Município recorre a justiça para não fornecer medicamentos, o TJBA manteve a decisão da 8ª Vara da Fazenda Pública de Salvador

Publicado por: redação
14/07/2011 09:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

 

4ª CÂMARA CÍVEL
Agravo de Instrumento Nº: 0007062-96.2011.805.0000-0
AGRAVANTE: MUNICIPIO DO SALVADOR
AGRAVADO: A P A F, REP. POR ERIKA DE SANTANA ARAUJO
ADVOGADO: RUY CARLOS KASTALSKI
PROCURADOR DO MUNICÍPIO: MARCELO LUIS ABREU E SILVA
RELATOR: DESEMBARGADOR CYNTHIA MARIA PINA RESENDE

D E C I S Ã O

O MUNICÍPIO DE SALVADOR interpôs o presente agravo de instrumento para adversar interlocutória proferida pelo M.M. Juiz de Direito da 8ª Vara da Fazenda Pública de Salvador que, nos autos da Ação Ordinária de Obrigação de Fazer cumulada com Antecipação de Tutela, deferiu pleito de antecipação de tutela, initio litis, para determinar que o agravante forneça à agravada o medicamento TOPIRAMATO 200mg(uma caixa por mês), CARBAMAZEPINA 900mg(seis caixas por mês) FRIZUM 10mg(três caixas por mês), MOTILUN 10 MG (três caixas ao mês), OMEPRAZOL 20MG(um comprimido ao dia), COLÍRIO LÁCRIMA PLUS(três caixas por mês), além de doze pacotes de fraldas descartáveis por mês, nos termos dos relatórios médicos de fls; 19/23, no prazo de cinco dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00(quinhentos reais), iniciando-se a contagem a partir do sexto dia.

Em sua retórica, diz que o provimento liminar antecipatório enseja imediata corrigenda, posto que acarreta despesa que dificilmente será ressarcida pela agravada, na hipótese da ação ser julgada improcedente.

Verbera, ainda, que compete ao requerente o ônus de provar que não existe no Sistema Único de Saúde (SUS) outra medicação capaz de atender suas necessidades, pois o aumento de gastos para atender o único indivíduo onera o sistema e impede a prestação universal do serviço público de saúde.

Diz que, na medida em que existe medicamento ou princípio ativo fornecido pelo SUS, não faz qualquer sentido impor ao Município o custeio de nova medicação para atacar a mesma patologia, só lhe competindo o fornecimento de medicamentos referentes à saúde básica da população e, nesse aspecto, pecou a decisão guerreada, redundando em grave injustiça.

Prossegue afirmando que a decisão objurgada constitui interferência do a quo em face de competências constitucionais exclusivas do Poder Legislativo, não podendo o Judiciário legislar ou modificar as políticas públicas previamente estabelecidas pelo Governo, olvidando as consequências de realizar despesas diante da ausência de previsão orçamentária ou mesmo da inexistência de recursos.

Destaca que os recursos do Município não são inesgotáveis, nem se encontram à disposição do gestor, ou mesmo do judiciário, de modo que a ingerência do Judiciário na Política de Saúde altera a legítima opção da Casa Legislativa sob a falsa premissa de se fazer justiça individual, o que acaba lesando toda a coletividade.

Pugna pela impressão de efeito suspensivo ao presente recurso, a fim de que sejam obstados os efeitos da decisão invectivada, até o julgamento final pelo Colegiado.

É o escorço dos autos.

Presentes os pressupostos, conheço do presente recurso.

É sabido que a tutela antecipada destina-se a acelerar a produção de efeitos práticos do provimento, ainda que em caráter provisório, para abrandar o dano causado pela demora do processo. Por outro lado, a sua admissibilidade está condicionada a inequívoca verossimilhança, ou seja, elementos probatórios suficientemente fortes para a formação da convicção pelo julgador a respeito da existência do direito afirmado pela parte autora e de prova inequívoca apresentada.

No caso em testilha, o provimento jurisdicional de urgência fulcrou-se em elementos de prova carreados aos autos da Ação Ordinária assumindo o status de fundamentação convincente apta, portanto, a tranqüilizar a consciência do Julgador.

Ademais, a Constituição Federal traz à luz um regime de responsabilidade solidária entre as pessoas políticas para o desempenho de atividades voltadas a assegurar o direito fundamental à saúde, uma vez que se referiu ao Estado de forma ampla, alcançando todos os entes da federação.

