Separar o joio do trigo

Publicado por: redação
24/10/2011 11:14 PM
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Por  José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino*

        Sei que é axioma do jornalismo que notícia boa é notícia ruim, mas também sei que o jornalismo sério se preocupa em propiciar aos seus leitores a correta versão dos fatos, ensejando a todos, democraticamente, o sacrossanto direito de expor o seu ponto de vista. Atualmente têm surgido, de forma generalizada, manchetes na imprensa escrita, falada e televisada sobre “bandidos de toga”, diante de entrevista concedida pela ministra do Superior Tribunal de Justiça e corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, dando conta que, frise-se, em todo o Brasil, na última década tão somente 39 juízes foram investigados em operações de grande porte levadas a efeito pela Polícia Federal, sendo certo que 31 deles foram denunciados à Justiça pelo MP, 7 chegaram efetivamente a ser julgados, e  apenas 2 foram  realmente condenados.

Inicialmente é bem que se diga que, efetivamente, não escrevo pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pois que não exerço nenhum cargo diretivo, mas sim como juiz de Direito que, por 17 anos, integrou os quadros do Ministério Público do Estado de São Paulo, como promotor e procurador de Justiça, e por quase 20 faz parte da magistratura bandeirante, porquanto me sinto profundamente ofendido pelos termos chulos utilizados na aludida entrevista e, como eu, milhares de magistrados impolutos que dedicam a vida ao Poder Judiciário, no afã de distribuir Justiça dando a cada um o que é seu com igualdade.

Faço parte da comissão examinadora do 183º Concurso de Ingresso à Magistratura do Estado de São Paulo e sei, muito bem, a tarefa árdua que está sendo escolher pessoas capacitadas para comporem o Poder Judiciário. Registre-se que essa triagem de escolher juízes vocacionados para exercerem a profissão é feita com muita acuidade, pois, ao longo da carreira que os candidatos pretendem abraçar, não raro, terão que lidar com o crime organizado e, por vezes, deverão ter estrutura psíquica para, ao receberem ameaças, algo muito comum, não se desestabilizarem de molde a interferir na entrega da prestação jurisdicional.

No início do aludido concurso foram 18 mil inscritos e sei, porque ao meu tempo também passei por essa fase, que os candidatos durante o certame abdicam do convívio familiar, tiram férias para estudar, enfim, se estressam, objetivando sucesso na empreitada. Existe uma verdadeira varredura jurídica e pessoal dos candidatos até a proclamação do resultado final, que, no presente concurso, se dará ao cabo de um ano e meio. Como se vê, a escolha de novos juízes é rigorosa e, na carreira, como em toda profissão, existem os bons, a grande maioria, e os maus juízes, daí por que a mui digna ministra corregedora poderia – porque é essa a sua função –, em homenagem aos juízes probos e honestos, nominar, em cada Estado da Federação, quem são os chamados magistrados corruptos ou, como se disse, “bandidos que estão escondidos atrás da toga”.

Também faço parte do Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que tem a missão penosa e constrangedora, entre outras, de julgar administrativamente seus pares. Posso garantir que, aqui, os juízes que cometem pecadilhos e infrações graves são devidamente punidos, na medida em que a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça tem ao longo da última década atuado bravamente, ao contrário do que ficou genericamente alegado. É bem de ver que a composição do Órgão Especial do Tribunal de Justiça é de 25 desembargadores e nunca ocorreu falta de quórum para julgar e punir um colega.

De outro lado, é bem de ver que os processos administrativos disciplinares tirados contra juízes não ficam, como foi dito alhures, parados. No Estado de São Paulo, nos últimos dez anos, dos 159 processos instaurados, 89 resultaram em punição, como se vê do quadro sinótico abaixo, sendo certo que em determinados casos graves, ad cautelam, o magistrado foi suspenso preventivamente até que, observado o devido processo legal, isto é, com as garantias da ampla defesa e do contraditório, se chegasse à devida punição.

 
  2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011* TOTAL
Abertura de Processo Administrativo Disciplinar 15 18 15 11 14 16 13 12 13 15 12 5 159
Penalidades aplicadas                          
Advertência 7 0 5 8 4 5 0 1 1 3 1 1 36
Censura 1 4 4 3 1 5 1 2 6 4 2 3 36
Remoção compulsória 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 1 1 5
Disponibilidade 0 0 2 0 0 0 2 1 1 2 2 1 11
Aposentadoria Compulsória 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1
*até 21/09/2011                          
Ao contrário do que muita gente pensa, o juiz de Direito não é um funcionário público comum, posto que, como em outros países, a magistratura é uma carreira de Estado e, por via de consequência, deve ter vencimentos condizentes, bem como proporcionar uma aposentadoria digna a seus membros. Essa garantia não é do juiz, mas sim do jurisdicionado, ao permitir que o agente do Poder Judiciário julgue as demandas, que, às vezes, envolvem milhões de reais, com tranquilidade. É ela, a magistratura, um verdadeiro sacerdócio que impõe, aos juízes no início da carreira, restrições inexistentes para um jovem comum. Nos mais longínquos rincões, muita vez, o magistrado que, não raro, sequer alcançou os 30 anos de idade, deve escolher os locais que frequenta, suas companhias, e, no mais das vezes, acaba sozinho, o que lhe causa verdadeiras sequelas.

Portanto, em nome desse juiz que durante sua carreira passa muitas agruras neste país de dimensão continental, tem comportamento ilibado, devendo ser o fiador da cidadania, é que se baseia a voz do meu reclamo no sentido de que se nominando, a ministra, os maus juízes, conforme lhe cumpria, significaria separar o joio do trigo.

* José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo

Fonte: artigo publicado originalmente no Jornal Estado de Minas, coluna Direito & Justiça, em 24/10/11.

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