Juíza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador, condena Sul América Seguros

Publicado por: redação
02/05/2011 12:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

0080009-92.2004.805.0001 - ORDINARIA

Autor(s): Nero Queiroga Santana

Advogado(s): Adilson Rabelo Torres Filho

Reu(s): Sul America Cia Nacional De Seguros

Advogado(s): Antônio Cláudio de Lima Costa

Sentença: Vistos, etc.

NERO QUEIROGA SANTANA, já qualificado nos autos, propôs AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE CONTRATO CUMULADA COM PEDIDO INDENIZATÓRIO (REPARAÇÃO DE DANOS) contra a SUL AMÉRICA COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS LTDA, também qualificada na inicial, alegando ter pactuado contrato de seguro, cuja apólice começou a vigorar em 20/07/2002 até 20/07/2003, tendo como objeto segurado o veículo PARATI CL, 1.6 MI, 1997, GASOLINA, Placa JNM 8525..

Sustenta o autor que, tendo ocorrido o sinistro ocasionado pela colisão do seu veículo contra uma árvore, em 17.07.03, na Rodovia BA-S.C, KM 4, trecho Coroa/Baiacu, no Município de Vera Cruz, causando danos, contactou a seguradora através do telefone tendo registrado o sinistro com o nº 4795565, sendo o veículo foi removido para a Oficina Tabajara, através do guincho da seguradora, sendo que, para sua total surpresa, a seguradora Ré, não autorizou o conserto do veículo, o que vem lhe causando sérios prejuízos, comerciais e financeiros.

Ao final, requereu a condenação da seguradora Ré no cumprimento do contrato para que seja autorizado à cobertura dos danos materiais ocorridos no veículo, determinando a realização dos serviços pela oficina na qual encontra-se o veículo, e que, caso o pedido anterior não seja deferido, requer o pagamento no limite máximo da cobertura, no valor de R$ 17.500,00 (dezessete mil e quinhentos reais), correspondente ao valor da apólice, mais, R$ 5.940,00 (cinco mil novecentos e quarenta reais) à título de lucros cessantes, assim como, danos morais (a serem arbitrados por este juízo) em conseqüência da injusta recusa da parte Ré, devidamente corrigidos monetariamente e acrescidos de juros moratórios, além de custas e honorários advocatícios. Juntou os documentos de fls. 08 a 11.
Regularmente citada a Ré contestou às fls. 17 a 33, sustentando que efetivamente celebrou contrato de seguro de automóvel através da apólice nº 509122-5, tendo como objeto o veículo sinistrado, e que o seguro não foi pago porque, os danos que foram encontrados no veículo jamais poderiam ter sido causados pela suposta colisão, afirmando que na verdade o veículo encontrava-se em péssimo estado de conservação, e que os danos alegados pelo autor não correspondem, haja visto, que partes do veículo possuem ferrugem no local do impacto, sendo assim, incompatíveis com o tipo de sinistro informado, conforme perícia particular realizada, ocorrendo fraude por parte do segurado que laborou com má fé prestando informações falsas. Rechaça o pedido de dano moral.
Réplica às fls. 79 a 81.
Em audiência de tentativa de conciliação não houve acordo e o feito foi saneado sendo deferida a prova oral com a ouvida de depoimento pessoal e testemunhas em audiência de instrução e julgamento.
A parte ré junta laudo pericial às fls. 89 a 94, com impugnação do autor sobre o laudo pericial às fls. 96 e 97. Em audiência de instrução e julgamento, a parte autora foi ouvida, assim como, a testemunha Hildegardes Carneiro Marques Filho.
Memoriais da parte autora às fls. 103 e 104 e da parte ré, ás folhas 106 a 112 .

É o Relatório.
Decido.

A controvérsia gira em torno de dois pontos: se a recusa ao pagamento pelos danos materiais foi justa e a pertinência quanto ao pedido de danos morais.

O contrato de seguro devido a sua natureza de obrigação complexa e eventual, condicionada a um evento futuro incerto, via, de regra, estabelece para o segurador o recebimento do prêmio, afim de que, em ocorrendo o evento coberto pela apólice seja pago o valor da indenização contratada.

No caso em questão a seguradora demandada negou a indenizar o valor correspondente aos danos do veículo objeto do acidente de trânsito, embora não negue a existência do dano, mas sim seu nexo de causalidade, alega que os danos provêm do péssimo estado de conservação do veículo e não do tipo de sinistro alegado.

O CDC tem como princípios basilares e gerais a boa-fé e o equilíbrio nas relações de consumo, previstos no seu art. 4º que estabelece que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.

Tais normas promoveram verdadeira revolução nos contratos consumeristas e permitem ao Juiz a interpretação que transcende à literalidade das cláusulas contratuais, buscando uma visão interpretativa mais favorável ao consumidor contratante de boa-fé, que nem sempre é informado do real conteúdo e sentido dessas cláusulas.

A professora e estudiosa dos contratos à luz do CDC CLÁUDIA LIMA MARQUES defende:

"O primeiro instrumento para assegurar a equidade, a justiça contratual, mesmo em face dos métodos unilaterais de contratação em massa, é a interpretação judicial do contrato em seu favor. Inspirado no art. 1.370 do Código Civil Italiano de 1942, o CDC, em seu art. 47, institui como princípio geral a interpretação pró-consumidor das cláusulas contratuais.” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., pág.283)

Essa tendência interpretativa ocorre principalmente quando o vínculo de consumo se forma através da adesão do consumidor a um contrato padrão elaborado unilateralmente pelo fornecedor, como ocorre no caso ora em análise.
As novas normas que regem os contratos, que foram trazidas por concepção contida do CDC, optam por proteger não só a vontade das partes, mas principalmente os legítimos interesses e expectativas dos consumidores.
Por conta disso, a interpretação do contrato objeto do litígio deve ser feita de forma mais favorável ao acionante, mesmo porque, a requerida trás a lume método interpretativo flagrantemente prejudicial ao consumidor vitimado que, ao fazer cobertura de sinistro para danos em seu veículo, tem a cobertura negada por suposta fraude sob alegação de não existir nexo de causalidade entre os danos causados e o tipo de sinistro.
Ora, não se pode conceber que a seguradora negue o direito à indenização aos danos sofridos, justificando má fé do segurado, e quebra do contrato por má conservação, sem apresentar provas de suas alegações, e inclusive porque o perito que realizou a investigação que ensejou a negativa – fls. 89 a 94, não apresenta provas irrefutáveis, limitando a emitir seu parecer dizendo: “Que esteve na oficina encontrando o veículo sem as mínimas condições de funcionamento, em péssimo estado de conservação, salientando que os danos encontrados no veículo não apresentavam indícios de recenticidade, inclusive faltando peças no motor essenciais ao funcionamento do veículo, e que no dia seguinte esteve na via onde ocorreu o sinistro, descrevendo-a com pavimentação asfáltica, sem acostamento, apresentando trecho curvo em aclive, com pequena movimentação de pedestres, que à margem direita do sentido Coroa – Baiacu, as árvores não apresentavam indícios de terem sofrido impacto contundente na base do tronco , estando suas cascas preservadas, não existindo também no local marcas de frenagem”. Note-se que a inspeção pelo perito contratado pela seguradora ocorreu mais de quarenta dias após o acidente, .e este informa que tirou fotos, entretanto, estranhamente estas não foram acostadas nos autos.
Por outro lado, o relatório de acidente de transito de fls. 09, descreve o acidente e informa que compareceu ao local do acidente a viatura bravo 36 com dois policiais e descreve os danos sofridos.
Em audiência de instrução e julgamento a testemunha arrolada pela parte autora informa que estava no interior do veículo no momento do acidente, que era tarde da noite e a via estava escura, mal sinalizada, e chovia muito, que o acidente aconteceu em uma curva colidindo o veículo de frente com uma árvore e que permaneceu junto ao veículo com o autor até a chegada dos policiais que registraram a ocorrência, e do guincho da seguradora .
A pratica de negativa de arcar com os danos decorrentes de um evento coberto por contrato de seguro, se caracteriza como contrária aos comandos do Código de Defesa do Consumidor, mesmo porque, na hipótese em discussão, não houve por parte da ré sequer prova de que os segurados tenham agido de má fé e, portanto, a empresa seguradora não pode negar a cobertura contratada.
Assim, conforme preceitua a Lei 8.078/90, aplicável à espécie, todo contrato teve ser compatível com a boa-fé e o magistrado deve aferir se as partes agiram com boa-fé para conclusão do negócio jurídico de consumo. .
Note-se que em sua contestação à seguradora afirma que nega a cobertura porque constatou que não existiu nexo de causalidade entre o a sinistro e os danos apresentados no veículo, e mais, que estava em péssimo estado de conservação, entretanto somente o laudo pericial unilateralmente produzido, sem um só documento que ateste esta afirmação, é a contraprova apresentada pelo réu.
Foge a razoabilidade e não se pode conceber que a seguradora negue a cobertura dos danos materiais decorrentes do acidente com o veículo segurado, sob argumento tão frágil e desprovido de fundamento legal.
É bom observar que o lucro pretendido pelo segurador deve ser obtido através do prêmio recebido e não através de práticas arbitrárias e injustificadas que visam à negativa do pagamento da quantia pactuada com o segurado. Atitudes desta espécie caracterizam-se como práticas abusivas e de locupletamento ilícito que atentam ao contrato e às relações contratuais de modo geral, causando a sobrecarga do Poder Judiciário já tão atribulado, que vem sendo chamado de forma freqüente, para dirimir tais controvérsias.

