BLUE LIFE CONDENADA - Juíza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador, condena Blue Life

Publicado por: redação
24/03/2011 12:00 AM
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Juíza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador, condena Blue Life


Inteiro teor da decisão:

0035359-23.2005.805.0001 - ORDINARIA

Autor(s): Milton Silverio Maltez Leone Neto, Ana Clara Santos Leone

Advogado(s): Leonel Wallau Noronha

Reu(s): Assistencia Medica Sao Paulo Sa

Advogado(s): Carla Nepomuceno

Sentença: Vistos etc,

ANA CLARA SANTOS LEONE, representada por seu genitor MILTON SILVÉRIO MALTEZ LEONE NETO, devidamente qualificado nos autos, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE LIMINAR, contra ASSISTÊNCIA MÉDICA SÃO PAULO S/A-BLUE LIFE , também já qualificada, aduzindo em síntese que celebrou contrato de seguro de saúde com a Ré e houve indicação médica para internação de urgência em vista de seu estado de saúde e não houve a devida autorização sob a alegação da falta de carência, em virtude da Autora ser recém nascida. Alega que a negativa do procedimento foi ilegal em vista da gravidade do estado de saúde da Autora, conforme relatórios médicos em anexo. Pediu a antecipação de tutela para obter autorização para os procedimentos necessários ao restabelecimento de sua saúde, bem como condenação em custas e honorários. Juntou os documentos de fls.07/14.
Liminar deferida às fls. 16/19.
Citada, a Ré apresentou contestação às fls. 47/55, argüindo que embora o contrato tenha sido celebrado sob a égide da lei 9656/98 nada mais fez do que cumprir as cláusulas do contrato celebrado e que não se negou a autorizar a realização dos procedimentos médicos conforme mesmo confessou o autor e deve respeitar os limites estabelecidos na apólice contratada que é de 12 h. Pede a improcedência do pedido.

Em parecer de fls. 73/78, o Ministério Público manifestou-se em sentido favorável à tutela antecipada concedida, afirmando que cabe à Ré arcar com todas as despesas necessárias à transferência e internação da Autora até o restabelecimento total do seu bom estado de saúde, bem como os demais ônus de sucumbência.

Relatado, decido.

A demandante pretende ser ver reconhecido o seu direito ao procedimento de internamento de emergência necessário a sua sobrevivência, pois o Plano de Saúde demandado recusou-se a autorizar o procedimento sob o argumento de que não tinha cobertura contratual.

O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.

Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, fazer crer que a autora não tinha direito a cobertura porque estava no período de carência do seu contrato.
No entanto, a seguradora não impugnou os documentos apresentados pela autora de que o internamento solicitado era de emergência devido ao seu quadro clinico.
É dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.

Analisando a recusa da seguradora quanto à alegada pertinência do internamento hospital de urgência da criança ora autora, nota-se que as cláusulas contratuais indicadas para a cobertura não se enquadram de forma clara no objeto do pedido, nem há qualquer indício de má-fé do autor/segurado, mesmo porque, ainda que o fosse, era da seguradora o ônus de provar o fato impeditivo do direito do autor e ter adotado todas as cautelas, podendo ter exigido outros exames médicos e elaborar laudo demonstrativo da inexistência da emergência ou urgência para o procedimento Ao contrário, o relatório médico de fls. 14 aponta a urgência do internamento para deter desidratação grave e que o procedimento foi o mais indicado.

Isso demonstra que quem tem a capacidade de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico responsável pelo tratamento, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao seu paciente em caso de erro ou negligência médica e se a seguradora tinha fontes científicas reais para negar a existência da emergência médica para negar autorização para o internamento deveria manter contato com o médico responsável para verificar a situação clínica e médica do consumidor, uma vez que este é a parte hipossuficiente na relação de consumo.
No caso sub exame, diante da análise dos documentos carreados pelo Réu pode se inferir a existência de situação de emergência que autoriza o procedimento.

Isso porque as situações de emergências e urgências são tratadas de forma diferenciada, inclusive quanto ao prazo de carência, pois, nestas situações, como ocorreu com a Autora, uma criança recém nascida, não se discute a existência dos prazos de carências contratualmente estabelecidos.

Veja jurisprudência neste sentido:
"PLANO DE SAÚDE. PRAZO DE CARÊNCIA. INTERNAÇÃO DE URGÊNCIA. O prazo de carência não prevalece quando se trata de internação de urgência, provocada por fato imprevisível causado por acidente de trânsito. Recurso conhecido e provido." (STJ - RESP 222339 - 28/06/2001 - fonte: Informa Jurídico 27a ed.)

Nota-se que está previsto no contrato que a situação de emergência definida nas condições gerais do contrato como evento em que há necessidade de atuação médica imediata e somente há limitação de 12 h para os casos de cobertura ambulatorial. Nas hipóteses de internamento, como é o caso em análise, o plano de saúde deve garantir a internação desde a admissão do paciente até a sua alta visando à preservação da vida, órgãos e funções do paciente não tem exceção quanto a carência, devendo seguir a condição especial estipulada porque não pode ser sacrificada uma vida diante da situação emergencial em que se encontrava.

Portanto, a utilização dos serviços nos casos de emergências não pode ser tratada da mesma forma param os demais casos, em que o segurado pode esperar por atendimento sem sofrer risco de lesão grave da sua saúde.

Injusto, como pretendido pelo réu, não autorizar o internamento da autora que se encontrava em situação de emergência.
Isso porque em caso de urgência ou emergência, há um afastamento da incidência da cláusula que prevê a carência, em face ao disposto no art. 12, § 2o, inciso I, da Lei n. 9.656, de 03.06.98, que regulamenta os Planos de Saúde, conforme transcrevo abaixo:
“ § 2º - É obrigatória cobertura do atendimento nos casos:
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional. § 3º Nas hipóteses previstas no parágrafo anterior, é vedado o estabelecimento de carências superiores a três dias úteis.”

A jurisprudência vem se posicionando neste sentido, conforme transcrevo abaixo decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

RELATOR: Paulo Sérgio Scarparo
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. HÉRNIA INGUINAL ENCARCERADA. PLANO HOSPITALAR. PERÍODO DE CARÊNCIA. TRATAMENTO DE EMERGÊNCIA. COBERTURA DEVIDA. 1. A carência máxima admitida para tratamentos de casos de emergência - que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente é de vinte e quatro horas (art. 12, V, ¿c¿, da Lei n. 9.656/1998). 2. Nos planos hospitalares, a restrição do atendimento de emergência limita-se ao âmbito ambulatorial.
DATA DE JULGAMENTO: 02/04/2008
PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 09/04/2008

Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está a integridade física e a vida do consumidor.

Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, pratica que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual.

Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.

Constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando ao autor o conseqüente constrangimento de ter negado o pagamento integral do das despesas realizadas com a cirurgia de emergência, o que não ocorreria caso esta fosse mais diligente com os seus clientes.
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo procedente a ação para reconhecer a injustiça da negativa do internamento solicitado e confirmar a tutela antecipada deferida e determinar que a empresa ré arque com o valor total do procedimento, acrescido de juros legais e correção monetária a contar do pagamento até o efetivo reembolso.

Condeno, ainda, os réus ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 15 de Fevereiro de 2011

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara Especializada de Defesa do Consumidor

Fonte: DPJ Ba 21/03/2011

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