Direitos humanos e prisão preventiva de brasileiros na Bolívia

Publicado por: redação
19/04/2013 08:39 AM
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Há mais de um mês, 12 torcedores corintianos estão presos na cidade de Oruro, na Bolívia, suspeitos da morte de um torcedor boliviano, atingido por um sinalizador durante o jogo contra o San José, pela Libertadores. Apesar de um menor, que já está no Brasil, ter assumido a autoria do disparo acidental do sinalizador – isso comprovado por perícia que constatou a veracidade da confissão – a Justiça Boliviana ainda não soltou os torcedores e nem sinaliza que vai fazê-lo.
De acordo com o advogado Ricardo Castilho, especialista em Direitos Humanos, diretor-presidente da Escola Paulista de Direito (EPD) e titular do escritório Castilho & Advogados Associados*, os limites internacionais da Jurisdição de cada Estado são ditados por suas normas internas, mas, regra geral, define-se pela territoriedade (artº 7º do Código Penal Brasileiro). Portanto, se alguém pratica crime no exterior, poderá ser julgado naquele país.
Entretanto, diz ele, a presente questão envolve, entre outros pontos controvertidos, o exame dos fundamentos que deveriam autorizar a prisão preventiva dos Brasileiros no exterior, as medidas processuais a serem adotadas enquanto aguardam julgamento, o tempo máximo em que podem ficar privados da liberdade sem a decisão de um juiz sobre a legalidade do meio coercitivo, além do direito a indenização ou reparação pela prisão ilegal ou arbitrária.
Nesse contexto, alega que existe uma série de normas jurídicas internacionais e jurisprudência dedutíveis do Comitê dos Direitos do Homem, dos Tribunais Interamericano e Europeu dos Direitos do Homem e da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos que servirão de fundamento para desenvolver nossa linha de entendimento sobre essa complexa situação.
De início, ressalta que o Grupo de trabalho sobre a Detenção Arbitrária, destacado pelas Nações Unidas, elaborou, em 1963, um robusto documento, salientando a premissa fundamental que embasa a garantia dos direitos fundamentais expressos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948: todos os seres humanos têm direito à segurança e liberdade. Ou seja, ninguém pode ser privado de sua liberdade a não ser por motivo justificável e em conformidade com as regras procedimentais previstas em lei.
Esses direitos vêm expressamente garantidos pelo disposto no art. 9º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 6º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, além do art. 7º, I, da Convenção sobre Direitos Humanos.
A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, em seu art. 5º, I, elenca, exaustivamente, os casos que autorizam a privação de liberdade. Mesmo assim, deverá estar em conformidade com específico procedimento legal.
Entretanto, na prática, muitos países, especialmente quando sujeitos a estados de exceção, realizam prisões sem motivo plausível e sequer disponibilizam a assistência de advogados que, em tese, poderiam coibir essa ação abusiva.
A prisão arbitrária, segundo o Comitê dos Direitos Humanos abrange a não adequação, a injustiça e a imprevisibilidade do meio coercitivo. Portanto, a contrario sensu, somente será lícita quando, além de legal, for necessária e razoável segundo a situação.
No caso em exame, os 12 brasileiros foram presos por haver suspeita da prática de uma infração. Entretanto, conforme dispõe as Convenções Americana e Europeia (art. 7º, n. 5 e art. 5º, n. 3 respectivamente), a prisão preventiva dos “suspeitos” exige a definição de prazo para seu cumprimento, ao final do qual, teriam adquirido o direito de serem postos em liberdade.
Além disso, segundo defende o Tribunal Europeu, a suspeita da prática do crime deve vir marcada pela razoabilidade. Ou seja, pressupõe a existência de fatos ou observações objetivas de que os imputados realmente foram os autores.
“Todavia, segundo a polícia boliviana, dois deles foram indiciados como responsáveis pelo crime por estarem com sinalizadores similares. Se isso é verdade, ainda que eventualmente tenham descumprido as leis do país e por tal mereçam ser processados, não podem ser acusados, a priori, pelo homicídio cometido”, explica Castilho.
