A evasão escolar: causas e soluções

Publicado por: redação
03/10/2012 09:42 AM
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*/**Conceição Cinti

Segundo estudo feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o trabalho infantil, o fracasso escolar, as desigualdades sociais e a baixa renda familiar são alguns dos fatores determinantes para a evasão escolar.

Cerca de 3,7 milhões de crianças e adolescentes entre quatro e 17 anos de idade estão fora da escola no Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2009). Muitos são os fatores que cooperam para a evasão escolar. Problemas provocados dentro da própria escola, como a repetência escolar - motivada muitas vezes pela a falta de dinâmica dos professores e pelas condições precárias das escolas, que por sua vez são esquecidas pelos governantes federais, estaduais e municipais. Dificuldades de acesso à escola, inexistência de transporte público, falta de espaço físico adequado, de mobiliário, de material didático básico, de merenda escolar são também aspectos importantíssimos no sentido de manter o aluno dentro da sala de aula.

No mundo globalizado em que vivemos, a inclusão digital das crianças e adolescentes de baixa renda é um fato que não pode ser banalizado porque se constitui em uma severa excludente, que tem contribuído para que o jovem se marginalize precocemente e deixe a escola.

Há 12 anos, eu já recebia na Escola Restaurativa para atendimentos, meninos e meninas que, diante da impossibilidade de ter um computador, praticava o furto somente para ter acesso a uma “Lan House”.

Através de um levantamento estatístico específico provavelmente iremos constatar que o número de prisões por esse motivo continua aumentado, sobretudo nas pequenas cidades, em razão da ausência de políticas publicas para dotar os espaços escolares com tecnologia de ponta. Por outro lado, a Publicidade reforça a necessidade de se “ter” produtos de última geração, invadindo e encantando o imaginário social de forma que o incauto infanto-juvenil se vê na obrigação de se inserir nesse contexto a qualquer preço.

O Proerd - Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência, não é o mais adequado para auxiliar a escola a resolver os problemas da violência, apesar da boa intenção dos militares. Educador é educador. E Policial é Policial. Ambas as profissões são importantes no contexto social, mas cada uma tem uma missão própria dentro da sociedade. A Polícia Militar tem toda uma formação para uma destinação especifica. Os educadores têm outra formação e outra destinação.

Dentro das escolas públicas municipais e estaduais não há dependentes químicos. Em minha opinião, a presença da PM na condição de educadores, ao invés de atrair o jovem dependente ou que está prestes a entrar em confronto com a Lei, provoca a evasão desses alunos, que jamais buscarão a ajuda da escola. E nós sabemos que o elo imprescindível para uma sociedade sadia é a escola e a família. Data vênia, não é a escola e a polícia, por mais bem intencionada que esta esteja.

Segundo o professor da Unifesp, Dartiu Xavier, estudos americanos já mostraram a ineficiência do Proerd. Então, por que continuamos importando esse modelo? Acredito que isso se deve ao fato de não termos alternativa. Além disso, o programa conta com um excelente marketing. Pesquisas comprovam que projetos dogmáticos, com ensinamento de cima para baixo, não funcionam. Um modelo único não é eficaz, já que devemos levar em conta as características das pessoas que serão atendidas, as especificidades de cada comunidade, faixa etária e classe social. O que dá resultado para adolescentes e adultos jovens são os modelos participativos. O importante mesmo é promover a interação entre os alunos e focar na promoção da saúde e da educação. Não basta falar que usar substâncias psicoativas faz mal à saúde. Isso pode despertar ainda mais a curiosidade desses jovens.

Tive a oportunidade de verificar “in loco” o que diz Xavier, principalmente nas cidades do interior onde as pessoas de baixa renda são facilmente constrangidas por aqueles de detém qualquer tipo de poder. A presença policial nas escolas poderá até trazer a sensação de mais segurança aos professores - o que reconhecemos ser um direito de todos previsto em lei -, mas reduz a possibilidade da escola acolher os jovens dependentes de substâncias psicoativas ou os que estão na iminência de praticar ato infracional. Essa parcela de jovens não podem ser excluídos do contexto escolar! Pelo contrário, se a escola se colocar como catalizadora da confiança desses jovens, serão multiplicadas as chances de encaminhá-los para um futuro melhor.

Nesse sentido, vejamos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB9394/96) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A legislação prevê que esgotados os recursos da escola, a mesma deve informar o Conselho Tutelar do município. Há, portanto, uma hierarquia a ser seguida na árdua tarefa de evitar a evasão escolar, na qual o recrutamento da polícia militar não está previsto.

Aos professores, o Poder Público deve melhores salários, condições de trabalho dignas, capacitação e treinamento, para que aprendam a lidar com esse novo perfil de aluno sem abrir mão de suas seguranças. Acredito que o ideal hoje, dentro das escolas, seja a presença de uma vigorosa equipe multidisciplinar composta por psicólogos, assistentes sociais e líderes capazes de atender a essas demandas. Acredito que os conflitos entre alunos, alunos e professores, professores e familiares de alunos, são existenciais e não devem extrapolar o território escolar e familiar.

Para que haja uma convivência pacífica no ambiente escolar, é necessário que haja uma boa estrutura física, assim como um corpo docente capacitado e engajado em promover a unidade da escola através da excelência na prestação de cada serviço prestado. É importante ainda a criação de escolas em regime integral que ofereçam aos jovens oportunidades de formação profissional, com cursos de ponta que se coadunem com o atual mercado de trabalho. Ainda, que ofereça pelo menos duas opções de curso de línguas e capacitação digital. Assim, teremos condições de não apenas prevenir, mas de capacitar meninos e meninas de baixa renda a terem condições reais de competir por um futuro melhor.

Que o esporte, a cultura e o lazer façam parte dessa malha interdisciplinar da Educação Restaurativa, onde o entretenimento seja garantido como uma forma mais ampla da inclusão social desses jovens alunos. Há verba para isso, há pessoas vocacionadas e preparadas para isso. O que está faltando é a vontade politica.

Recentemente - se é que podemos chamar de recente um fato que já vem acontecendo há quase duas décadas -, penso que podemos enumerar o recrutamento de crianças e adolescentes pelo tráfico de drogas como o principal fator da evasão escolar. Ou seja, essa “nova” e perversa modalidade de “trabalho infanto-juvenil”, que insere o jovem como agente ativo do tráfico (na embalagem e distribuição de drogas, e até como soldados do tráfico colocado no “front”) não é confessada. Isso é algo real e foi denunciado pelo rapper MV Bill em seu elucidativo documentário “Falcão e os meninos do Trafico”. Apesar de demonstrar a chocante realidade em que vivem as crianças e adolescentes de baixa renda, nenhuma providência foi tomada pelas autoridades competentes. Ainda no mesmo documentário, podemos constatar que muitos jovens começam a trabalhar no tráfico para ajudar no orçamento da família – muitas vezes pela ausência da figura paterna-, e terminam morrendo precocemente.

Uma pergunta não quer calar: por que continuamos importando modelos inoperantes? Por que insistimos por décadas em práticas que têm se mostrado ineficazes, como os programas utilizados pelo Governo na restauração e na ressocialização dos jovens em confronto com Lei? Tudo o que temos produzido nas últimas três décadas é a dizimação dos jovens de baixa renda - o que venho denominando e denunciando de “Holocausto Brasileiro”. A Educação Restaurativa é o único caminho capaz de oferecer a esses meninos e meninas a chance de ter futuro mais digno.

*Conceição Cinti. Advogada e Educadora. Especialista em tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas.

**Colaborou: Cristiane Batista. Jornalista do iAB -Instituto Avante Brasil (Instituto da Prevenção do Crime e da Violência).

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