O Berço do Mal

Publicado por: redação
01/07/2010 02:51 AM
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O Berço do Mal (opinião)
Carlos D. V. Rodrigues (*)

É da tradição brasileira o preenchimento de cargos das suas cortes de justiça, mediante critérios subjetivos. Essa prática remonta a Constituição de 1.946 (arts. 99 e 103), projetou-se pela Constituição de 1.967 (arts. 113, § 1º e 116) e foi prontamente absorvida pela Constituição de 1.988 (arts. 101, § Único, 104, 107, 111, § 1º e 123).
Seus defensores argumentam a benfazeja ?oxigenação? do seio judicante, com a inserção do pensamento de juízes leigos, integrantes do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil, para ditar a composição dos litígios com medida mais próxima dos anseios comuns.

Isso é bom ou ruim?

Em tempos de discussão sobre a ?reforma política?, o tema que embora, diretamente, se refira ao Poder Judiciário, tem estreitos laços com os brados pela moralidade dos agentes políticos do Estado Brasileiro.
A tradição antes reportada deixou-nos, por herança, o denominado ?Quinto Constitucional?, pelo qual 1/5 dos integrantes dos Tribunais de Segunda Instância são oriundos dos quadros do Ministério Público e da OAB, alternadamente, se a totalidade das vagas corresponder a número ímpar.

No tocante aos egressos do Ministério Público, em que pese o ingresso no cargo originário se dê por meio de concurso público, ao depois poderão abraçar a carreira da Magistratura, como desembargadores, sem necessidade de novo concurso. Basta que tenham qualidades subjetivas que os autorizam a concorrer e, ao final, sejam escolhidos pelas bênçãos dos detentores do poder de escolha, mesmo quando não agasalhavam na atividade profissional anterior a rica experiência judicante.

Todavia, quanto à parcela do Quinto Constitucional, reservada à classe dos advogados, dela não se exige concurso público, nem mesmo o singelo exame psicotécnico com o qual se dá a avaliação do perfil do bom julgador. E a escolha termina, mais uma vez, pelo método das preferências pessoais, segundo a vontade ou conveniência dos detentores do poder de nomeação.

Ao exercício da judicatura é imprescindível, entre outras qualidades ou deveres do magistrado, a isenção para julgar, a ausência de paixões pela causa ou pelas pessoas da causa. Por outras palavras, reportamo-nos à imparcialidade absoluta para decidir questões que afetam profundamente a vida das pessoas.

Quanto aos desembargadores escolhidos nos quadros Ministério Público, por certo não é de se perquirir sobre os atributos da imparcialidade, posto que enquanto na carreira de origem, cumpria-lhes a fiel fiscalização da aplicação da lei e defesa dos interesses coletivos, igualmente em regime de impessoalidade. Mas, quanto à parcela reservada aos advogados carreiristas, dos quais se exige pelo menos 10 anos de efetiva atividade, já não se pode olvidar dos laços profissionais que se formaram com seus clientes, os mesmos que ao depois terão pretensões submetidas ao reexame pelo ex-advogado, de quem a lei exige afastamento do antigo escritório. Não raro o antigo escritório mantém-se operante, apenas que doravante sob a batuta de cessionários eleitos pelo novo magistrado de segundo grau.

Se por um lado a ?oxigenização? do Poder Judiciário verdadeiramente expande suas idéias, por outro traz consigo, na composição dos tribunais pátrios, a presença de quem anteriormente, por dever do ofício, era o intransigente defensor de paixões e interesses de seus antigos constituintes. Nesse ambiente, serão necessários incomum esforço e desprendimento, para prevalecer a imparcialidade absoluta de um julgador.
Na Primeira Instância do Poder Judiciário não há o preenchimento dos cargos pelo método do Quinto Constitucional. Mas, curiosamente, é exatamente na instância primária que a efetividade dessas decisões é mínima, por força dos recursos que emprestam efeito suspensivo a essas decisões monocráticas.

Se por conveniência ou não, o fato é que o Quinto Constitucional interessou-se pelos órgãos de instância secundária, onde o poder decisório se afunila e se robustece. Na medida em que o Tribunal se projeta para o topo da pirâmide jurisdicional ? onde é proporcionalmente mais acentuada a importância e a efetividade das decisões ali tomadas - igualmente cresce a proporção dos magistrados que alçam o cargo, pelo critério das escolhas subjetivas.

