Marielza Brandão Franco da 29ª Vara Cível de Salvador. condena Cassi Saúde

Publicado por: redação
28/03/2011 01:30 AM
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Juíza Marielza Brandão Franco da 29ª Vara Cível de Salvador. condena Cassi Saúde

Inteiro teor da decisão:

0129438-57.2006.805.0001 - Ação Civil Coletiva

Autor(s): Rosane Queiroz Miranda Bonfim

Advogado(s): Wilker Campos Chagas

Reu(s): Cassi Saude Familia

Advogado(s): Hersen Cumming e Silva Junior, Márcio Cunha Dória, Mauricio Cunha Doria, Tereza Cristina Guerra Dória

Sentença: Vistos, etc.,

ROSANE QUEIROZ MIRANDA BOMFIM, devidamente qualificada nos autos em epígrafe, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA com pedido de TUTELA ANTECIPADA, contra CASSI- SAÚDE FAMILIA, também já qualificado, aduzindo, em síntese, que é associada ao plano de saúde CASSI -Saúde Família, e embora venha quitando todas as suas obrigações em dia, referentes ao plano, a Ré recusou-se injustificadamente de fornecer um tratamento de urgência a qual necessita a Autora, haja vista que a mesma é portadora da enfermidade Obesidade Mórbida Grau III, crescente, possuindo, atualmente um IMC superior a 40,0, e por conta disso, desenvolveu outras comorbidades, como Hipertensão Arterial Sistêmica, Lombaciatalgia crônica, Insuficiência Venosa nos membros inferiores e Síndrome Metabólica.
Ressalta, que está em iminente risco de vida, e que já foi submetida a várias opções terapêuticas de tratamento da obesidade, não podendo mais ingerir medicamentos anti-obesidade, uma vez que não produzem qualquer efeito que viabilize a normalização de seu estado atual.
Ademais, alega, que vem sendo acompanhada por um médico endocrinologista, o qual sugeriu, em razão do agravamento da obesidade e das comorbidades, a imediata internação da demandante em clínica médica endocrinológica especializada “Clínica SPA”.
Requer, assim, em liminar, a autorização para determinar que a Ré interne a Autora na Clínica Endocrinológica Especializada (Salute Bahia), durante o tempo necessário, até a alta, bem como o custeio de exames, terapias e procedimentos médicos. E ao final, pleiteia a procedência da ação, tornando definitiva a liminar concedida, determinando a manutenção da internação da Autora até o restabelecimento da massa corpórea ideal, bem como que seja decretada a abusividade da cláusula que restringe a cobertura do tratamento a portadores de obesidade mórbida, tornando-a nula, em face de sua prejudicialidade ao consumidor. Juntada de documentos às fls. 15 a 88.
Liminar concedida às fls. 96 e 97.
Devidamente citada, a parte Ré apresentou contestação às fls. 121 a 130, argüindo no mérito, que o local em que a Autora foi recomendada a realizar o seu tratamento, Salute Bahia, não reflete cunho de clínica especializada, e sim, é um local de internamento em SPA, que tem a finalidade exclusiva de lazer, estando, portanto, expressamente excluído no contrato do seguro. Ao final, pleiteia a improcedência dos pedidos, reconhecendo-se o direito de indenização à Acionada em face de haver cumprido a decisão liminar. Não houve juntada de documentos.
A autora em réplica às fls. 138 a 147, rebate argumentações trazidas na contestação e reitera os pedidos formulados na exordial.
Em vista da falta de interesse das partes em conciliar, conforme o termo de audiência às fls. 167 e por declararem que não tem provas a produzir, configura-se hipótese de julgamento antecipado da lide.
É o Relatório.
Posto isso. Decido.
Anuncio o julgamento antecipado da lide, uma vez que a matéria ventilada é eminentemente de direito. Tal entendimento não pode ser caracterizado como cerceamento de defesa, até mesmo por conta de que a prova objetiva munir o julgador de elementos necessários à formação de seu convencimento. Assim, dispensando o Magistrado a produção de novas provas, sinaliza o mesmo que as provas já constantes dos autos são suficientes ao seu convencimento.
A demandante pretende ver reconhecido o seu direito ao procedimento solicitado de tratamento de enfermidade, qual seja Obesidade Mórbida, cujo caráter é emergencial, pois o seu Plano de Saúde recusou-se a autorizar o procedimento sob o argumento de que não tinha cobertura contratual.
Primeiramente, insta salientar que existe um vínculo contratual de assistência a saúde da Autora junto a Ré, sendo que os contratantes individualmente tem legitimidade para pleitear em juízo pretensões referentes ao plano de saúde que aderiram. Além disso o CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, em seu artigo 2º, estabeleceu como sendo consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Na hipótese em discussão, restou caracterizada a relação de consumo, pois, contratos desta natureza se enquadram no conceito previsto na legislação especial, e a Autora é consumidora final dos serviços médicos prestados pela empresa Ré.
O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, fazer crer que a autora não tinha direito a cobertura do tratamento, posto que além de alegar que a clínica indicada não tem cunho de clínica especializada, afirma que o aludido SPA Salute Bahia não pertence sequer a rede credenciada da Ré.
No entanto, verifica-se que a demandante trouxe aos autos provas contundentes do seu estado clínico, demonstrando através de relatórios médicos e fotos, que precisa de tratamento de urgência. Dessa forma, não se trata de emagrecimento com a finalidade estética, e sim, trata-se de quadro emergencial ligado a saúde da autora.
Assim, não há justificativa apresentada para fundamentar a sua recusa em prestar os serviços requeridos pela autora, serviços esses previstos em contrato celebrado entre as partes. Portanto, entende-se que a negativa de autorização para tratamento de enfermidade é abusiva, o que por si só demonstra a falta de clareza no contrato, frustrando assim, a legítima expectativa do consumidor. Mesmo porque, é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Analisando a recusa da seguradora quanto à alegação de que o local proposto de tratamento é inadequado, e não havendo qualquer indício de má-fé da autora/segurada, são nulas de pleno direito qualquer cláusula que contrarie os princípios supra mencionadas, principalmente o principio da lealdade nas relações contratuais que deve nortear qualquer contrato.
É mister salientar, que o local em que a autora já começou o seu tratamento é adequado para o seu quadro médico, uma vez que é voltado para redução alimentar, emagrecimento, e a prática de exercícios físicos, necessário para a obtenção do resultado desejado, bem como de melhoria de qualidade de vida.
Também, é bom que se diga que quem tem a obrigação de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico, responsável pelo tratamento do paciente, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao mesmo em caso de erro ou negligência médica e, se a seguradora tinha fontes científicas reais para negar a cobertura de procedimento urgente e necessário em um tratamento desta natureza, deveria provar o fato impeditivo do direito da autora, uma vez que a consumidora é a parte hipossuficiente na relação de consumo. Ao contrário, os relatórios médicos apontam a urgência do tratamento para deter a obesidade mórbida e tantas outras co-morbidades que acometem a autora, bem como que o procedimento foi o mais indicado.

