Juíza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador, condena Sul América Seguros

Publicado por: redação
24/04/2011 11:00 PM
Exibições: 28
Inteiro teor da decisão:
0103677-87.2007.805.0001 - COBRANCA

Autor(s): Antonio Carlos De Jesus Gonzaga

Advogado(s): Maira Souza Calmon de Passos, Maria Auxiliadora S. B. Texeira

Reu(s): Sulamerica Seguros De Vida E Previdencia Sa

Advogado(s): Erika Valverde Pontes Kerckhof

Sentença: Vistos etc.,
ANTÔNIO CARLOS DE JESUS GONZAGA, qualificada nos autos, propôs AÇÃO DE COBRANÇA contra SUL AMÉRICA SEGUROS DE VIDA E PREVIDÊNCIA S/A, referente a seguro decorrente de incapacidade definitiva para exercício de suas atividades laborais. Alega que exercia a função de motorista carreteiro, contudo, após sofrer acidente transportando uma carga, não já não mais possui condições de realizar sua atividade, estando incapacitado de realizar qualquer atividade laboral, o que foi reconhecido pelo Instituto Nacional de Seguro Social. Pediu o pagamento da indenização estipulada no contrato de seguro, que equivale ao valor de R$ 10.000,00 ( dez mil reais). Juntou os documentos de fls. 13/30.
Citada, a Ré apresentou contestação às fls. 36/77, argüindo em preliminar falta de interesse de agir e prescrição do direito de ação. No mérito, aduz que o pedido do autor não pode prosperar porque não existia, à época do sinistro, qualquer contrato com a empregadora do requerente e, ainda que existisse o referido contrato, o valor da indenização deveria corresponder ao grau de invalidez, pelo que a quantia requerida na inicial não condiz com o valor que seria devido. Pede a improcedência da ação, juntando os documentos de fls. 53/77.
Réplicas às fls.81/99.
Em audiência preliminar de fls. 112 não foi possível qualquer acordo. Não havendo novas provas a produzir, vieram os autos conclusos para julgamento antecipado da lide.

É o relatório.
Decido.

A controvérsia se limita à interpretação da cláusula existente na apólice de seguro aderida pelo Requerente quanto à invalidez permanente oriunda de acidente de trabalho.
Inicialmente é bom esclarecer que o CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, contem matéria de ordem pública e interesse social e passa a regular todos os contratos consumeristas e, em seu artigo 2º, estabeleceu como sendo consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Na hipótese em discussão restou caracterizada a relação de consumo, pois contratos desta natureza se enquadram no conceito previsto na legislação especial.
A preliminar em que a Seguradora Ré alega prescrição não merece acolhimento. Nota-se, pela análise do conjunto probatório, que a parte Autora teve seu pedido de aposentadoria deferido pelo INSS em de 01 de dezembro de 2005 – fls. 22, pleiteando a indenização pela via administrativa, em 17/02/2006, conforme documento de fls. 27 e reiterando às fls.28. Além disso não consta nos autos a data em que a empresa seguradora notificou o autor da negativa do beneficio, que se configura como marco inicial para o inicio da contagem do prazo estabelecido no art. 206, § 1º, inciso II, do Código Civil, conforme prescreve a súmula 229 do STJ.

Veja a jurisprudência:

SEGURO. SEGURO EM GRUPO. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO. - NÃO FLUI O PRAZO DE PRESCRIÇÃO ÂNUA ENQUANTO A SEGURADORA NÃO DÁ EFETIVA CIÊNCIA AO SEGURADO DO INDEFERIMENTO DO SEU PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. SÚMULA N° 229/STJ. - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. STJ - Acórdão: RESP 224871/SP; RECURSO ESPECIAL (1999/67753-6); Fonte: DJ de 17.12.99, pág. 379; Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar (1102); Data da Decisão: 18.11.99; Órgão Julgador: T4 - Quarta Turma; Decisão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Aldir Passarinho Júnior, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e César Asfor Rocha; Ref. Legisl.: Lei n° 3.071/16, CC/16 Código Civil, art. 172, art. 1.457, Súmula n° 229 (STJ); Veja: RESP 21547-RS (STJ).

