Repensando conceitos, desmistificando preconceitos.

Publicado por: redação
10/05/2012 08:04 AM
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Breno Rosostolato*

Quarta-feira, 12 de abril. Um dia marcado na história por uma decisão importantíssima. A ação que descriminaliza a interrupção de gestações de anencéfalos, questão que retoma a discussão sobre a legalização do aborto. A discussão do assunto pelo Supremo Tribunal Federal teve um desfecho digno de reflexões e argumentações muito pertinentes sobre o tema e que resultou numa maioria favorável à decisão. Os critérios para o diagnóstico serão os próximos passos para determinar a interrupção da gravidez, alicerçado pela análise da literatura técnica, de dados científicos e da experiência da prática médica.

O mais significativo neste momento histórico é que se faz justiça com as mulheres, que, diretamente, estão envolvidas nesta discussão. E sem ser moralista ou defender posições feministas, mas quem de fato possui poder dedecisão sobre qualquer método abortivo é a mulher que é vigiada não apenas em sua saúde para ter um feto saudável, como apresentar uma saúde perfeita. O corpo da mulher sofre muito mais intervenções médicas do que o corpo do homem. Estas preocupações médicas centralizam as atenções à mulher e a ela atribui o mérito de uma boa gestação, que é compartilhado com o marido, mas um eventual problema com bebê, a culpa é associada à mãe, ou porque ela não se cuidou durante a gestação, foi negligente, e por ai vai.

Existe uma educação inerente à existência da mulher de gerar bebês saudáveis. Frequentar os consultórios médicos, procedimentos de pré-natal e inúmeros exames laboratoriais sustentam esta educação que torna-se obrigação e que, portanto, coloca a mulher no cerne de toda e qualquer discussão sobre ela ter ou não o bebê. Ao homem, seu papel paterno é autorizado pela mãe, e neste sentido, a escolha em interromper uma gestação é delegada à mulher, entretanto, sem retirar do homem sua responsabilidade e sem desqualificar seus sentimentos e o desejo projetado ao filho.

A decisão de interromper a gestação em caso de anencefalia por oito votos contra dois pelo Supremo Tribunal Federal não considera, neste aspecto e sob esta condição, o aborto crime. A justificativa mais contundente se traduziu nas palavras do ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação, “...aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado porcélulas vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal. [...] O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é incompatível com a vida”.

Se um dos argumentos é de que a vida existe desde a sua concepção, logo, o feto possui vida e a mãe não pode ser dissociada desta discussão. Posicionamentos religiosos devem ser compreendidos como visões ortodoxas, conceitos muito antigos e que foram perpetuados na história, mas são secundários diante de uma sociedade muito diferente culturalmente e que se metamorfoseia a todo instante. Movimentos sociais se distanciam cada vez mais dos dogmas e do conservadorismo religioso, pois as necessidades de quebras de paradigmas são prioritárias para o surgimento de novos pensamentos. A mulher não está mais na condição de ser considerada a bruxa da inquisição, bem como o aborto está longe de ser algomaligno e diabólico. Maquiavélico é a banalização de muitas pessoas que não se preocupam com a gravidez precoce e que conduzem o envolvimento sexual de maneira inconsequente e descontrolada.

Autorizar a antecipação do parto abre um precedente, rever as leituras que se faz sobre o aborto. Primeiro que esta medida não obriga a mulher a abortar, mas lhe dá escolha de interromper ou não a gravidez, sem correr o risco de punição penal. Existem consequências emocionais implicadas em ter um bebê, o filho tão desejado, mas que pode ter sido planejado ou não. No caso de anencéfalos, e que é sabido que este bebê morrerá em instantes depois à gravidez, é uma tortura emocional para a mãe saber da morte inevitável do filho. A culpa em antecipar o parto é igualmente dolorosa. Permitir à interrupção da gestação, portanto, é dar autonomia à mãe, redenção à criança e poder à reparação, necessária para diminuir o impacto da morte. Além disso, uma possível legalização do aborto reduz o número de mortes, e que em estatísticas recentes é o terceiro motivo de óbitos entre as mulheres, isto por causa de procedimentos abortivos clandestinos e grosseiros.

Da mesma forma que criminalizar o aborto não diminuiu sua incidência, legalizar também não seria solução. Não sejamos ingênuos de acreditar nisso.

Uma mãe que não abortar diante de uma gravidez indesejada está em seu direito, não permite que ela decida por outra mãe, mas não escutar a opinião da mulher sobre o desejo dela e uma ignorância sexista.

Discutir o aborto vai muito além da saúde pública, conspirações políticas e econômicas ou preceitos religiosos, mas o diálogo deve opor-se contra os preconceitos sociais e a demagogia, que desqualifica o estado laico. A hegemonia de uma civilidade pressupõe educação. A falta dela ocasiona em ignorância sobre si e afundando a sociedade na alienação de unanimidades.

*Breno Rosostolato é professor de Psicologia da FASM (Faculdade Santa Marcelina).

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