A jurisprudência vem a favor da autora:
“SEGURO SAÚDE. OBESIDADE MORBIDA. CIRURGIA. RECUSA DE COBERTURA. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO. Ação ordinária de obrigação de fazer c/c pedido de indenização. Recusa da empresa administradora do plano de saúde em autorizar cirurgia. Obesidade morbida. Decisão judicial determinando a prestação do serviço. A obesidade morbida esta catalogada desde 1996 na Associação Médica Brasileira, incorporando-se às enfermidades cobertas, obrigatoriamente, pelo seguro. Logo, a partir do momento em que a moléstia e, oficialmente, reconhecida pela entidade que congrega a sociedade médica, passa a ter regular cobertura, sem que se altere o contrato original. A recusa da Seguradora de Plano de Saúde a autorizar internação para procedimento cirúrgico a hospital a ela credenciado, de paciente que necessitava de intervenção cirúrgica, constitui descumprimento abusivo do contrato. A ser de outro modo, o Capítulo - Do Objeto e a cláusula 18.0, "18.0.9" do contrato, que permite cirurgias em geral, ficariam prejudicados, uma vez que não adiantaria o atendimento pelo profissional que não pudesse realizar o seu trabalho para salvar a vida. Inocorrência de defeito na prestação do serviço ou de ilícito a ensejar a reparação por dano moral. (TJRJ; AC 3620/2005; Rio de Janeiro; Décima Quarta Camara Cível; Rel. Des. Walter Felippe D''agostino; Julg. 21/06/2005)”
“TJBA - APELAÇÃO: APL 803312009 BA 8033-1/2009
Relator(a): MARIA DA PURIFICACAO DA SILVA
Julgamento: 25/11/2009
Órgão Julgador: PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Ementa

APELAÇAO CÍVEL. AÇAO DE OBRIGAÇAO DE FAZER. AUTORIZAÇAO PARA INTERNAMENTO EM CLÍNICA DE EMAGRECIMENTO, OU SPA. PRESCRIÇAO MÉDICA. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA QUE EXCLUI DA COBERTURA A POSSIBILIDADE DO TRATAMENTO EM SPA. APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. HAVENDO INDICAÇAO MÉDICA PARA TRATAMENTO DE OBESIDADE MÓRBIDA ATRAVÉS DE INTERNAMENTO EM CLÍNICA DE EMAGRECIMENTO, OU SPA, NAO CABE À SEGURADORA NEGAR A COBERTURA SOB O ARGUMENTO DE QUE O TRATAMENTO NAO SERIA ADEQUADO AO PACIENTE, POIS JÁ TERIA SE SUBMETIDO A CIRURGIAS DE SEPTAÇAO GÁSTRICA.”

Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está à integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, prática que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual e põe em risco a vida e a saúde dos seus segurados, desnaturando o contrato de seguro saúde.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Da mesma forma, constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança.
Não se pode aceitar que práticas abusivas identificadas e condenadas na legislação consumerista continuem a ser exercitadas sem qualquer tipo de censura, o que vem ensejando os Tribunais a coibir tais atitudes com o reconhecimento do direito dos usuários quanto aos serviços defeituosos fornecidos.
A obesidade mórbida, diagnosticada na autora é doença catalogada na Associação Brasileira de Médicos (AMB) desde 1996, e doenças a essa associadas, não podendo a ré negar autorização para a realização de procedimento de internação para tratamento especializado, porque recomendado pelos médicos que a acompanham em seu tratamento e essencial à sua sobrevivência e bem estar.
Portanto, reconheço a obrigação da operadora de saúde de prestar a cobertura do tratamento reclamado que não deve ser limitada por previsão contratual contida em contrato de adesão, unilateralmente redigido e contendo cláusulas abusivas e restritivas e que se contrapõe a legislação que regula a atividade e o próprio CDC.

Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo procedente a ação para reconhecer a injustiça da negativa de autorização do tratamento da autora, e confirmar a tutela antecipada que determinou a internação da mesma até o restabelecimento da sua massa corpórea ideal, declarando abusiva qualquer cláusula que restrinja a cobertura do tratamento de obesidade mórbida no caso em tela.
Condeno, ainda, a réu nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 20% (vinte por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 21 de Fevereiro de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza de Direito

Fonte: DPJ BA 25/03/2011