O Banco Panamericano foi condenado pela juiza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador

Publicado por: redação
19/05/2011 08:00 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

0125660-11.2008.805.0001 - Procedimento Ordinário

Apensos: 3312508-7/2010

Autor(s): Eraldo Geraldo Dos Santos

Advogado(s): Alexandre Ribeiro Caetano

Reu(s): Banco Panamericano Sa

Advogado(s): Fabiana Pinheiro Ferreira, Manuela Sampaio Sarmento Silva

Despacho: Vistos, etc.,

ERALDO GERALDO SANTOS, já qualificado nos autos, através de advogados legalmente constituídos propôs AÇÃO DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS e pedido de TUTELA ANTECIPADA contra BANCO PANAMERICANO S/A, também já qualificado nos termos da inicial, em razão de ter pactuado com a ré contrato bancário, asseverando pretensão de discussão do contrato havido com a suplicada, por violação das normas consumeristas, requerendo revisão de cláusulas contratuais para adequação ao direito do consumidor e requerendo tutela antecipada a fim de livrar seu nome do cadastro de órgãos de proteção ao crédito. Juntados documentos.
Alega a parte autora que celebrado o contrato para financiamento de veículo com a ré e viu-se impossibilitado de honrar o financiamento tendo em vista os abusivos encargos a ele impostos.
Pediu, ainda, o deferimento do pedido de tutela antecipada e, ao final, fosse julgado procedente o pedido de revisão contratual com a declaração da abusividade das cláusulas impugnadas, bem como custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Não houve pedido de antecipação de tutela.

A ré ofereceu resposta às fls. 18 a 31, não aduzindo preliminar e no mérito que o pleito do autor não pode prosperar, pois, buscando inquinar de nulidades cláusulas contratuais absolutamente válidas, não apenas porque foram livremente pactuadas, mas, sobretudo, por estarem de acordo com o disposto nas normas legais pertinentes.
Alega, ainda, que a acionante assinou um contrato de financiamento de veículo cujas cláusulas e condições ele tomou conhecimento, anuiu com todas elas, que estão em consonância com a legislação pátria, sendo, pois, absolutamente legais e sem vícios e, agora depois de usufruir do financiamento quer esquivar-se de cumprir a sua contraprestação com alegações inverídicas e sem respaldo legal. Aduziu, ainda, que a revisão contratual pleiteada pelo autor desrespeita, além do artigo 5°, XXXVI, da Constituição Federal, outros princípios consagrados no direito, como o da Força Obrigatória dos Contratos, e que ao longo do contrato, não se verificou qualquer circunstância extraordinária ou acontecimento imprevisível que ensejassem o não atendimento desses princípios.
Relata, ainda, o réu que os juros e demais encargos cobrados por ele, são comuns a toda e qualquer instituição financeira nacional e que o Banco Central fiscaliza as atividades bancárias com assiduidade e respeito às normas de direito positivo nacional e que o réu tem respeitado todas as suas determinações. Ao final, requereu que fosse o pedido formulado pela parte autora julgado improcedente e que a mesma fosse condenada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios a serem arbitrados pelo MM. Juízo.

Réplica às fls. 57 a 67.
As partes não tiveram interesse em conciliar.

Anuncio o julgamento antecipado da lide, uma vez que a matéria ventilada é eminentemente de direito. Ressalte-se, ainda, que sendo necessária a elaboração de cálculos, serão estes determinados em liquidação de sentença, após este juízo fixar os parâmetros para a sua elaboração através de sentença. Tal entendimento não pode ser caracterizado como cerceamento de defesa, até mesmo por conta de que a prova objetiva munir o julgador de elementos necessários à formação de seu convencimento. Assim, dispensando o Magistrado a produção de novas provas, sinaliza o mesmo que as provas já constantes dos autos são suficientes ao seu convencimento.

É o Relatório.
Posto isso. Decido.

