Considerações sobre o prisma da ética no novo Código Civil Brasileiro

Publicado por: redação
30/04/2012 01:05 AM
Exibições: 98

Oriana Piske*

Antigamente predominava a visão que o Direito Civil seria um ramo distanciado do Direito Constitucional. Entretanto, com a complexidade e a dinâmica do mundo moderno, esta concepção tornou-se ultrapassada, sendo imperativa a análise da constitucionalização e da publicização no âmbito civil. Tal mudança justificou-se em virtude da necessidade de acompanhar os novos valores e os novos direitos salvaguardados pela Constituição Federal de 1988, sendo fundamental a percepção ética que o Operador do Direito deve obter na interpretação e aplicação do Novo Código Civil à luz da Constituição.

A Constitucionalização é o processo que submete o direito positivo aos fundamentos de validade estabelecidos na Constituição e a publicização é o processo de intervenção no setor legislativo infraconstitucional que objetiva reduzir o campo da autonomia privada com o escopo de tutelar a parte mais vulnerável da relação jurídica. A publicização apresenta-se como um fenômeno intervencionista estatal que tem gerado a autonomia de vários ramos do direito, dentre eles: o Direito do Consumidor.

Verifica-se que o Estado brasileiro, após a Constituição de 1988, deixou de lado o modelo liberal e passou a um paradigma social, consagrando direitos individuais e coletivos que alcançam várias dimensões da cidadania. O Código Civil e brasileiro de 1916 possuía uma ideologia liberal oitocentista, impregnada por um marcante individualismo. Assim, evidenciou-se o grande abismo entre os princípios e valores do Código Civil de 1916 e os princípios e valores presentes na sociedade pós-industrial, revelando a necessidade de romper com os padrões éticos e ideológicos estabelecidos após a Carta Constitucional brasileira de 1988, não recomendando a continuidade daquele Código, seja pela emersão de novos direitos que passaram a exigir tratamento multidisciplinar e para os quais aquela codificação se mostrou inadequada, seja pelo fato de a patrimonialização das relações ali presentes contrastar com o princípio da dignidade da pessoa humana e da valorização da cidadania, ambos consagrados na Constituição de 1988.

O grande desafio da atualidade é a repersonalização efetiva no Direito Civil, ou seja, o reposicionamento da pessoa humana como elemento central, passando o patrimônio a papel secundário. Outro desafio importante está na eficácia privada dos direitos fundamentais. Para tanto, é necessário efetivar concretamente os direitos humanos e de cidadania. Trata-se, portanto, de um desafio ético.

No Novo Código Civil observa-se a presença de valores como: afetividade, essencial valor da família; a função social como conteúdo merecedor de destaque, e não apenas como limite da propriedade, nas suas diversas perspectivas e facetas; o princípio da equivalência material das prestações e a defesa do contratante hipossuficiente, no contrato. Todos esses valores e princípios fazem parte de uma nova pauta ética que devem ser considerados pelo aplicador do Direito, uma vez que foram convolados a princípios e regras de índole constitucional, devendo nortear a realização do Direito Civil. Assim, o Novo Código Civil evoluiu rumo a concretização de todos os Direitos Fundamentais das pessoas, a fim de construir uma sociedade mais justa e cada vez menos excludente.

Neste quadrante percebe-se que é de interesse da sociedade que o Poder Judiciário, além de regular as relações jurídicas com o Estado e entre particulares, também distribua Justiça. Esse é o papel social que, historicamente, lhe é reservado. O desafio do juiz moderno está em julgar com Justiça, eis que deve valer-se dos princípios éticos jurídicos num balanceamento dos interesses em conflito, observando sempre que possível os fins sociais da lei e as exigências do bem comum na fundamentação de suas decisões. É indispensável que o magistrado tenha prudência, pois ao aplicar a lei em cada caso ele interpreta o fenômeno jurídico. A interpretação e aplicação possuem um conteúdo eminentemente prático da experiência humana, vez que se espera uma decisão não apenas jurídica, mas com conteúdo social. Afinal, muda a sociedade, a forma de pensar o Estado, surgem novas tecnologias, a globalização econômica passa a ser uma realidade; tudo isso conduz à emergência de novos direitos que merecem a sua proteção.

O Judiciário, nos tempos atuais não pode se propor a exercer função apenas jurídica, técnica, secundária, mas deve exercer papel ativo, inovador da ordem jurídica e social, visto que é chamado a contribuir para a efetivação dos direitos sociais, procurando dar-lhes sua real densidade e concretude. O juiz deve estar atento às transformações do mundo moderno, porque, ao aplicar o direito, não pode desconhecer os aspectos sociais, políticos, econômicos e éticos dos fatos que lhe são submetidos. Cabe ao juiz exercer a atividade recriadora do direito através do processo hermenêutico, bem como adaptar as regras jurídicas às novas e constantes condições da realidade social e, com responsabilidade, deve buscar soluções justas para os conflitos, sempre com observância dos princípios, regras e valores éticos constantes na Constituição de 1988.

Com efeito, observa-se que o Estado Constitucional brasileiro, a partir de 1988, estabeleceu uma nova ordem jurídica voltada para os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização da cidadania estabelecendo os referidos axiomas como vértices na interpretação nas normas constitucionais, imprimindo eticidade no campo do Direito Público como na seara Privada. Em decorrência, há uma função social a ser realizada nos atos, nos contratos, nas relações jurídicas, na propriedade, no contexto familiar, com a importância da lealdade, da boa-fé, da honestidade, da confiança, da dignidade humana e da cidadania.

A sociabilidade, a boa-fé objetiva, a probidade, a razoabilidade e a proporcionalidade passam a ser pilares que sustentam e estabelecem essa nova pauta ética e axiológica do Novo Código Civil brasileiro. Portanto, trata-se de uma silenciosa revolução de princípios, valores e direitos fundamentais conquistados com a Constituição de 1988 que passam a ser objeto de uma efetiva e eficaz implementação nas relações privadas.

Referências

BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999.
PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Trad. de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
POGREBINSCHI, Thamy. Ativismo judicial e Direito: considerações sobre o debate contemporâneo. Direito, Estado e Sociedade, v. 9, n. 17, ago./dez. 2000, p. 121-143.
RAMOS, Carmem, Lucia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. In: FACHIN, Luiz Edson (coord.). Repensando os fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
SARMENTO, Daniel. A ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000.
TEPEDINO, Gustavo. Direitos Humanos e Relações Jurídicas Privadas. Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro, v. 4, n.7, jan./jun., p. 103-116, 1998.

Autor: Oriana Piske de Azevedo Magalhães Pinto é Juíza de Direito do TJDFT

Vídeos da notícia

Imagens da notícia

Categorias:
Tags: