Caminhante solitário

Publicado por: redação
19/11/2013 09:08 AM
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Em firmes passos, naquela tarde caminhava com um vento frio que fazia meu rosto arder, ao lado as águas gélidas do Rio Moika, em São Petersburgo. Sei que existem várias formas de caminhar, mas ali, tão longe do Brasil, numa cidade maravilhosa – o centro histórico da civilização russa –, com frio de 4 graus no mês de outubro, pude, enfim, colocar-me ao lado do famoso rio, e andar durante horas à procura de uma antiga e famosa livraria. Esse trajeto me fez refletir sobre a história, o Brasil, envolto em um doce cheiro de mar que vinha, provavelmente, do porto, o qual eu não sabia identificar em que direção se localizava.

Não posso dizer que não aprendi muito naqueles 30 dias que passei na Rússia, conhecendo o povo russo, seu dia a dia, suas universidades, seus hospitais, teatros... Enfim, obtive uma essencial matéria-prima para, em paralelo, repensar o que o Brasil significa hoje em termos de avanço social. Para pensar também sobre a nossa política interna e ter uma melhor percepção sobre nossos políticos e a infeliz cultura imposta pelos nossos meios de comunicação.

Alguns meses antes de partir para a Rússia, estive empenhado pessoalmente na defesa do Programa Mais Médicos, do governo federal. Esse meu empenho culminou com um depoimento em um vídeo amplamente divulgado pelo site do Ministério da Saúde, em que, como advogado e cidadão, eu fundamentava a importância do Programa. Nem preciso dizer que fui duramente criticado e censurado, inclusive pela Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, que me solicitou a retirada das informações sobre minhas atividades na OABSP do site federal. Isso porque eu era membro efetivo da Comissão dos Direitos Humanos da OAB-SP, exatamente na área da saúde. Esse episódio muito me entristeceu, pois sempre honrei meu cargo, e de forma alguma falava em nome da OAB-SP.

Agora, ao retornar, vejo com satisfação a notícia de que 85% da população aprova o programa, e que milhares de médicos cubanos e de outras nacionalidades, verdadeiros heróis, se dispuseram a ajudar o pobre povo brasileiro a vencer o desafio de melhorar as condições da saúde pública do nosso país, sob os aplausos até da oposição, que antes hostilizou não só o conceito do programa como os próprios médicos estrangeiros. Lá na Rússia, ao lado do Rio Moika, tão longe do Brasil, eu me perguntava o porquê de tanta discriminação, por parte das entidades brasileiras, e me questionava sobre até que ponto somos realmente um país livre.

Sabemos hoje que só trazer médicos não é a solução, que devemos aumentar substancialmente o número de vagas na graduação em Medicina (no mínimo mais 20 mil) para que os estudantes tenham, enfim, a possibilidade se formar e servir a população, algo que ainda não aconteceu. Espero, portanto, que tais promessas sejam cumpridas pelo governo federal. Em determinado ponto do trajeto ao lado do Rio Moika, perguntei, enfrentando meu parco conhecimento da língua russa, onde ficava a tal livraria. Já com muitas dores nas pernas, aproveitei e perguntei se havia algum hospital por perto – apenas por curiosidade, dando continuidade à minha retórica reflexiva sobre saúde pública. Um velho russo, sentado numa loja que mais parecia um mercadinho, me disse: “A livraria eu conheço, pois a frequento há 40 anos – e me apontou a direção. Quanto aos hospitais, temos um em cada setor, sem filas, todos públicos e de ótima qualidade”. Agradeci, continuei a caminhar e sonhei com um Brasil com mais médicos e mais cultura, como seguindo o trajeto de um rio permeando seus espaços e nos instigando a pensar num país melhor, mais humano e bem mais solidário.
*Fernando Rizzolo é Advogado, jornalista, Mestre em Direitos Fundamentais, membro efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, articulista colaborador da Agência Estado

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