Marco Civil da Internet resguarda livre expressão, mas não garante segurança

Publicado por: redação
17/11/2013 12:06 AM
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                                             Juliana Abrusio*

 

                   O Marco Civil da Internet, em vias de ser aprovado e cujo objetivo é estabelecer garantias, direitos e deveres para o uso da rede, baseia-se nos princípios constitucionais da liberdade de expressão, direitos humanos, cidadania, privacidade, proteção de dados, pluralidade, livre iniciativa e concorrência e defesa do consumidor. Sua criação foi proposta pelo Poder Executivo, por meio do Projeto de Lei 2.126/2011, cujo conteúdo resultou de debates e consultas públicas, por meio do site culturadigital.br,  que recebeu 2,3 mil contribuições e 165 mil visitas. Entretanto, introduziram-se outros dispositivos posteriormente, em 2012, sem que houvessem oportunidades à sociedade de novos comentários. Isso limitou o conceito de “construção colaborativa”.

Os principais e mais polêmicos temas relacionados ao Marco Civil são os seguintes: “Liberdade de expressão”; “Responsabilidade civil de terceiros”; e “Neutralidade da rede”. Diante das revelações sobre a espionagem dos Estados Unidos, agregou-se o assunto “Segurança da internet no Brasil”.

Com relação à liberdade de expressão, nunca houve – e não há – qualquer ameaça de censura, como se propalou. Quanto à responsabilidade civil de terceiros, o Marco Civil estabelece que “o provedor de aplicações somente será responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário” (art.15). O projeto acerta em imputar os ilícitos na internet ao infrator e não ao intermediário. Porém, erra ao impor a condição de que a responsabilidade civil do terceiro (provedor) terá início apenas após ordem judicial. Isso porque os provedores, apesar de não responderem pela ilicitude do conteúdo, não podem furtar-se da obrigação de retirar conteúdos do ar quando lhe for solicitado.

O estabelecimento da neutralidade da rede, que é louvável, implica que o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de maneira isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo (art. 9º). Na provisão de conexão à Internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar o conteúdo dos pacotes de dados (§3º, art. 9). Pois bem, tal redação poderá representar o fim da oferta de conexão à Internet com serviços de inteligência agregados que “perfilem” os hábitos de navegação do usuário.

Sem entrar no mérito da questão, fato é que esse tipo de serviço não deverá acabar, pois empresas como o Google e o Facebook continuarão a explorar esse nicho, no qual os dados de seus usuários são comercializados com anunciantes, vez que não se enquadram como provedores de conexão à Internet e, portanto, não estão submetidos à proibição do art. 9º. Isso, aparentemente, renderá às duas gigantes melhores condições de atuação nessa fatia do mercado, já que as empresas provedoras deixarão de ser suas concorrentes. Não é demais lembrar que esse assunto específico é objeto do anteprojeto de Lei, ainda sem numeração, inspirado nas diretivas europeias sobre o tema e cujo texto é norteado pela proteção dos dados da pessoa e não daquele que monitora. O Marco Civil, diferentemente, estabelece as regras de proteção dos dados sob o ângulo do vigia e não do vigiado.

Finalmente, no que tange à segurança da internet, o gosto amargo deixado pelas notícias de espionagem norte-americana transformou-se em energia capaz de provocar a proposição de substitutivo ao problemático art. 13 do Marco Civil, cuja redação prevê a simples faculdade de guarda de registros de acesso a aplicações. Por esse dispositivo, estaríamos, enquanto sociedade, sob o amparo da sorte, pois não haveria obrigação legal dos provedores dessas plataformas/serviços (Twitter, Facebook, YouTube...) de guardarem os dados para eventual elucidação de um ilícito perpetrado (enfatize-se o tempo verbal pretérito!). Em nada adianta o art. 13, §1º garantir que, a partir de ordem judicial, o provedor pode ser obrigado a guardar [futuros] registros, quando, na verdade, em muitos casos o ilícito já ocorreu. No mais, quanto à segurança da internet no Brasil, não será o Marco Civil capaz de modificar questões a ela relacionadas.

 

*Juliana Abrusio é professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sócia do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001). Mestre em Sistema Jurídico Romanístico, Unificação do Direito e Direito da Integração pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata (2006), com diploma revalidado pela Universidade de São Paulo (2008).Membro da American Bar Association International Section Law, Intellectual Property Law. Membro da ABPI . Membro efetivo do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo.

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