Por último, ainda que a ação tivesse sido ajuizada após um ano, o que não é a hipótese, em análise acurada das diretrizes do art. 27 do CDC, faz-se perceber que, prescreve em 5 (cinco) anos à pretensão a reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano ou da autoria. Portanto, não configurada a prescrição, rejeito a preliminar.
Também sem qualquer respaldo legal a preliminar de carência de ação por falta de interesse de agir do Autor, pois o segurado está legitimado a ingressar em juízo para dirimir as controvérsias que ensejou o não cumprimento do pactuado. A Ré confessa o não pagamento do seguro e, portanto, é necessário verificar se os motivos apresentados são justos e legais. Assim, o requisito de interesse de agir está presente, por isso afasto esta preliminar.
Cumpre, ainda, ressaltar que sem fundamento os argumentos da Ré ao sustentar que a negativa de cobertura se deu porque o sinistro ocorreu antes da celebração do contrato com a empresa tomadora dos serviços do requerente, portanto, a comprovação de existência do evento que gerou a invalidez do Autor não estria ligada à apólice de seguro celebrada. No entanto, se trata de contrato de seguro em grupo em que a empresa empregadora substitui as apólices anualmente abrangendo todos seus empregados e as seguradoras anteriores se sucedem, em direitos e obrigações. O documento de fls. 26 demonstra que o autor estava incluído na apólice desde 26/11/2003 e o evento invalidez quando do acidente não estava configurado, somente ocorrendo após longo tratamento sem êxito, ensejando a sua aposentadoria que só ocorreu em 20/12/200, marco inicial para a ocorrência o requisito necessário a concessão do beneficio contratado.
O CDC tem como princípios basilares e gerais a boa-fé e o equilíbrio nas relações de consumo, previstos no seu art. 4º que estabelece que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
Tais normas promoveram verdadeira revolução nos contratos consumeristas e permitem ao Juiz a interpretação que transcende à literalidade das cláusulas contratuais, buscando uma visão interpretativa mais favorável ao consumidor contratante de boa-fé, que nem sempre é informado do real conteúdo e sentido dessas cláusulas.
A professora e estudiosa dos contratos à luz do CDC CLÁUDIA LIMA MARQUES defende:

"O primeiro instrumento para assegurar a equidade, a justiça contratual, mesmo em face dos métodos unilaterais de contratação em massa, é a interpretação judicial do contrato em seu favor. Inspirado no art. 1.370 do Código Civil Italiano de 1942, o CDC, em seu art. 47, institui como princípio geral a interpretação pró-consumidor das cláusulas contratuais.” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., pág.283)

Essa tendência interpretativa ocorre principalmente quando o vínculo de consumo se forma através da adesão do consumidor a um contrato padrão elaborado unilateralmente pelo fornecedor, como ocorre no caso ora em análise.
As novas normas que regem os contratos, que foram trazidas por concepção contida do CDC, optam por proteger não só a vontade das partes, mas principalmente os legítimos interesses e expectativas dos consumidores.
Por conta disso, a interpretação do contrato objeto do litígio deve ser feita de forma mais favorável ao acionante, mesmo porque, a requerida traz a lume método interpretativo flagrantemente prejudicial ao consumidor, que, no caso, não foi devidamente informado quanto às regras contratuais impostas.
O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como as que restringem o direito de cobertura indenizatória, requerida pelo Autor.
Não se pode deixar de ressaltar que a invalidez permanente reclamada, foi reconhecida pelo INSS quando da concessão da aposentadoria do autor, pelo que se torna desprovida de qualquer fundamento a resistência da seguradora em pagar o benefício segurado.
O entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência em relação a determinados sinistros, como é a hipótese em exame, é que ao se enquadrarem no conceito de invalidez permanente decorrente de acidente devem ter a indenização paga ao segurado de forma integral e desde a data em que ocorreu o sinistro, como abaixo transcrevo jurisprudência sobre a matéria:

