Acumulação (i)legal de cargos públicos

Publicado por: redação
23/08/2012 03:23 AM
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O caráter social justifica, desde os tempos do Império, a necessidade de acumulação de alguns cargos públicos no Brasil. A justificava para permitir esta acumulação repousa no inegável fato de que o Estado brasileiro apresenta uma grande deficiência na prestação de serviço público dignos à população, principalmente nas áreas de saúde e educação.

É esta realidade social que sustenta a permissão, dada a determinadas categorias, para acumulação de cargos públicos. Não se trata, pois, de privilégio concedido a algumas carreiras ou profissões. A regra geral, no entanto, é a vedação à cumulação de cargos, regra esta que deve ser observada em todos os entes federativos (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), nas entidades da administração indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), bem como nas suas subsidiárias.

De antemão, é relevante salientar que esta vedação só se aplica aos vínculos remunerados. Assim, não existe tal proibição se algum for desempenhado em caráter pro bono, uma vez que a Constituição Federal de 1988 proíbe apenas acumulação remunerada.

Mesmo nos casos em que a cumulação é admitida, é necessário que sejam atendidos determinados requisitos constitucionais, a saber: compatibilidade de horário e submissão ao limite do teto remuneratório.

Neste ponto é relevante acentuar que a Constituição da República exige apenas a sujeição à compatibilidade de horário e não a um limite total de carga horária. Deste modo, se a Administração Pública impedir a acumulação fundada no argumento de que a extensão da carga horária não admite a acumulação, está a praticar flagrante ilegalidade.

Os tribunais pátrios, de maneira majoritária, entendem que a CF/88 impôs apenas os obstáculos da compatibilidade de horário e do teto remuneratório para que se possa acumular cargos públicos, não cabendo então à Administração e aos órgãos legislativos infraconstitucionais imporem outras restrições, além destas expressas na Constituição. Aqui, por certo, a interpretação da disposição constitucional deve ser feita de modo restritivo e não ampliativo.

Superada a análise dos requisitos indispensáveis para acumulação, passa-se aos casos concretos possíveis. Segundo os incisos XVI e XVII do art. 37 da CF, é possível acumular apenas dois cargos de professor, um de professor com outro técnico ou científico, e dois privativos de profissionais da área de saúde.

Numa apreciação simplista parece tranqüilo concluir quais são as situações em que é possível haver a cumulação. Entretanto, os casos concretos apresentam dificuldades.

A primeira dúvida abarca, para fins de acumulação, o conceito de professor. Por exemplo: o professor que se encontra ocupando cargo de diretor de escola ou coordenador pedagógico integra a carreira de magistério, para fins de acumulação? Apesar de existirem vozes contrárias, o entendimento predominante é por aceitar toda atividade-fim de ensino como sendo equivalente à de professor.

Neste sentido está a percepção do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que entendem estarem abarcadas na função de magistério a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a direção, a coordenação e o assessoramento pedagógico de unidade escolar, desde que exercidos no estabelecimento de ensino.

A segunda questão relevante diz respeito ao conceito de cargo técnico e científico. Vale reforçar, inicialmente, que a acumulação só é permitida com um cargo de professor, sendo vedado dois de técnico ou dois de científico, bem como um de técnico com um de científico. Ademais, salienta-se que não é necessário existir relação entre as atribuições do cargo técnico ou científico com o conteúdo da disciplina ministrada pelo professor.

Para efeito de acumulação, a interpretação constitucionalmente mais aceita é a que define o cargo científico como sendo todo aquele cargo de nível superior em uma determinada área do conhecimento (exemplos são os de médico, biólogo, antropólogo, matemático e historiador).

Já cargo técnico é o cargo, em regra, de nível médio que aplica na prática os conceitos de uma área específica do conhecimento, tais como química, informática, radiologia, etc. Perceba-se que não interessa a nomenclatura do cargo, mas sim as atribuições desenvolvidas e a qualificação específica requerida para o seu desempenho. Doutra banda, o cargo denominado de técnico, mas que não requer conhecimento específico, exigindo apenas nível médio, não pode ser acumulado com o de professor.  Um exemplo ilustrativo é o do cargo de técnico judiciário.

O terceiro ponto a se destacar é que a acumulação ilegal não se transmuda em legal com a aposentação em um dos cargos. Ou seja, se a acumulação é ilegal na ativa, também o será após a aposentação.

Por fim, é importante salientar as consequências advindas de uma acumulação ilegal. A doutrina e a jurisprudência têm entendido que, constatada a ilegalidade, o servidor de boa-fé poderá fazer a opção por um dos cargos, solicitando a exoneração do outro. Se assim fizer nenhuma penalidade sofrerá e não terá também de devolver ao erário a remuneração percebida, até porque exerceu as atribuições dos dois cargos.  O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a presunção de boa-fé do servidor até o momento da notificação oficial de acumulação ilegal, ou seja, só há presunção de má-fé após a regular notificação e se o servidor não fizer a opção por um dos cargos.

Como se vê, a acumulação de cargos públicos é um assunto de grande relevância e pertinência prática, que não possui a singeleza que uma leitura perfunctória talvez possa fazer supor. Indubitavelmente, faz-se necessário um estudo mais detalhado, segundo cada realidade concreta.

*** Artigo escrito por Marcos César Gonçalves, advogado atuante na área de concursos públicos e sócio do escritório GMPR - Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados, e professor de direito administrativo.

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