A desigualdade faz mal para a alma, te deprime e…

Publicado por: redação
09/04/2011 09:00 AM
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A desigualdade faz mal para a alma, te deprime e…

LUIZ FLÁVIO GOMES*

Nicholas D. Kristof, no jornal O Estado de S. Paulo de 04.01.11, p. A12, bem sintetizou o quanto a desigualdade afeta o espírito humano, ou seja, a alma, gerando uma série interminável de malefícios (econômicos, físicos, mentais, emocionais etc.).
Começou citando John Steinbeck, que disse: “Uma alma triste pode matá-lo mais rápido, muito mais rápido do que uma bactéria”.
Mas todo seu artigo gira, mesmo, em torno do livro The Spirit Level: Why Greater Equality Makes Societies Stronger – “O nível espiritual: porque uma maior igualdade torna as sociedades mais fortes”, de autoria de dois epidemiologistas britânicos, Richard Wilkinson e Kate Picket.

A principal conclusão do livro é a seguinte: a desigualdade intensa (étnica, social e econômica), que é percebida como fortemente desarrazoada, contribui para o aumento dos crimes, para o uso de drogas, para o aumento de adolescentes grávidas, para as doenças cardíacas, doenças mentais, mortalidade infantil, obesidade, evasão escolar, aumento dos homicídios, dos policiais, das prisões etc.

O autor enfocou a desigualdade econômica brutal hoje existente nos EUA: 1% dos americanos mais ricos possuem, ao todo, mais do que a riqueza total de 90% da população do país. Nossos números não são muito distintos. Nossa desigualdade na distribuição de renda é chocante. Consoante a Veja de 29.12.10, p. 47: (a) Coeficiente de Gini, que mede a desigualdade na distribuição de renda: Brasil 56,7, um dos mais desiguais do planeta; (b) IDH, que revela o índice de desenvolvimento humano com base na expectativa de vida, a educação e o PIB per capita: Brasil, 0,699, um dos países menos desenvolvidos do planeta; (c) PIB per capita (em dólares): Brasil, 10.470 (frente aos EUA 47.131).

Essa desigualdade acachapante não afeta somente o aspecto econômico e social, sim, também a alma das pessoas (como demonstraram os dois epidemiologistas citados, com base em uma infinidade de dados). A desigualdade afeta a psique humana, criando ansiedades, desconfiança e uma série de enfermidades físicas e mentais. A base da argumentação dos dois autores é que os seres humanos são animais sociais que sofrem muito com as desigualdades excessivamente gigantes.

Se tudo isso parece fazer todo sentido para a realidade britânica, imagine então o quanto que os integrantes das camadas inferiores sofrem aqui no Brasil, visto que são vitimizadas por várias desigualdades (étnica, social e econômica) e, ademais, por torpes preconceitos e aberrantes discriminações.

A irracionalidade da discriminação étnica, social e econômica no Brasil chega a ponto (nos mais radicais) de não considerar os integrantes das camadas de baixo como humanos plenos. Seriam semi-humanos ou sub-humanos, com distinta capacidade para sentir a dor (tal como os animais). “Os de ascendência europeia, geralmente, não aceitavam que a dor sentida por eles próprios fosse igualmente tão intensa e sofrida quando sentida pelos africanos” (cf. Luís Mir, Guerra civil).

Este último autor conclui: “Os seres humanos possuem aptidões mentais que os levarão, em certas circunstâncias, a sofrer mais do que os animais nas mesmas circunstâncias. Enquanto não aceitarmos que o modelo escravagista foi um processo de animalização do nosso semelhante, não distinguiremos entre uma chicotada num escravo e num cavalo”.
A realidade brasileira está marcada pela segregação e discriminação de vários grupos étnicos, sociais e econômicos. A desigualdade entre nós é brutal. Ela não é o único fator, mas com certeza anda contribuindo muito para o aumento dos crimes, uso de drogas, aumento de adolescentes grávidas, doenças cardíacas, doenças mentais, mortalidade infantil, obesidade, evasão escolar, aumento dos homicídios, dos policiais, das prisões etc.

As desigualdades, os preconceitos e as discriminações fazem muito mal para os brasileiros assim como para o nosso país. Enquanto não reconhecermos isso com toda determinação, só nos resta (desgraçadamente) colher todos os funestos frutos da nossa violenta guerra civil: 46 mil assassinatos por ano, 37 mil mortes no trânsito, uma mulher agredida a cada 15 segundos, 500 mil presos etc.

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*LFG – Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Blog: www.blogdolfg.com.br. Twitter: http://twitter.com/ProfessorLFG. Encontre-me no Facebook.

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