O persistente preconceito racial no Brasil

Publicado por: redação
20/03/2014 03:35 AM
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*Rodrigo Augusto Prando

Há ainda, infelizmente, uma ampla gama de exemplos de preconceito racial no Brasil, mas não só jogador de futebol brasileiro sofreu preconceito no Peru, assim como outros jogadores passaram pelo mesmo crime no Brasil, bem como um juiz que, além de xingado, teve o seu carro amassado e com bananas deixadas sobre ele. Ou um jovem ator negro foi, por engano, preso e permaneceu encarcerado por pouco mais de duas semanas, no Rio de Janeiro.

Outros casos poderiam ser trazidos à tona sem muitos esforços. Sabe, por exemplo, aquela piadinha que se conta, mas, antes, o pretenso cômico adverte: “É piada racista, mas eu tenho amigos negros, não sou racista!”. Pois é, estamos mais próximos do que pensamos da atitude preconceituosa. Tentemos, neste escrito, ainda que panoramicamente, entender o porquê da persistência do preconceito racial no Brasil.

A noção de raça está, inicialmente, ligada à Biologia. Nesta ciência, aprendemos que raça depende do conceito de espécie, sendo esta passível de observação em plantas e animais. Nós, seres humanos, somos todos de uma única espécie: os “Homo sapiens”, ainda que existam diferenças de pigmentação da pele e de características físicas.
Somos assim, naturalmente diferentes dentro do reino animal. No surgimento das Ciências Sociais, principalmente no século XIX, houve enorme utilização de ideias e conceitos oriundos das Ciências Naturais e das Ciências Exatas. A Sociologia, por exemplo, era entendida como uma “Física Social” e as sociedades, por sua vez, como organismos que evoluíam dos mais simples aos mais complexos.

A Antropologia teve, em seus primórdios, uma preocupação em compreender as relações de alteridade entre os “europeus” e os “outros”, ou melhor, entre os entendidos como “civilizados” e os povos “primitivos”, “selvagens” e “bárbaros”. Havia até uma escala da evolução social dos povos, tendo, obviamente, os europeus como o ápice do desenvolvimento.

Neste contexto social, surgiu a figura do Conde Gobineau (1816-1882) – diploma francês que trabalhou no Rio de Janeiro – e que se tornou um dos construtores da ideologia do racismo. Em sua concepção racial, os brancos eram a raça superior, seguidos pelas raças amarelas e, por último, as raças negras. A miscigenação levaria, segundo Gobineau, ao enfraquecimento e degeneração das raças “superiores” no contato com as “inferiores”. Estas ideias são, entre outras, a base para o movimento nazista que, no século XX, buscou o genocídio impetrado contra judeus e estendido aos ciganos, deficientes físicos e homossexuais.
No Brasil, o racismo encontrou terreno fértil dada a nossa formação histórica assentada no trabalho escravo, na grande propriedade de terras e na monocultura voltada à exportação. Essa estrutura social perdurou praticamente por 400 anos e nos legou atraso econômico, enorme desigualdade de renda e uma mentalidade de menosprezo pelo trabalho manual e, ao mesmo tempo, racista e machista.

No limite, nosso passado colonial, de sociedade estamental e patriarcal, ainda se faz presente numa ordem social competitiva, que caracteriza a sociedade capitalista. Temos, muitas vezes, o capitão do mato simbólico querendo disciplinar e punir os “negrinhos” revoltos. Desejamos, no íntimo, fazer justiça com as próprias mãos e “pôr ordem na bagunça”.

O racismo, portanto, é uma espécie de preconceito, de julgamento prévio, no qual se atribui qualidades inferiores a um grupo social, estigmatizando-o. Ninguém nasce preconceituoso e racista, essas posturas são aprendidas em nossa socialização (endoculturação, para a Antropologia). Na família, nas escolas, nas mais diversas instituições sociais, somos levados aos comportamentos de caráter racista.

Há, sempre, quem dirá que, no Brasil, o problema não é de ordem racial e sim de caráter econômico. É uma meia verdade. O racismo - quer queiramos ou não - existe e um negro pobre sofre mais que um negro rico; mas o negro rico sofre e sofrerá, certamente, formas explícitas ou veladas de preconceito. Perguntei, numa de minhas aulas aos meus alunos, quem já havia sido atendido por um médico ou dentista negro. Poucos, pouquíssimos, levantaram a mão. Eu mesmo nunca encontrei um médico ou dentista negro em minha cidade.

Na sociedade capitalista, diferente da estamental, existe a mobilidade social e isso permite a constituição de uma classe média negra (há poucos negros na elite econômica). No entanto, o preconceito racial persiste, seja nos esportes, no mundo do trabalho e nas mais comezinhas relações cotidianas.

Cabe a cada um que valoriza e respeita a diversidade combater o preconceito racial (e outras expressões de preconceito). O comportamento preconceituoso e racista é, geralmente, localizado em indivíduos obtusos, que podem ser cultos formalmente, mas não escondem uma profunda ignorância ao não compreender que somos humanos e que a diferença não nos torna nem melhores, nem piores, apenas, diferentes.
Rodrigo Augusto Prando é Licenciado e Bacharel em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia. Professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas.

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