A controvérsia se refere ao pedido de revisão de cláusulas contratuais ao fundamento de violação das normas do Código de Defesa do Consumidor, diante da alegação de excessiva onerosidade dos encargos impostos unilateralmente pela instituição financeira, em relação à taxa de juros, a prática de anatocismo e a cumulação de correção monetária com comissão de permanência, bem como questiona o índice de correção monetária e postulando a repetição do indébito.
Vale esclarecer, inicialmente, que a presente demanda deve ser analisada sobre a égide do CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, que em seu artigo 2º, estabeleceu como sendo consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, pois, na hipótese em discussão restou caracterizada a relação de consumo, uma vez que as transações financeiras desta natureza se enquadram no conceito previsto na legislação especial e, porque é flagrante a relação de hipossuficiência do consumidor em relação a demandada.
A doutrina e a jurisprudência mais balizada têm creditado aos contratos bancários, onde figura de um lado a instituição financeira na condição de fornecedora da quantia emprestada e, de outro, o consumidor, a condição de relação de consumo, conforme preceituado pelo art. 3º, §2º, do CDC, que estabelece: “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária...”.
Na mesma linha o Superior Tribunal de Justiça orienta na súmula nº 297 que:
“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
É importante salientar, que o art. 1º, do CDC, ao estabelecer que as normas de proteção ao consumidor, são de ordem pública e interesse social, permitiu ao julgador a possibilidade de intervenção nos contratos que, em suas cláusulas, imponham ao consumidor excessiva onerosidade ou vantagem exagerada ao credor, por se caracterizarem como abusivas e afastadas do princípio da boa-fé objetiva que deve nortear os contratos, visando restabelecer o equilíbrio contratual e financeiro.
Ampla discussão nacional no meio jurídico e financeiro venha sendo travada quanto à taxa de juros remuneratórios, sem que se chegue a bom termo, mas entendo que os argumentos trazidos pela autora quanto ao pedido de limitação da taxa de juros merece acolhimento, tendo em vista que ultrapassado o valor de 12% ao ano, representa encargo excessivo.
É certo lembrar que mesmo sendo, o art. 192, § 3º, da CEF de 1988 que limitava as taxas de juros em até 12% ao ano, alterado pela emenda constitucional nº 40/2003, a qual suprimiu o limite supramencionado, isso não quer dizer que os juros podem ser pactuados livremente, sem qualquer limite quanto a razoabilidade de sua fixação e em desacordo com a situação econômica de normalidade monetária que vivemos, pois isso representaria uma verdadeira legalização de agiotagem.
Mesmo porque a taxação dos juros em patamar compatível com o atual panorama econômico do país caracteriza-se como medida sócio-ideológica e, ainda, porque a supressão da norma limitativa expressa não impede que o julgador reconheça a incidência da onerosidade excessiva, em contratos onde se pretende taxas de juros em percentual superior a 12% ao ano, quando a remuneração da poupança popular está em valor bastante inferior.
A norma revogada era um “plus” na fundamentação quanto ao reconhecimento de prática usurária ao proclamar:
“ Art. 192 §3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.”
O mestre José Afonso da Silva argumentava para sustentar a aplicabilidade do dispositivo em estudo:
“Pronunciamo-nos, pela imprensa, a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado (e este não está, porque contém autonomia de artigo), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa...
Se o texto, em causa, fosse um inciso do artigo, embora com normatividade formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas, tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata”
No mesmo sentido é a posição do Ministro Marco Aurélio, do STF, na defesa da aplicabilidade da taxa legal de juros afirmando que “A lei complementar prevista na cabeça do artigo 192 diz respeito à estruturação do próprio sistema financeiro nacional cuja ausência, até aqui, não tem evitado a atividade que lhe é própria. Quanto à lei prevista na parte final do § 3º, diz ela respeito ao fato típico que pode ser a usura, e aí, em face do princípio da legalidade, remete-se no campo penal, ao que a lei dispuser”.
Verificamos que modernamente, embora exista determinação legal - Lei 4595/64, que cria o Conselho Monetário Nacional e dispõe sobre a Política Monetária, autorizando a este através do artigo 4º, IX a limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, o certo é que as instituições financeiras agem livremente, podendo estabelecer juros nas taxas que lhes aprouver sustentando a inexistência, no ordenamento jurídico brasileiro, de dispositivo legal explícito para controlar qualquer tipo de abuso.
No entanto, entre outros dispositivos legais que permitem a intervenção judicial nos contratos, verificamos que o CDC, no seu artigo 6º ,V, ao estabelecer quais são os direitos básicos do consumidor, inclui entre eles a possibilidade de revisão e modificação de cláusulas contratuais que lhe imponham excessiva onerosidade, e portanto, o Poder Judiciário não pode se furtar a interferir nos contratos, principalmente aqueles emergentes dos contratos de massa, denominados comumente de contratos de adesão.
Isso porque, se a Política Monetária Nacional admite a livre pactuação das taxas de juros, não intervindo administrativamente para evitar exorbitância, não pode o magistrado deixar de apreciar, quando solicitado, a justiça ou injustiça do percentual pactuado, visando o equilíbrio contratual e evitando uma onerosidade excessiva em prejuízo do consumidor, parte mais frágil na relação consumerista, sob pena de distanciamento na nova concepção do contrato que garante a liberdade de contratar desde que seja respeitada a sua função social e seja observado o princípio da boa fé objetiva, que impõe as partes os deveres de lealdade, cooperação e informações claras. Mesmo porque, não é só um direito do consumidor questionar cláusulas onerosas, mas principalmente uma garantia fundamental devidamente prevista nos artigos 5º, XXXII e 170 da Constituição Federal.
