Intervenção do Poder Judiciário em Concurso Público: a última ratio em favor da legalidade e do bom senso

Publicado por: redação
10/10/2011 08:45 AM
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Por Carlos Henrique Santanna

Alcançar um cargo público é o sonho de milhares de brasileiros. Por força de mandamento constitucional (art.37, inc.II, da CRFB), em regra, o ingresso nos quadros públicos ocorre por concurso.

O Wikcionário denomina o estudante que busca através da realização de um concurso público uma oportunidade de carreira no serviço público como “concurseiro”.

 A simplicidade da definição acima esposada não reflete, contudo, a real dimensão do que seja um concurseiro e das dificuldades que o mesmo enfrenta nessa árdua jornada.

Concurseiro passou a ser um estilo de vida. Horas diárias de estudo e privações de toda sorte são características que o acompanham.

Justamente, em razão de tanto empenho e dedicação, por parte desses candidatos, o mínimo que se espera de uma Banca Examinadora e, principalmente, de instituições especializadas em concurso público, é a aplicação de provas com a devida observância às normas de regência.

Obvio que equívocos acontecem, até mesmo como conseqüência da inafastável falibilidade humana, porém, quando da elaboração das provas, erros devem ser evitados e, caso aconteçam, devem ser sanados.

Os candidatos, que já lidam com a dificuldade natural dos exames, cada vez mais estão sendo vítimas de erros sucessivos cometidos na aplicação das provas, e não podem ser prejudicados por situações que não deram causa.

Chama-se atenção para exemplos recentes de respeito e, acima de tudo, de humildade, em relação aos candidatos, demonstrados pela Banca Examinadora do concurso público que visa o ingresso na Carreira do Ministério Público de Minas Gerais (2011), tendo em vista que, após analise dos recursos interpostos pelos candidatos, reconheceu erros em 11 (onze) questões da prova preambular, anulando 9 (nove) e modificando o gabarito de 2 (duas), num universo de 80 (oitenta) questões possíveis.

O mesmo ocorreu no concurso público para ingresso na Magistratura do Paraná (2011), em que a Banca Examinadora, após a análise dos recursos, reconheceu diversas irregularidades na prova objetiva, anulando 16 (dezesseis) questões, num total de 100, atribuindo, conseqüentemente, a respectiva pontuação aos candidatos, o que é correto, uma vez que, repita-se, simplesmente, não contribuíram para a existência dos equívocos.

Como exemplo contrário, cita-se o último Concurso Público para ingresso na Carreira do Ministério Público do Espírito Santo (2010), que, notoriamente, além das questões anuladas na prova objetiva, pela instituição responsável pelo certame, mais de 15 (quinze) questões, ainda, reclamavam a devida invalidação. Tal fato, à época, foi considerado unânime entre professores especialistas e candidatos que realizaram a prova, tomando-se como parâmetro a Resolução n° 14, do Conselho Nacional do Ministério Público.

Apenas a título de esclarecimento, essa Resolução, que regulamenta o concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público, não permite a cobrança de questões divergentes em prova objetiva.

Nesse certame, além de erros existentes em disciplinas tradicionais, a cobrança de matérias pouco comuns em concurso de Ministério Público Estadual, como Direito Penal Militar, Direito Processual Militar, Direito Tributário e Direito Previdenciário, bem assim o uso de assertivas desatualizadas com a jurisprudência e doutrina modernas, podem ter contribuído para o desacordo com a Resolução 14 do CNMP, o que levou alguns candidatos, após a espera de anos pelo referido concurso, a ingressarem em juízo.

Embora não tão graves, há registros ainda, do mesmo problema de inobservância à Resolução n° 14 do CNMP em outros certames, como no último concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Rio Grande do Norte, o qual, também, obrigou diversos candidatos a ingressassem em juízo, diante da existência de possíveis duas respostas corretas numa mesma questão de prova objetiva.

São situações graves e temerárias como essas, em que os erros não são sanados, que o concurseiro prejudicado se ver obrigado a buscar o necessário socorro do Poder Judiciário, como última ratio em favor do restabelecimento da legalidade e do bom senso.