Processo
REsp 398047 / SP ; RECURSO ESPECIAL
2001/0193448-1 Relator(a) Ministro BARROS MONTEIRO (1089) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 21/10/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 07.03.2005 p. 260
Ementa
SEGURO DE VIDA EM GRUPO E ACIDENTES PESSOAIS. ACIDENTE DO TRABALHO. LEUCOPENIA. INCAPACIDADE PERMANENTE.– A inalação continuada de benzeno (leucopenia) inclui-se no conceito de acidente pessoal definido no contrato de seguro. Precedentes da Quarta Turma. Recurso especial conhecido e provido.

Processo
REsp 280253 / SP ; RECURSO ESPECIAL
2000/0099440-5 Relator(a) Ministro BARROS MONTEIRO (1089) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 09/11/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 13.12.2004 p. 361
Ementa
PREVIDÊNCIA PRIVADA. PLANO DE PECÚLIO. PERDA AUDITIVA DECORRENTE DA EXPOSIÇÃO EXCESSIVA A RUÍDOS. MICROTRAUMAS. NDENIZAÇÃO CABÍVEL. – Os microtraumas sofridos por operário, quando exposto a ruídos excessivos, incluem-se no conceito de acidente pessoal definido no contrato de seguro. Precedentes. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

Processo
REsp 324197 / SP ; RECURSO ESPECIAL
2001/0057592-1 Relator(a) Ministro BARROS MONTEIRO (1089) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 23/11/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 14.03.2005 p. 340
Ementa
SEGURO DE VIDA EM GRUPO E ACIDENTES PESSOAIS. MICROTRAUMAS. LESÕES POR ESFORÇOS REPETITIVOS E HÉRNIA DISTAL. INCAPACITAÇÃO PARCIAL E PERMANENTE DE 50%.
– Os microtraumas sofridos pelo operário, quando exposto a esforços repetitivos no ambiente de trabalho, incluem-se no conceito de acidente pessoal definido no contrato de seguro. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido. (grifo nosso)

Resta provado que a invalidez do Autor se enquadra na hipótese de invalidez permanente e que, portanto, deve ser o Requerente ressarcido de forma plena, recebendo o quantum restante do capital segurado.
Ainda, é flagrante a prática abusiva na interpretação da cláusula contratual em desfavor do segurado, uma vez que não se pode sustentar que no conceito de invalidez total se possa admitir que a pessoa precise ter vida vegetativa para receber o benefício segurado. Na verdade, até mesmo pelas normas da SUSEP, o autor se enquadra, pois, em norma por ela expedida considera-se invalidez permanente total por doença que causa perda da capacidade de toda e qualquer uma de suas atividades profissionais normais, bem como, todo e qualquer trabalho remunerado. Assim, de acordo com a interpretação literal da cláusula, é bastante que fique configurado não haver possibilidade de recuperação ou reabilitação da doença acometida ao segurado em caráter definitivo.
Foi justamente o que aconteceu no caso ora em discussão.
Não resta dúvida que o Autor se enquadra, à perfeição, na definição de invalidez prevista no contrato, por ter restado comprovado que, malgrado os recursos terapêuticos utilizados, não há possibilidade de recuperação, estando permanentemente incapacitado para exercer atividade laboral.
Constata-se, ainda, que a Empresa Ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando ao Autor o conseqüente constrangimento de ter que ficar sem receber os valores efetivamente devidos pelo seguro que contratou.
Diante do exposto, e do mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTE a presente ação para condenar a Ré no pagamento ao Autor da quantia indenizatória estabelecida na apólice de seguro de vida pela invalidez permanente decorrente de patologia adquirida pela atividade laboral, devidamente corrigida a partir da data da aposentadoria e acrescida de juros moratórios de 1% ao mês pelo INPC desta a data da citação.
Condeno, ainda, a Ré ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 18 de Março de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza de Direito Titular

 

Fonte: Diário de Justiça da Bahia

Vídeos da notícia

Imagens da notícia

Categorias:
Tags: