Amarras ao Acesso à Justiça

Publicado por: redação
06/07/2010 03:21 AM
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Amarras ao Acesso à Justiça - Diretora de Secretaria Janete Ricken Lopes de Barros

Janete Ricken Lopes de Barros é Diretora de Secretaria da 1ª Vara Cível de Samambaia

O acesso à justiça vai muito além do ajuizamento de uma ação e, demonstrando essa preocupação, as reformas do Código de Processo Civil têm trazido novos institutos capazes de facilitar e agilizar a prestação jurisdicional.

A interpretação e aplicação desses novos instrumentos à luz dos princípios constitucionais não pode ser de forma a plantar desigualdades e criar barreiras e amarras ao acesso à justiça, quando isso ocorre cabe a atuação judicial.

O Direito Processual precisa ser visto modernamente sem as amarras da formalidade, com compromisso com as necessidades da sociedade, quer seja, um instrumento político de participação social capaz de fornecer soluções para manter a ordem no Estado Democrático de Direito.

A terceira onda de acesso à justiça, tratada pelo jurista Mauro Cappelletti, é a da representação em juízo, numa concepção mais ampla de acesso à via judiciária.

A Constituição Federal de 1998 elevou a princípio constitucional a indispensabilidade do advogado à administração da justiça:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Contudo o indispensável papel que o advogado desempenha na busca da justiça, deve ser visto como um direito constitucional e não como uma limitação da cidadania, excludente de outros princípios e garantias.

A dispensa da presença de advogado para determinados atos pelo cidadão, sem que ocorra conflito com o princípio constitucional da indispensabilidade do advogado à administração da justiça, é o que ora se argumenta. Exigir que o jurisdicionado constitua advogado em todos os casos que precisar se dirigir ao judiciário é certamente criar uma barreira de acesso.

A Constituição Federal garante a todos o acesso à justiça, o que se realiza através do devido processo legal. O princípio da razoável duração do processo, inserido no texto constitucional através de EC nº 45/2004, no art. 5º, inciso LXXVIII, a nível de garantia fundamental, espelha a insatisfação da sociedade com a prestação da tutela jurisdicional e a busca de efetividade no serviço prestado pelo Estado através do Poder Judiciário.

Estamos vivendo um período de crítica do funcionamento do judiciário, porque a idéia de efetividade do processo está ligada à agilização da entrega do bem da vida pretendido pelo cidadão, e para que isso ocorra é necessário encontrar soluções práticas, desapegando-se de formalismos e propiciando real abertura à via judiciária.

O advogado atua como garantidor da manutenção do estado democrático de direito ao viabilizar aos jurisdicionados a ampla defesa. Contudo a postura aqui levantada se aplica para as hipóteses em que a parte não pretende reagir e, dessa forma, proporcionar que se dirija ao judiciário para cumprir voluntariamente suas obrigações é derrubar mais uma barreira do acesso.

Cappelletti afirma que a terceira onda é um progresso na obtenção de reformas da assistência jurídica e da busca de mecanismos para a representação de interesses da sociedade, o que proporciona um significativo acesso à justiça, contudo, vai muito além de encontrar representação efetiva para interesses antes não representados ou mal representados. Envolve um conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e prevenir os conflitos da sociedade moderna.

O atual movimento deve ser abordado do ponto de vista da necessidade de adaptar o processo civil ao tipo de litígio, analisar as características que diferenciam um litígio de outro e o grau de complexidade de solução dos litígios.

O processo judicial deve garantir a todos o acesso e, é nessa visão, que se verifica a necessidade de desburocratização dos procedimentos na busca da essencialidade nos serviços prestados, para vencer o que o jurista Mauro Cappelletti chama de ?obstáculo processual?.

Três são as principais modalidades de atuação judicial. A primeira é a representação processual que é a mais comum, também chamada de assistência jurídica, na qual a atuação é feita por mandato para defender direitos de terceiros em nome de terceiros. A advocacia é exemplo de monopólio neste caso, contudo o cidadão pode optar por defender direito próprio.

Outra modalidade é a substituição processual, excepcional e depende de previsão legal expressa, pela qual o titular do direito passa a ser substituído por outra pessoa que defende direito de terceiro em nome próprio.

A terceira modalidade, objeto destas considerações, é o jus postulandi, que é o direito de se dirigir pessoalmente ao Judiciário. Exemplos no Brasil de hipóteses de jus postulandi são na área trabalhista, na adoção consensual, nos juizados especiais cíveis, no habeas corpus e na advocacia em causa própria.

Os atos postulatórios só podem ser praticados por advogado, regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Tais atos postulatórios constituem no patrocínio em juízo e, conforme ensina Dinamarco ?Patrocinar significa elaborar petições, defesas, recursos ou resposta a eles e peças escritas em geral, bem como participar de audiências etc.?

Vale ressaltar que o STF, na ADIN 1.539-7, tratou da irresignação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com relação ao art. 9º da Lei 9099/95, que trata da faculdade da parte para demandar ou defender-se pessoalmente em juízo, e decidiu que a imprescindibilidade da presença do advogado é relativa.

São os atos de cumprimento de obrigação pessoal que ora se argumenta da possibilidade de serem realizados sem a constituição de advogado, quando não há oposição ao cumprimento da obrigação.

A obrigação corresponde à relação de natureza pessoal, quer seja, só a própria pessoa vinculada à relação é que está obrigada ao cumprimento da prestação. Assim, sustenta-se que o devedor ao ser chamado para cumpri-la, em concordando, não necessita de constituir advogado para adimpli-la.

O recente instituto do parcelamento da dívida nos processos de execução de título extrajudicial está sendo tratado como espécie de moratória legal, que surge como alternativa ao executado que poderá requerer o parcelamento da dívida ao reconhecer o débito.

A forma de o réu requerer o pagamento parcelado da dívida no processo de execução, é o que se pretende questionar, se esse ato terá que ser praticado por meio de advogado previamente constituído ou seria o bastante um requerimento assinado pelo próprio devedor.

Parece que exigir que o devedor exerça o direito-dever de adimplir com suas obrigações através de petições, que pressupõem, na visão de grande parte da comunidade jurídica, constituir previamente advogado nos autos, é agravar a sua situação, negando-lhe, assim, acesso rápido à justiça. Frisa-se que a situação é de não resistência ao pagamento, através de embargos à execução, o que certamente teria que ser realizado com o conhecimento e a orientação do profissional.

Diante dessas breves considerações, pretende-se abrir a discussão de que há possibilidade da parte praticar determinados atos processuais, independentemente de constituir advogado, para alcançar o sentido de que o acesso à justiça é prioritário à exigência da representação processual em juízo.

Nesta perspectiva, afirma-se que a prática de determinados atos sem a presença de advogado não conflita com o princípio constitucional da indispensabilidade do advogado à administração da justiça.

Ao final, salienta-se que o acesso à justiça é o requisito fundamental e o mais básico dos direitos humanos para a construção de um sistema jurídico moderno e igualitário que efetivamente garanta os direitos de todos.

Autor: Janete Ricken Lopes de Barros, Diretora de Secretaria da 1ª Vara Cível de Samambaia (DF)

Fonte: TJDFT

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