Resolução 13 do Senado Federal, Acordo Sinief 19, Portarias e alguns aspectos de (in)constitucionalidades

Publicado por: redação
03/03/2013 11:24 PM
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A guarda da Constituição Federal como diploma supremo da ordem jurídica não é somente um evento jurídico, é antes disso um ato de cidadania e apreço pela vida em sociedade. Do ponto de vista legal está o Poder Público vinculado aos preceitos legais que irradiam seus efeitos a partir do que se extrai da Constituição da República, e o exercício de hermenêutica necessário à plena compreensão jurídica de todo sistema não pode se furtar de buscar fundamento de validade na Carta Maior com a última palavra sendo dada pelo Supremo Tribunal Federal no alcance semântico de cada termo nela expresso.

A afirmação ora feita tem por base duas questões centrais: a) o atual estado de constitucionalização do direito e b) a prevalência material de princípios constitucionais e um caminho na busca da efetividade constitucional.

O momento vivido exige que os atuais fenômenos jurídicos busquem a efetivação de direitos fundamentais, não podendo o operador do direito furtar-se de uma criteriosa avaliação constitucional, antes mesmo, de adentrar a questão que seja posta para resolução em qualquer ramo do direito é o fenômeno que muitos chamam de constitucionalização do direito.

Até aqui nada de novo, pois, deste 1971 na obra A Theory of Justice do Professor de Filosofia da Universidade de Harvard Jonh Rawls , houve uma sincera reaproximação entre ética e direito, trazendo assim uma necessária avaliação e reescalonamento dos valores, o que por vezes afasta a manifestação de um positivismo exagerado, fenômeno muito estudado por aqueles que se declaram pós-positivistas, movimento que visa encontrar um “caminho do meio” entre jusnaturalismo e positivismo.

É sob este prisma que nos colocamos a discutir a espinhosa fase recente de tentativa de frear a chamada guerra fiscal, que foi assim denominada pela doutrina, bem como, pelos poderes da república para nomear o evento de concessões tributárias entre entes da Federação; assim deixando aflorar uma competição entre Estados e Municípios, que passaram a concorrer na busca por contribuintes, assim aumentam suas receitas e contribuindo para um preocupante clima de competição interna entre entes políticos.

De início cumpre reiterar, como temos feito desde o início que não somos favoráveis a esta prática de concessões indiscriminadas que geram divergências entre entes da Federação pela arrecadação de tributos. O único benefício que conseguimos enxergar sobre a guerra fiscal é que indubitavelmente suscita o debate de questões constitucionais e tributárias, e assim, permite o avanço da doutrina e instiga o pensamento jurídico.

As breves explicações iniciais – fazendo uso das lições de Pontes de Miranda que sempre afirmou que o “cindir vem desde o início” ao falar sobre os métodos de conhecimento do objeto de avaliação – visam fixar a premissa que adotamos nestas breves considerações, quais sejam: Os princípios constitucionais e sua harmonia com as previsões da Resolução 13 do Senado Federal, os Ajustes Sinief 19 e seguintes editados pelo CONFAZ (Conselho Nacional de Políticas Fazendárias) e Portarias editadas pelos Estados a fim de frear a guerra fiscal pelo ICMS no tocante à incidência de tal imposto sobre materiais importadas.

Evidentemente que o Senado Federal, pode em sua atribuição fixar alíquotas nas operações interestaduais e exportações, bem como, sendo-lhe facultado estabelecer mínimas sobre o ICMS nos exatos moldes do artigo 155, §2º incisos IV e V “a” da Constituição Federal por meio de Resolução. Ainda que haja velada discussão sobre se é necessário ou não unanimidade dos estados da Federação para aprovação de benefícios fiscais – divergência inclusive entre membros da Comissão de Notáveis convocada pelo Senado Federal –, é inequívoco que existe a previsão legal para ação do Senado Federal neste sentido.

O Senado Federal antevendo a discussão que há muito se agrava com questões relativas ao ICMS – especialmente na questão da guerra dos portos travada frente ao ICMS decorrente de importações – convocou no ano passado por meio de seu então presidente José Sarney uma comissão de juristas para avaliação de todas as questões federais relativas ao ICMS; e vale destacar que a comissão foi composta por Juristas do mais alto quilate, todavia, que não conseguiram – claramente diante dos interesses estaduais colidentes – evitar que manifestas inconstitucionalidades perdurassem nas interpretações e instrumentalização por parte dos Estados das ações do Senado Federal no exercício de sua função.

