Estado da Bahia recorre para não fornecer o medicamento Trastuzumab e o TJBA nega

Publicado por: redação
26/04/2012 04:11 AM
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Inteiro teor da decisão:

0304982-52.2012.8.05.0000Agravo de Instrumento
Agravante : Estado da Bahia
Procurador : Itana Eça Menezes de Luna Rezende (OAB: 16828/BA)
Agravado : Leildes Souza dos Santos
Defensora : Eva dos Santos Rodrigues
D E C I S Ã O Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo ESTADO DA BAHIA contra a decisão que, nos autos da Ação Ordinária interposta contra ato do Juiz a quo que condenou o acionado a disponibilizar o medicamento Trastuzumab para o Autor, nos precisos termos da indicação feita pela médica oncologista, objetivando a reforma da decisão que agravada. Em suas razões, que ora se adota a título de relatório, pugnou inicialmente pela suspensão do ato impugnado, alegando, em síntese, que a manutenção do ato implicaria em prejuízo irreparável ao Agravante. Salientou, ainda, que o medicamento requerido não consta do protocolo clínico do SUS, o que acarretou na negativa do agravante em fornecer o mencionado medicamento, bem como sustentou a nulidade da decisão agravada, sob o fundamento de incompetência por necessidade de inclusão da União na lide. Foram juntados, pelo agravante, os documentos constantes das fls. 35/83. É o que importa relatar. Passo a decidir. Data vênia, a preliminar suscitada pelo agravante não deve prosperar, senão vejamos. A direção do Sistema Único de Saúde é única e descentralizada em cada esfera do governo (art. 198, I, da CRFB/88). É, assim, exercida no âmbito dos Municípios, Estados, entes federados que também são responsáveis pela assistência à saúde e garantidores do acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços a ela inerentes, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente (art. 9º, III, da Lei nº 8080/90). O sistema de compartilhamento de competências, tal como estabelecido no art. 23, II, da CRFB/88, reserva competência concorrente ao gestor do fundo municipal, estadual ou federal de saúde, para avaliar as ações e a forma de execução dos serviços públicos relativos à saúde em prol dos cidadãos. Saliente-se que incumbe ao Estado garantir atendimento aos cidadãos acometidos por doenças e que carecem de recursos para o necessário tratamento da saúde independente da atuação do Município ou da União. Este é seu dever institucional inadiável, ainda que sua atividade deva obediência às regras gerais previamente estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Neste diapasão: As ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também por pessoa física ou jurídica de direito privado. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único (conhecido como SUS), organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (I) - descentralização, com direção única em cada esfera do governo; (II) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; (III) participação da comunidade. O sistema único de saúde será financiado, nos termos dos arts. 195 e 198, § 1° da Constituição, com recursos do orçamento de seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aplicar, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (I) no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar; (II) no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; (III) no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3°. (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2008). Inegável, portanto, a competência da Vara da Fazenda Pública Estadual pelos atos comissivos e omissivos atribuídos ao Estado, independentemente da presença, no pólo passivo, dos demais gestores municipal e federal do Sistema Único de Saúde. Neste sentido: "ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. RECURSO QUE NÃO LOGRA INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. 1. Sendo o Sistema Único de Saúde (SUS) composto pela União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade solidária dos aludidos entes federativos, de modo que qualquer um deles tem legitimidade para figurar no pólo passivo das demandas que objetivam assegurar o acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. 2. Mantém-se na íntegra a decisão agravada quando não infirmados seus fundamentos. 3. Agravo regimental improvido." (STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag 886974/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 29.10.2007). No mesmo sentido: "MANDADO DE SEGURANÇA - ADEQUAÇÃO - INCISO LXIX, DO ARTIGO 5°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Uma vez assentado no acórdão proferido o concurso da primeira condição da ação mandamental - direito líquido e certo - descabe concluir pela transgressão ao inciso LXIX do art. 5° da Constituição Federal. SAÚDE - AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios." (STF, RE 195192/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 22.02.2000). Assim, a preliminar de incompetência da Justiça Estadual deve ser rejeitada. No mérito, o presente agravo de instrumento tem como objeto o fornecimento de medicamento prescrito, de uso contínuo, bem como os utensílios para o tratamento da sua saúde, visando o tratamento necessário a sua saúde. Adentrando nos requisitos do agravo de instrumento, importante registrar que a saúde, como bem de extraordinária relevância à vida e à dignidade humanas, foi elevada pela Constituição Federal à condição de direito fundamental do homem, manifestando o legislador constituinte constante preocupação em garantir a todos, uma existência digna, consoante os ditames da justiça social, o que se torna evidente da interpretação conjunta dos artigos 170 e 193 da referida Lei Maior, dispondo em seus artigos 1, item III, 6, 196,197, verbis: Art. 1 - República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: (...) III - a dignidade da pessoa humana. Art. 6 - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197 - São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feito diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Procedendo-se a uma interpretação harmônica dos referidos preceitos constitucionais, chega-se à conclusão de que o intuito maior da Carta Magna foi o de assegurar a todo cidadão, independentemente de sua condição econômica e sócia, o direito à vida, impondo, para tanto, ao Estado o dever constitucional de garantir por meio de políticas sociais e econômicas, ações que possam permitir a todos o acesso à assistência médica e farmacológica. Com efeito, o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível e deve ser assegurada a generalidade dos cidadãos. O direito a saúde é direito que deve ser assegurado a todas as pessoas porque representa como já pondera o eminente Ministro Celso Mello: O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídica constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar (STF - AI 396973/RS; Relator: Min. CELSO DE MELLO) Portanto, cabe ao Estado assegurar, através do fornecimento da medicação necessária, o direito à vida, permitindo aliviar o sofrimento e a dor de moléstia ou enfermidade sem controle, garantindo ao cidadão o direito a sobrevivência. Assim, é de se reconhecer que o direito à saúde apresenta duas vertentes a de preservação a saúde e a de proteção a saúde prelecionando Ferreira Filho que a primeira, "tem como contrapartida as políticas que visam a redução do risco da doença. E no seu prolongamento se situa o próprio direito a um ambiente sadio", salientando outrossim, que a proteção à saúde, "É direito individual à prevenção da doença, a seu tratamento e à recuperação do doente. Traduz-se no acesso aos serviços e ações destinadas a recuperação do doente ou enfermo" (Comentários a Constituição Brasileira de 1988, vol. IV, São Paulo, Saraiva, 1990). E o direito do cidadão a medicamentos se consubstancia exatamente com essa face do direito à saúde. Nesse sentido, vale colacionar importante manifestação do Ministro Celso Mello, no julgamento do AgRg no RE 271,286-8/RS: O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano de organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. O caráter programático, da regra no art. 196 da Carta Política, que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro, não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria lei Fundamental do Estado, o reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive aquelas portadoras do vírus HIV/Aids, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. (AgRG no RE 271.286-6-RS, 2ª Turma, j. em 12.09.2000, rel. Ministro Celso de Mello, DJU 24.11.2000, in RT 786/211). Alexandre de Moraes, ao dissertar sobre o tema, preleciona que: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF, art. 196), sendo de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou por meio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (CF, art. 197). (Direito Constitucional, 15ª ed. Atlas, 2004, p. 687/688). Como visto, não resta dúvida que é dever do Estado prestar assistência farmacológico aqueles que necessitem, a fim de manter a saúde do cidadão. No caso em tela, resta claro pelos documentos acostados à inicial, mais precisamente o relatório médico de avaliação especializada do autor encontra-se com câncer. Quanto à necessidade do agravante salienta-se ser a mesma é pessoa carente, conforme qualificação na inicial, presumindo-se a sua impossibilidade na aquisição do medicamento, que, notoriamente, possui alto custo. Desse feita, entendo que restou demonstrado o direito líquido e certo da parte autora na medida e quem necessita do medicamento e utensílios para realização do tratamento médico prescrito, para ter melhores condições de vida. Da mesma forma, o ato ilegal perpetrado pela autoridade, consubstanciado na negativa do fornecimento do medicamento, bem como os utensílios indispensáveis para o tratamento requerido. Nessas circunstâncias, estando a decisão agravada em conformidade com a jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores, com fulcro no art. 557, do CPC, nego provimento ao presente agravo de instrumento, determinando o arquivamento do presente recurso. Salvador, 24 de Abril de 2012 JUÍZA EZIR ROCHA DO BOMFIM RELATORA

Salvador, 25 de abril de 2012

Ezir Rocha do Bomfim
Relator

Fonte: DJE TJBA

Mais: www.direitolegal.org

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