Já quanto aos demais 10 torcedores, estão presos como cúmplices. Nesse ponto, decorre logicamente, a seguinte ilação: Se dois estão presos e acusados de homicídio porque portavam sinalizadores, os demais estão presos por cumplicidade em qual conduta?, questiona o advogado.
“Os acusados não foram notificados sobre a existência de provas, especialmente periciais, que possam efetivamente relacioná-los com a conduta criminosa”, ressalta Ricardo Castilho explicando que a ausência de tal procedimento, segundo nosso direito interno, fere o princípio da ampla defesa na medida em que impossibilita a oportuna contradita.
A mesma determinação quanto à necessidade do indivíduo ser informado das acusações formuladas contra ele, em seu mais amplo significado, vem expressa pelo art. 9º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos além do o art. 4º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Nesse ponto, corroborando a ideia de que os brasileiros estão presos arbitrariamente, Ricardo Castilho invoca a declaração fornecida pela chefe da investigação, na Bolívia: "Não dá para ter certeza plena se realmente foi um dos que estão presos. Só vamos saber quando as investigações acabarem, em seis meses".
Esclarece, entretanto, que o Ministério Público de São Paulo atendeu às solicitações da Justiça boliviana e encaminhou as fichas de antecedentes criminais dos torcedores presos e uma cópia do vídeo da entrevista que identifica o autor do disparo – um jovem de 17 anos que confessou e se apresentou à Justiça. Ainda assim, no último dia 12 de Março, o pedido de liberdade condicional foi negado. E mais, a Justiça Brasileira ainda não recebeu cópia do processo boliviano como havia solicitado.
Conceitualmente, como se sabe, uma acusação forçada é aquela formulada na tentativa de agravar a situação, sem provas suficientes, na busca de qualificar o crime em prejuízo do acusado. Caracteriza, portanto, ato de má-fé. “Esse é, infelizmente, o perfil da situação. A Bolívia, que aderiu a muitos dos referidos Tratados, longe está de demostrar intenção de abreviar o processo contra os Brasileiros ou de analisar objetivamente as provas que compõem o processo judicial”, diz o advogado.
“Argumenta-se que as razões para tais arbitrariedades têm suporte político o que agravaria, ainda mais, a postura daquele país frente à comunidade internacional.” À par desses argumentos, os 12 brasileiros seguem confinados em 2 celas, separados dos demais presos, submetidos a péssimas condições de higiene, considerando que a ala possui um único banheiro, sem chuveiro e privada (há apenas um buraco no chão).
De toda maneira, em consequência da patente privação ilegal de liberdade, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos estipulam a obrigatoriedade de indenização por erro judiciário (art. 14.6; e art. 10, respectivamente).
Frente a esse panorama, os acusados poderão apresentar petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (em conformidade com o disposto no art. 44 do Pacto de São José) contendo denúncias ou queixas de violação dos Tratados de Cooperação Internacional, posto que esta Comissão tem como função principal promover a observância e a defesa dos direitos humanos (art. 41 do Pacto).
Com efeito, os Direitos Humanos, referendados pelos Tratados Internacionais, além de proteger os indivíduos, também são utilizados para punir os Estados e seus agentes contra ações arbitrárias. Ou seja, quando extravasam os limites da lei e da Constituição.
Tal se dá porque a Cooperação Internacional envolvendo os Direitos Humanos deve estar sempre marcada pela igualdade, equidade, reciprocidade, respeito e autodeterminação dos povos.

Essas considerações podem ser complementadas pelo conteúdo da segunda edição do livro “Direitos Humanos”, publicado pela Saraiva, no qual, Ricardo Castilho dedica um capítulo inteiro ao Pacto de San José e à prisão desumana.


*Ricardo Castilho é Diretor-Presidente da Escola Paulista de Direito (EPD); Pós-Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina; Doutor em Direito pela PUC-SP; Professor e Conferencista no Brasil e no Exterior. Titular do escritório Castilho & Advogados Associados, é autor de diversas obras jurídica editadas pela Saraiva.

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