A resolução 13 do Senado Federal editada ainda em 2012 e com alguns efeitos a partir de janeiro de 2013 e outros a partir de Maio de 2013, pretendeu de uma forma geral por fim a chamada guerra fiscal dos portos fixando alíquota de 4% quando se tratar de operações interestaduais com determinados bens e percentuais de mercadorias importados do exterior. Tal resolução inclusive já tendo sido atacada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.858 da Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, entretanto, ainda sem pronunciamento da Suprema Corte.

Não entraremos neste texto no mérito se a referida resolução exorbitou seu alcance legiferante criando regras no tocante à necessidade de importação superior a 40% em alguns casos, assim podendo se falar na criação de uma nova hipótese de incidência, embora seja tema sobre o qual nos comprometemos a nos debruçar noutro momento. A situação a ser avaliada é: em tal resolução ficou determinado que caberia ao CONFAZ “baixar normas para fins de definição dos critérios e procedimentos a serem observados no processo de aferição da quantidade” de importado na operação.

O CONFAZ editou o Ajuste Sinief 19/2012 com diversos procedimentos, e aqui nasceram problemas que foram reproduzidos pelas portarias estaduais – a título de exemplo o Estado de São Paulo editou a Portaria CAT 174 de 28 de Dezembro de 2012 – sobre quais teceremos breves comentários. Vale reiterar que os Estados reproduziram o Acordo Sinief 19/2012 em suas portarias; assim daremos ênfase aos aspectos gerais sem avaliar especificamente cada portaria estadual, exercício que seria impossível diante da brevidade necessária a este canal.

Fitaremos na redação da cláusula quinta e sétima do dito Ajuste Sinief 19 de 2012[1], em que há expressa determinação da necessidade de informação de aspectos da importação.

Há uma exigência procedimental comum que independe do enquadramento do contribuinte que diz respeito às obrigações acessórias de informar em nota fiscal eletrônica os dados referentes: i) valor da parcela importada do exterior por unidade; ii) conteúdo de importação expresso percentualmente; c) valor unitário da importação.

O fato de supostamente se ter um benefício fiscal com a diminuição de alíquotas interestaduais para 4%, pode maquiar um prejuízo maior ao empresário, qual seja, a divulgação de dados de sigilo industrial em documento público de trânsito como a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e).

Os investimentos de desenvolvimento em um fornecedor fora do país são substanciais; demandam viagens, contratações de consultorias; a depender do mercado e país até mesmo contratos internacionais de exclusividade de fornecimento.

Embora não haja expressamente no AJUSTE Sinief 19/2012 a necessidade de informação do fornecedor, somente o valor referente às importações, comparado à mercadoria que é transportada permitirá ao mercado compor o preço do contribuinte, assim ferindo direitos protegidos pela Constituição Federal.

Vale ressaltar que os “dados da importação” devem constar no corpo da nota fiscal eletrônica e não em declaração entre o Fisco e o Contribuinte, que são as únicas pessoas que deveriam saber o custo das importações.

Sem dúvida a composição de preço – neste caso a relação entre materiais nacionais e importados – é protegido pelo chamado segredo industrial, e não deve se obrigar a revelação de segredos industriais, ainda mais, com a ameaça de autuação fiscal como in casu.

Em nosso sentir dois preceitos constitucionais são flagrantemente desrespeitados: a livre iniciativa e a livre concorrência.

A livre iniciativa é princípio constitucional cravado no artigo 1º, inciso IV da Constituição Federal, dispositivo que em seu “caput” trata dos fundamentos da República dada sua magnitude e importância.

A livre iniciativa está para o empresário no exercício do direito de empresa, como os valores sociais do trabalho estão para o trabalhador; não são somente valores que determinam o regime econômico vigente em um capitalismo organizado, mas, antes disso são a garantia de que o estado não impedirá o exercício da força do trabalho e o direito de empreender, visando o desenvolvimento da atividade escolhida.

É princípio da mais alta escala estando imbricado entre tantos outros como propriedade, liberdade, dignidade, etc. A livre iniciativa engloba algumas ações como: iniciar, gerir, decidir e especialmente organizar um negócio.

Quer se dizer que não é um conceito vazio. Ser livre para iniciar um negócio significa ter a liberdade de organização, na situação jurídica em comento o empresário diante da proteção da livre iniciativa não pode ser compelido a dar publicidade em nota fiscal eletrônica de suas importações, especialmente quanto ao valor total.

Em alguns ramos bastará ao concorrente saber o volume de importações do contribuinte para que sejam descortinados segredos industriais, cuja revelação depende exclusivamente da escolha do empresário por seu modelo de negócios estando assim abarcado pela proteção do princípio da livre iniciativa uma vez que decorre da liberdade de organizar a empresa, seus negócios e assim empreender.