Assim, comungamos com o entendimento de que o percentual de juros superior a 12% incidente nos contratos de consumo, notadamente no contrato de financiamento objeto desta demanda, é abusivo e onera excessivamente o consumidor, porque este não pode suportar remunerar o capital para a aquisição de bens e serviços em valor acima de um por cento ao mês, quando a poupança popular é remunerada a valor muito inferior a este percentual, se caracterizando como prática abusiva e usurária a imposição de percentual acima deste patamar e por isso, este deve ser expurgado da dívida revisada.
Quanto à alegação de prática de anatocismo, também merece acolhida a pretensão da autora, pois, é pacifico o entendimento que veda a capitalização mensal dos juros, nos termos do quanto preceitua o art. 4º, do Decreto nº 22.626/33 ao estabelecer: "é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano."
O Supremo Tribunal Federal, através da súmula nº 211, estabelece que:
“É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também é enfática ao vedar a capitalização de juros, in verbis:
"Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por lei específica, a capitalização de juros se mostra admissível. Nos demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei n. 4.595, de 1964, o art. 4º do Decreto n. 22.626, de 1933. ". (4ª Turma do STJ, no REsp. 124.780-RS, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO)
"Recurso especial assentado em dissídio jurisprudencial. Contrato de abertura de crédito. Capitalização dos juros. Súmula nº 121/STF.
"1. No tocante à capitalização dos juros, permanece em vigor a vedação contida na Lei de Usura, exceto nos casos excepcionados em lei, o que não ocorre com o mútuo bancário comum, tratado nos presentes autos.
"2. Recurso especial não conhecido".
Portanto, ilegal e abusiva a capitalização dos juros incidente no contrato ora em análise.
Também não se pode conceber a cumulação de comissão de permanência com a correção monetária, dada à natureza e finalidade de ambas que visam à reposição do valor da moeda.
Tal entendimento é objeto da súmula 30, do Superior Tribunal de Justiça, estabelece que “A Comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis.”
Assim, não se pode admitir a cumulação de comissão de permanência com correção monetária.
No que se refere à multa contratual, a legislação pátria já regulamentou tal instituto ao prevê no § 1º do artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor que “as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigação no se termo não poderão ser superiores a 2% (dois por cento) do valor da prestação”.
Tal dispositivo, como norma protetiva consumerista é de ordem pública e de interesse social, podendo inclusive ser modificado de ofício.
O Código de Defesa do Consumidor introduziu no nosso sistema legal, princípios gerais que realçam a justiça contratual, a equivalência das prestações e o princípio da boa-fé objetiva.
Verifica-se que o contrato celebrado entre as partes foi de adesão, o que pressupõe que uma das partes se obrigada a aderir ou não as cláusulas contratuais impostas pela outra, sendo as cláusulas estabelecidas unilateralmente pelo demandado, sem que o demandante pudesse discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. Não houve negociação livremente pactuada.
Destarte, a boa-fé, princípio geral das relações de consumo, tem como conseqüência a possibilidade de modificação ou revisão da cláusula contratual que contenha prestação desproporcional ou que traga excessiva onerosidade para uma das partes e a proteção contra cláusulas contratuais abusivas.
Não se torna necessário fato imprevisível para a modificação contratual, pois, nas relações de consumo, não impera a teoria da imprevisão.
Acrescente-se, nesse sentido:
"Onerosidade excessiva. Para que o consumidor tenha direito à revisão do contrato, basta que haja onerosidade excessiva para ele, em decorrência de fato superveniente. Não há necessidade de que esses fatos sejam extraordinários nem que sejam imprevisíveis. A teoria da imprevisão, com o perfil que a ela é dado pelo CC italiano 1467 e pelo Projeto n. 634-B/75 de CC brasileiro 477, não se aplica às relações de consumo. Pela teoria da imprevisão, somente os fatos extraordinários e imprevisíveis pelas partes por ocasião da formação do contrato é que autorizam, não sua revisão, mas sua resolução. A norma sob comentário não exige nem a extraordinariedade nem a imprevisibilidade dos fatos supervenientes para conferir, ao consumidor, o direito de revisão efetiva do contrato; não sua resolução."(Nelson Nery Júnior, obra citada, pg. 1352)
No direito de revisar as cláusulas contratuais e pelo revelado nos autos, resta provada a boa-fé do autor.
Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE a ação para declarar como abusivas as cláusulas contratuais que estabelece a taxa de juros superior a 12%, a prática de anatocismo e a cumulação de correção monetária com comissão de permanência e determinar a Revisão do Contrato, para que seja observada a incidência de juros remuneratórios no percentual de 12% ao ano e o IPC/INPC como índice de correção monetária, bem como declaro a nulidade da cláusula que estabelece a comissão de permanência cumulada com juros de mora e multa contratual, determinando, ainda, que a multa moratória deverá ser cobrada no percentual de 2% sobre o saldo devedor corretamente calculado e excluída qualquer outra taxa, inclusive taxa de cobrança administrativa ou honorários advocatícios extrajudiciais, recalculando-se as prestações avençadas pelos indicativos aqui determinados, admitindo-se a compensação e apurando-se o quantum debeatur.
Condenar, ainda, o réu ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 9 de maio de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara de Relações de Consumo

 

Fonte: DJE BA