Não vejo motivos, portanto, para que a empresa ré se insurja quanto ao pagamento da indenização como pactuada, criando óbices para tal, o que torna evidente a tentativa de enriquecimento sem causa da seguradora e afronta a boa-fé do segurado, pois esta deve assumir todo o risco inerente à sua atividade comercial sem querer repassá-la ao consumidor, sob pena de afastamento dos princípios que norteiam as relações consumeristas e causando desequilíbrio da relação contratual.

Em relação aos alegados danos morais, entendo que tem razão o autor, porque efetivamente causa transtornos, humilhações e danos a seu bom nome, uma pessoa contratar um seguro e depois não receber a cobertura pelos danos que sofreu, e no caso em análise, sustentar má fé e fraude do segurado sem apresentar qualquer prova de suas alegações.

A honra faz parte da integridade e da idoneidade econômica financeira do indivíduo e nos conduz a idéia de ser o bem supremo do homem, e qualquer maculada reflete em sua vida e no seu conceito social. A negativa do seguro, sob o argumento de ter este cometido fraude, pois os danos são pré-existentes, confessada na contestação, produz seguramente danos a sua imagem, constrangimentos e humilhações.

A lesão moral está configurada pela simples afirmação da empresa ao justificar a negativa do seguro, pois, tal afirmação afeta a honra do segurado e, portanto, é inerente à espécie.

Tanto o artigo art. 5, X da Constituição da República quanto o art. 6, VI da Lei 8.078/90, reconhecem com direito a indenização pelos danos morais.

O artigo 159 do Código Civil prescreve que aquele que por ação ou omissão voluntária violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano e a Constituição Federal no seu artigo 5º- incisos - V e X, também amparam a pretensão do requerente.

Embora certo que a indenização por danos morais não pode representar fator de enriquecimento sem causa e sim um desestimulador contra a prática de condutas ilegais e abusivas por parte das empresas fornecedoras de serviços. No caso em tela, o autor permaneceu por vários anos com seu nome vinculado a uma negativa de seguro por suposta fraude e ainda teve que suportar a falta de seu veículo, ficando em situação vulnerável e incomoda.

Não acolho o pedido do autor ao pagamento da quantia de R$ 5.940,00 (cinco mil novecentos e quarenta reais), correspondente a lucros cessantes, tendo em vista que a parte autora não apresenta nos autos recibos que comprovem aluguel de outro veículo.

Em face do exposto, hei por bem julgar em parte procedente o pedido do autor, para condenar a seguradora ré à cobertura dos danos materiais ocorridos no veículo, determinando a realização dos serviços, pela oficina na qual encontra-se o veículo, em face ao lapso temporal, não mais sendo possível a reparação, que seja coberto o valor do orçamento proposto pela oficina credenciada da ré, cujo valor é de R$ 7.815,53 (sete mil oitocentos e quinze reais e cinquenta e três centavos), acrescidos de correção monetária pelo INPC e juros 1% ao mês, desde a ocorrência do fato até a data do efetivo pagamento. Assim como, o pagamento de R$ 3.000,00 (tres mil reais) pelos danos morais sofridos.

Condenar, ainda, o réu ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC. P.R.I.

Salvador, 18 de abril de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara de Relações de Consumo

 

Fonte: DJE Ba

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