Especificamente, no caso de prova objetiva, como os parâmetros são, logicamente, objetivos, não resta dúvida de que o Poder Judiciário pode verificar se os limites impostos pelas normas de regência foram, efetivamente, inobservados pela Banca Examinadora, sem falar-se em ingerência no mérito administrativo, mas, sim, em controle de legalidade, com apoio no artigo 5°, inc. XXXV, da Constituição Federal, que reza que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, ao tratar do tema, entendeu que “efetivamente – é da jurisprudência –, não cabe ao judiciário, quanto a critério de banca examinadora (formulação de questões), meter mãos à obra, isto é, a banca é insubstituível. 2. Isso, entretanto, não é absoluto. Se se cuida de questão mal formulada – caso de erro invencível –, é lícita, então, a intervenção judicial. É que, em casos tais, há ilegalidade; corrigível, portanto, por meio de mandado de segurança (Constituição, art. 5º, LXIX). 3. Havendo erro na formulação, daí a ilegalidade, a Turma, para anular a questão, deu provimento ao recurso ordinário a fim de conceder a segurança. Maioria de votos”. (RMS 19062/RS, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 21/08/2007, DJ 03/12/2007 p. 364).

E decidiu com acerto o Tribunal da Cidadania. Independentemente de ser concurso público ou não, a Administração Pública, quando pratica ato administrativo, deve guiar-se, sempre, pelo princípio da legalidade, obedecendo à ordem jurídica como um todo.

Os Tribunais locais em sintonia com tal entendimento, igualmente, não claudicam em oferecer o necessário suporte aos candidatos prejudicados. Vejamos:

“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. QUESTÃO FORMULADA COM EVIDENTE DUPLICIDADE. NULIDADE. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. REMESSA OFICIAL IMPROVIDA”. (TRF-5, QUARTA TURMA, REOAC n° 0006903-35.2008.4.05.8200, REL. DESIGNADO DES. LÁZARO GUIMARÃES, FONTE: DIÁRIO DA JUSTIÇA - DATA: 18/06/2009, PÁG. 244, Nº 114, 2009).

“A configuração da duplicidade de alternativas corretas autoriza a anulação do item e a atribuição da respectiva pontuação ao candidato. (...)”. (TRF-2, APELAÇÃO CIVEL-441687, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, Processo: 2003.51.01.000269-7, Data Decisão: 14/04/2010, E-DJF2R, Data: 07/06/2010, Págs 294/295).

Vê-se, portanto, que o posicionamento moderno caminha no sentido do Poder Judiciário, no desempenho do seu papel constitucional, reparar equívocos cometidos em concurso público, notadamente na situação que, talvez, mais desanime e prejudique o candidato, qual seja, a duplicidade de respostas corretas.

Nesse ponto, merecem destaque as irretocáveis sentenças dos Magistrados Ademar J. Bermond e Carlos Henrique Cruz de Araujo Pinto, que tiveram, no exercício de suas funções, a oportunidade de apreciar as irregularidades ocorridas no recente, e já mencionado, concurso para ingresso na carreira do Ministério Público do Espírito Santo.

De forma brilhante, o Juiz Ademar J. Bermond salientou que:

No tangente à anulação das questões pontuadas pelos requerentes, tenho entendido, na esteira da melhor jurisprudência dos nossos tribunais, que não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora do concurso. Quanto a este aspecto, concordo plenamente com o Estado que citou inúmeras ementas de Jurisprudência sobre a matéria.

 

Contudo, o caso ora investigado reveste-se de excepcionalidade. Trata-se de argüição de vícios evidenciados nas questões objetivas do concurso público que se apresentam de forma primo ictu oculi, que merece exame quanto à legalidade, inclusive, num contraste com o Edital do Certame e a Resolução n. 14 do CNMP que disciplina a matéria, já havendo manifestação do STF na ADI N. 3838/ MC/DF, no sentido de que a Resolução do CNPM possui natureza eminentemente normativa.

 

Neste passo, dispõe a referida Resolução no seu art. 17, parágrafo 1º., que a prova preambular, leia-se prova objetiva, não pode ser formulada com base em entendimento doutrinários divergentes, ou jurisprudências não consolidadas dos tribunais. As opções consideradas corretas deverão ter embasamento na legislação, em súmula, ou jurisprudência dominante dos tribunais superiores.

 

Logo, o caso é de se perquirir se efetivamente as questões pontuadas pelos requerentes, estão, ou não em consonância com o que preconiza a regra normativa, ou se existe flagrante vício de ilegalidade na formulação das questões.  (Processo n° 024.10.031095-2).

Também, em sentença brilhante, o Magistrado Carlos Henrique Cruz de Araujo Pinto observou que“ há situações em que o Poder Judiciário pode analisar questões objetivas, quando desrespeitado o Edital, e as regras do concurso”, anulando, por conseguinte, diversas questões “vez que foram baseadas em Jurisprudência não consolidada de nossos Tribunais, ou tiveram mais de uma resposta” (processo 024.10.027892-8).

