Criança... tem fome de quê?

Publicado por: redação
10/10/2011 08:00 AM
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Por Heloisa Helena*

O Dia da Criança no Brasil – 12 de Outubro - foi definido em 1924, mas a data só virou realidade mesmo depois de 1960 quando duas grandes empresas de produtos infantis resolveram aumentar as suas vendas com a promoção da “Semana do Bebê Robusto” e, portanto dinheiro e publicidade em tempos de crianças esquálidas... Embora em 20 de Novembro de 1959 a ONU tenha aprovado por unanimidade a Declaração dos Direitos da Criança e tenha tentado garantir a esta data o simbolismo de Dia Universal da Criança! Essa Declaração – há 51 anos aprovada – traz Princípios a serem obrigatoriamente conferidos pelas Nações Signatárias em Direitos: I. Igualdade, sem distinção de raça, religião ou nacionalidade; II. Especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social; III. Nome e Nacionalidade; IV. Alimentação, moradia e assistência médica adequadas para a criança e a mãe; V. Educação e cuidados especiais para a criança física ou mentalmente deficiente; VI. Amor e compreensão por parte dos pais e da sociedade; VII. Educação gratuita e lazer infantil; VIII. Socorro em primeiro lugar, em caso de catástrofes; IX. Proteção contra o abandono e a exploração no trabalho; X. Crescimento dentro do espírito de solidariedade, compreensão, amizade e justiça entre os povos. E no Brasil foi aprovada há 21 anos – com a legitimidade popular de um milhão de assinaturas para regulamentação do artigo 227 da Constituição Federal - a Lei 8069/ Estatuto da Criança e Adolescente com 267 Artigos que conferem todos os Direitos que todas as Mães gostariam que seus filhos (as) tivessem como garantia de vida digna vivida em plenitude.

Cansou de ler? Imagine o cansaço e o desespero de milhares de lutadores sociais espalhados em cada canto do país - que renascem em coragem e esperança todos os dias - na perspectiva de superar o abismo entre as conquistas da legislação em vigor e as propostas concretas já disponibilizadas diante da cotidiana realidade de miséria humana imposta a milhões de crianças como mecanismo potencialmente destruidor dos mais belos sentimentos de inocência e bondade na infância. Imagine especialmente o significado na vida dessas crianças de dias e dias de maus-tratos, negligência material e laços afetivos destruídos, humilhação repetitiva e intensa, espancamento e crueldade, vergonhosa exploração sexual, trabalho aviltante e penoso, abandono e solidão na negação das descobertas e encantamento com o mundo... situações de inimaginável indignidade que marcam como ferro em brasa de forma dolorosa e profunda o coração e a alma das crianças... experiências que na maioria das vezes são impossíveis de serem transformadas apenas em tristes lembranças e permanecem mesmo como imensas cicatrizes mutiladoras remoendo em dores para sempre nas relações pessoais e familiares ou representadas em intensa brutalidade comportamental na vida em sociedade!

As frias estatísticas oficiais – embora jamais possam medir as lágrimas e os sofrimentos pessoais ou coletivos - mostram em incontestável precisão matemática as histórias de pequenas vidas friamente destruídas todos os dias nas ruas, nas periferias, nas casas, nos campos ou nas cidades... utilizadas como mão-de-obra escrava do narcotráfico, exploradas sexualmente em seus pequeninos corpos, famintas catando restos alimentares ou esqueléticas pelo uso do crack, morrendo por causas evitáveis no sistema de saúde ou vítimas diretas da guerra silenciosa na violência que mata crianças no Brasil – ou as deixa órfãs – em número muito maior que todas as guerras e conflitos armados em vários países... Crianças envolvidas na criminalidade e crianças morrendo de forma cruel e horrenda! Crianças que aprendem o que de pior existe no consumo e banalização de drogas psicotrópicas lícitas e ilícitas, na sexualidade infame e precoce, nas técnicas de violência para ter a sensação de proteção e poder pessoal, mas são impedidas pela ausência criminosa do aparelho de estado de terem acesso à educação, música, cultura e esporte para nem cobrar tudo que efetivamente elas têm direito conferido no arcabouço jurídico brasileiro vigente e em todas as normas internacionais ratificadas pelo país.

O mais doloroso é que a cada novo Dia das Crianças mais análises epidemiológicas são apresentadas nas mortes por causas evitáveis, mais estudos pedagógicos são consolidados comprovando a importância do acesso ao conhecimento e da melhoria das condições objetivas de vida, mais elementos da neurociência são compreendidos demonstrando como as políticas sociais na infância são importantes tanto para potencializar as habilidades cognitivas em lógica e matemática, a evolução da linguagem, o conhecimento cultural, a estruturação das análises e julgamentos dos fatos, a nutrição do afeto... tantas ferramentas poderosas e maravilhosas à disposição e que se introduzidas no período da infância serão de tal forma consolidadas que ninguém nunca poderá roubar a dignidade existencial de uma criança e o seu futuro em vida vivida com dignidade! Talvez seja exatamente por isso que tão pouco interesse político exista para transformar tão dura e constrangedora realidade!

Tomara um dia possam todas as crianças conquistar o direito de brincar muito e possam também ter belos livros companheiros e possam amar os animais e respeitar a natureza... e possam ouvir músicas e recitar poesias e olhar as estrelas ou gargalhar muito uivando pra lua... e possam ser muito amadas independente da cor da pele ou de serem portadoras de deficiências ou sofrimento mental... e que não sofram preconceitos ou humilhações por nenhuma das características que apresente... Que sejam apenas crianças vivenciando os preciosos e insubstituíveis momentos da infância como se “no tempo da maldade a gente nem tinha nascido”!

Heloisa Helena

ex-senadora, é professora da UFAL

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