É assim, no Superior Tribunal de Justiça, onde, dos seus 33 Ministros, 1/3 (um terço), são egressos do Ministério Público e OAB (CF, art. 104, § Único).
Não se olvide que concorrem ao STJ, na cadeira de magistrados ? mais uma vez sem concurso público - aqueles que ingressaram nos Tribunais de Segunda Instância pela porta do Quinto Constitucional.
No Supremo Tribunal Federal seus 11 Ministros, todos, serão vitalícios, escolhidos pelo Presidente da República depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, bastando que tenham mais de 35 e menos de 65 anos de idade, notável saber jurídico e ilibada reputação (art. 101 e § Único).

Enquanto cresce verticalmente a efetividade das decisões tomadas pelos Tribunais do país, cresce na mesma proporção a competência originária para julgar o alto escalão dos detentores do poder político, segundo o grau de relevância dos seus respectivos cargos públicos.
Se à Primeira Instância é reservada a competência para processar e julgar as pessoas comuns, na medida em que se dirige a vista para o vértice da pirâmide judiciária, estratifica-se na mesma proporção a elite governante que será originariamente julgada pelos referidos tribunais.

Ao nível dos Estados e do Distrito Federal, seus deputados, o vice-governador e os secretários de governo têm foro privilegiado no Tribunal de Justiça da unidade federada. A exemplo, confira-se a Lei 8.185/91, art.8º e Lei Orgânica do Distrito Federal, art. 61, § 4º. Os Governadores dos Estados e do Distrito Federal garantem-se perante o Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, ?a?). O Presidente da República, o Vice-Presidente, os Deputados Federais e Senadores, os Ministros de Estado, estarão à mercê da jurisdição penal exercida pelo Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, ?b?).

Não é que ditas pessoas haveriam de submeterem-se à jurisdição singela da Primeira Instância à qual as pessoas comuns estão sujeitas. Porém, era de se refletir melhor sobre o sistema de escolha dos magistrados que integrarão as cortes de justiça com maior poder decisório, de sorte que as escolhas pessoais sobre seus membros não venham constituir sobra de isenção sobre os julgamentos que ao depois proferirão em relação aos mesmos que os nomearam. No mínimo, que tivessem mandato por tempo determinado.
Se o tema traz inquietação, então que se examinem as estatísticas a respeito do percentual de condenações proferidas pelas instâncias menores, em relação àquelas proferidas pelo Colendo Supremo Tribunal Federal ao longo da sua existência e forma de composição.

Pode parecer que a questão esteja a merecer ponderações em tempos de reformas das estruturas sobre as quais está edificado o Estado Brasileiro, especialmente lembrando-nos de que o instituto da imunidade parlamentar - que haveria de se limitar aos crimes de opinião praticados por parlamentares em benefício do progresso do pensamento nacional - terminou estendido, ao ?jeitinho brasileiro? a todo e qualquer fato penal atribuível a parlamentar. O sagrado instituto da imunidade parlamentar, na versão nacional, transmuda-se numa autêntica trincheira de impunidade parlamentar.

Ao sabor de tantos desmandos que o noticiário nos dá a conhecer, resta considerar que a formação da ética coletiva está por demais comprometida, na mesma toada dada pelas más referências extraídas do comportamento de tantos homens públicos de hoje.
Se a impunidade grassa e encoraja, seus adoradores valem-se e enriquecem-se dela e terminam por pregar o desvalor que confunde e estimula negativamente as classes dirigidas.
A consciência dos arquitetos da nação precisa despertar-se; os homens encarregados de legislar deveriam aprimorar ou redigir leis justas; seus executores executá-las com impessoalidade; e, o povo vigilante cobrar resultados ou fazer realizar a sua história.

O Poder Judiciário deve estar atento para não se constituir mero instrumento de repressão contra as classes marginalizadas, desfavorecidas e estigmatizadas. É necessário dotá-lo de ferramental ágil para desentocaiar e punir os maus e poderosos. Verdade. Mas é igualmente imprescindível destruir os herméticos esconderijos onde se esconde a corrupção e tantos outros crimes que sugam a seiva coletiva da nação. Somente assim essa secular instituição se fará exemplar, mostrando autoridade para lançar referências morais indispensáveis à edificação de uma sociedade plural e igualitária.
Somente assim o mau exemplo que vem de cima não servirá aos que, degenerando-se, seguem as lideranças políticas falidas de hoje.



(*) O autor é Juiz de Direito da Vara de Registros Públicos do Distrito Federal.

Autor: Juiz do TJDFT Carlos D. V. Rodrigues

Fonte: TJDFT

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