Ou seja, quando o constituinte originário estatuiu, no artigo 196 da Constituição Federal de 1998, a solidariedade na promoção da saúde da população, em cada nível da Federação, deixou claro que qualquer um deles é responsável pelo alcance das políticas sociais e econômicas que visem ao acesso universal e igualitário das ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Portanto, é obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves.

Assim tem decidido o Superior Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. RECURSO QUE NÃO LOGRA INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. Sendo o Sistema Único de Saúde (SUS) composto pela União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade solidária dos aludidos entes federativos, de modo que qualquer um deles tem legitimidade para figurar no pólo passivo das demandas que objetivam assegurar o acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. 2. Mantém-se na íntegra a decisão agravada quando não infirmados seus fundamentos. 3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag 886974/SC Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2007/0074435-6) (destacamos).

Nessa linha de tirocínio, conseqüentemente, o Estado, a União e o Município são responsáveis solidários, podendo figurar no pólo passivo deste tipo de feito tanto em conjunto, quanto separadamente, não havendo que se falar, na espécie, em litisconsórcio necessário.

Dispõe a Constituição Federal no seu art. 196 que; “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Logo, o Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação, não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de violar, ainda que por omissão, preceito constitucional.

Assim, sendo a distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes essenciais à preservação de suas vidas, é dever do Estado, nas hipóteses em que houver impossibilidade material de o cidadão adquirir medicamentos, tratamentos médicos, exames, ou quaisquer outros meios terapêuticos para restabelecer sua saúde ou prolongar sua vida, em face do seu alto custo, providenciar os meios necessários, porquanto se trata de direito fundamental emanado de norma constitucional auto-aplicável, e, como tal, independe de regulamentação, passível, pois, de aplicação imediata.

Por esta razão, decisões favoráveis ao fornecimento de medicamento pelo Estado, têm sido proferidas pelos Tribunais Pátrios, fundadas na hiposuficiência dos pacientes, na gravidade das enfermidades, no fato do tratamento ser contínuo e nos efeitos gravíssimos de sua interrupção.

Na ótica de diversos processualistas contemporâneos, juízo de verossimilhança nada mais é do que um juízo de probabilidade, pouco mais do que o óbvio, sendo que, para Calamandrei, verossimilhança vem a ser um grau de convencimento superior à possibilidade e inferior à probabilidade.

O fato de ter a lei vinculado o convencimento da verossimilhança da alegação à prova inequívoca, é sinal de que a probabilidade identificada na verossimilhança não significa, de forma alguma, um grau mínimo da provável realidade da alegação, mas ao contrário, que apresente um alto grau de convencimento capaz de arredar qualquer dúvida razoável.

Ao contrário, tem-se que na tutela antecipada, o grau de probabilidade que decorre da prova inequívoca se não é, está muito próximo do máximo. Certo é, pois, que a antecipação da tutela exige probabilidade e esta há de ser intensa, capaz de induzir a identificação plena entre probabilidade e verossimilhança.

Como não se trata o instituto da tutela antecipada de medida cautelar concedida diante de regras e princípios disciplinadores dessa espécie no ordenamento processual vigente, mas, tratando-se, como se trata, de prestação jurisdicional cognitiva, consistente na outorga adiantada da proteção que se busca no processo de conhecimento, a qual, verificados os pressupostos da lei, é anteposta ao momento procedimental próprio, penso que, no caso presente, o Douto a quo vislumbrou a existência de elementos capazes de autorizar a concessão da tutela pleiteada, já que a tutela antecipada dos efeitos da sentença de mérito, não é tutela cautelar, porque não se limita a assegurar o resultado prático do processo, nem tampouco garantir a viabilidade da realização do direito afirmado pelo autor, mas tem por objetivo conceder, de forma antecipada, o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou seus efeitos práticos.

Destarte, nenhum reparo merece a interlocutória que antecipou os efeitos do futuro provimento de mérito na Ação Ordinária, razão porque, não vislumbro a possibilidade da interlocutória acarretar ao Agravante lesão grave e de difícil reparação, tampouco grave violação à direitos e garantias constitucionalmente consagrados, apta a autorizar o processamento do presente recurso sob a forma instrumental, razão por que, converto-o em retido, e assim o faço com espeque no art . 522 c/c art. 527, II do CPC, com a nova redação dada pela Lei n. 11.187, de 19.10.05, determinando a remessa dos autos ao Meritíssimo Juízo da causa.

Apensem os presentes autos aos do Agravo de Instrumento de número 0006767-59.2011.805.0000-0, já convertido em retido.

Publique-se. Intime-se.

Salvador, 12 de julho de 2011.

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