O próprio Supremo Tribunal Federal, já reconheceu que para que o Estado aja fora das possibilidades de intervenção plasmadas no artigo 173 e 174 da Carta Maior – no primeiro caso a exploração direta de atividade econômica e no segundo o estado como regulador, fiscalizador e incentivador de atividades econômicas – deve se respeitar os fundamentos do Estado Democrático de Direito[2].

Evidentemente que ignorar que o ato de informar à coletividade por meio de documento público e de trânsito como a nota fiscal eletrônica fere não só os fundamentos do Estado Democrático de Direito, em inequívoca afronta ao artigo 1° da Magna Carta, como igualmente fere o artigo 170 que traz a livre iniciativa como princípio fundante da ordem econômica.

É oportuno já trazer à apreciação o artigo 170 da Constituição Federal, que traz outro importantíssimo princípio ignorado pelo Ajuste Sinief 19 de 2012, o princípio da livre concorrência.

Tal princípio é usurpado do Texto Maior quanto a sua efetividade de forma ainda mais evidente do que a livre iniciativa.

O simples fato de permitir que o mercado tenha acesso a volume, data, valores, ou qualquer outro dado de importação de forma imposta pelo Órgão Tributante, causa desigualdade de concorrência.

O jurisdicionado tem o direito de importar, manufaturar, vender, e não informar ao mercado sua margem de material importado, ou valores gerais de importação, trata-se evidentemente de sigilo industrial.

A livre concorrência visa dar paridade de armas àqueles que empreendem seus esforços na geração de receita por meio de iniciativas de ordem privada. O Estado não deve – e não pode – cometer a ingerência de publicar dados essenciais ao desenvolvimento de políticas corporativas de composição de preço.

O percentual, margem e valores de importação impactam diretamente a formação de preço, e, assim, tais dados sendo indiscriminadamente informados por meio de notas fiscais de transito evidentemente contribuem para todo investimento necessário para construção de competitividade seja perdido por intervenção estatal.

A afirmação incisiva por parte do operador do direito é sempre perigosa, entretanto, não é possível se admitir que por meio de uma resolução o ente público que deve estreita obediência constitucional se permita a obrigar o empresariado a escancarar aos quatro ventos que além de importador, determinado produto possui exatamente o percentual de importados descrito na nota fiscal eletrônica, e, ainda o custo de sua importação total. Com todas as venias um completo absurdo.

Caso pretendesse apenas saber os dados, seria medida de rigor a elaboração de declaração entre contribuinte e fisco, pois, permitir que a concorrência tenha acesso a tais informações desiguala a forma de concorrer, ferindo a paridade de armas necessárias à justa luta concorrencial de cada dias nas empresas por este país a fora.

Ao particular é vedado revelar informações ligadas aos segredos industriais em todos os aspectos que envolvem o know-how, sendo tal ato caracterizado com ilícito penal, conduta típica regulada pela Lei 9.279/1996, situação jurídica que comprova a desadequação do Ajuste SINIEF 19 e demais portarias editadas por vários estados, não estando o Poder Público autorizado à prática de condutas ilícitas em prol de facilidades instrumentais de fiscalização à margem do prevê a Constituição da República.

Como alertado a matéria é densa, e neste breve espaço, como sempre nossa intenção é suscitar o debate, com a singela pretensão de que se mantenha integra a hermenêutica constitucional construída e base da democracia.

[1] Cláusula Quinta: No caso de operações com bens ou mercadorias que tenham sido submetidos a processo de industrialização, o contribuinte industrializador deverá preencher a Fica de Conteúdo de Importação – FCI, conforme modelo Anexo Único, na qual deverá constar:

I – descrição da mercadoria ou bem resultante do processo de industrialização;

II – o Código de classificação na Nomenclatura Comum do MERCOSUL – NCM/SH;

III código do bem ou mercadoria;

IV – o código GTIN (numeração Global de item Comercial), quando o bem ou mercadoria possuir;

V – unidade de medida;

VI – valor da parcela importada do exterior;

VII – valor total da saída interestadual;

VIII – conteúdo de importação calculado nos termos da cláusula quarta. (...)

Cláusula sétima: Deverá ser informado em campo obrigatório na Nota Fiscal Eletronica – NF-e:

I – O valor da parcela importada do exterior, o número da FCI e o Conteúdo de Importação expresso porcentualmente, calculado nos termos da cláusula quarta, no caso de bens ou mercadorias importados que tenham sido submetidos a processo de industrialização no estabelecimento do emitente;

II – o valor da importação, no caso de bens ou mercadorias importadas que não tenham sido submetidos a processo de industrialização no estabelecimento do emitente. (...)

2 Re: 632.644 Agr/DF, Relator Ministro Luiz Fux, DOU. 10.05.2012

***Artigo escrito por Aílton Soares De Oliveira, advogado, especialista em direito pela PUC-SP e sócio de GDO Advogados.

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