Em relação a este certame, registra-se, oportunamente, que, até então, houve, de forma isolada, apenas 1 (hum) julgado desfavorável a candidato sub judice aprovado, em sentença proferida pela Juíza Marianne Judice de Mattos (Processo n° 024.10.027796-1).

Nesse caso, julgado em desfavor do candidato aprovado, pelo que se constatou, algumas questões impugnadas eram idênticas às questões analisadas nos outros dois julgados acima citados, sendo que contra a sentença foi interposto recurso de apelação, o qual vai ser apreciado pelo Tribunal de Justiça, que, por sua vez,  já sinaliza adotar, também, em diversas demandas, originárias ou recursais, posicionamento de vanguarda em favor dos candidatos, não se limitando, inclusive, à prova objetiva, quando evidente o erro na formulação das questões.

Outra postura, não se esperava do corajoso Tribunal Capixaba, senão, vejamos:

 (...) O caso vertente carrega em si excepcionalidade de ante das patentes absurdez, teratologia e, via de consequência, ilegalidade da exigência da banca examinadora (item 2.8 - peça processual penal), de sorte que não tem cabimento o raciocínio no sentido de que o Poder Judiciário está procedendo ao exame do mérito administrativo. (...)  Assiste razão ao Impetrante em postular nota no item 2.3 da parte II - parte processual cível, pois conforme dicção do item 13.2.5.2.1 do Edital inicial, em cada texto da prova discursiva - parte II será avaliado a apresentação e a estrutura textuais e o desenvolvimento do tema. 5. Segurança parcialmente concedida. (Mandado de Segurança 100100027232, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, Relator : PEDRO VALLS FEU ROSA,  Data de Julgamento: 09/05/2011  Data da Publicação no Diário: 27/05/2011).  

 

“(...) Há densidade na argumentação tecida pelas recorridas, consistente na possibilidade de questões objetivas serem anuladas, sobretudo se levado em consideração o teor do art. 17, § 1º, da Resolução nº 14 do Conselho Nacional do Ministério Público, o qual dispõe que "a prova preambular não poderá ser formulada com base em entendimentos doutrinários divergentes ou jurisprudência não consolidada nos tribunais. As opções corretas deverão ter embasamento na legislação, em súmulas ou jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores".O Superior Tribunal de Justiça - realizando uma autêntica virada jurisprudencial - vem firmando a compreensão de que, em circunstâncias excepcionais, torna-se legítima a intervenção judicial quando vislumbrado erro claro na formulação da questão objetiva.(...)”.(TJES, Classe: Agravo de Instrumento, 24100919745, Relator : NEY BATISTA COUTINHO, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 22/03/2011, Data da Publicação no Diário: 07/04/2011)

Merece destaque, também, o Tribunal Potiguar, quando da análise do já referido concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Rio Grande do Norte.  Eis trecho de ementa, decorrente do julgamento da Apelação Cível n° 2010.010612-1, processada e julgada na 3ª Câmara Cível, cuja relatoria coube ao ilustre Desembargador Vivaldo Pinheiro.

“REVISÃO DE QUESTÕES OBJETIVAS DE CONCURSO PÚBLICO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. ERRO NA ELABORAÇÃO DE QUESTÃO DEMONSTRADO. QUESTÃO QUE POSSUI ALTERNATIVA CORRETA DIVERSA DA APRESENTADA PELO GABARITO OFICIAL. QUESTÃO ANULADA. POSSIBILIDADE. QUESTÃO QUE POSSUI 2 (DUAS) RESPOSTAS CORRETAS. ANULAÇÃO QUE SE IMPÕE. SENTENÇA MANTIDA”. (TJ-RN, 3ª-CÂMARA CÍVEL, Apelação Cível n° 2010.010612-1, Rel. Des. Vivaldo Pinheiro, 16/12/2010)

Vê-se, portanto, que o antigo mito da não intervenção do Poder Judiciário em concurso público não se sustenta diante do artigo 5°, inc. XXXV, da Constituição Federal, trilhando a jurisprudência pátria atual um justo caminho de reconhecimento e de respeito aos denominados “concurseiros”, principalmente, por parte de alguns Magistrados corajosos que, quando da proteção da legalidade e do bom senso - inexistente em alguns concursos - passaram a entender que, no ordenamento jurídico, de certo modo, nada é absolutamente inatingível.

Carlos Henrique Santanna  é expertise em Concursos Público e escreve para o Direito Legal Org

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