MEDIAL SAÚDE CONDENADA - Juíza Marielza Brandão Franco da 29ª Vara Cível de Salvador, condena Medial Saúde

Publicado por: redação
29/03/2011 08:00 AM
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MEDIAL SAÚDE CONDENADA - Juíza Marielza Brandão Franco da 29ª Vara Cível de Salvador, condena Medial Saúde

Inteiro teor da decisão:

0010581-91.2002.805.0001 - PROCEDIMENTO ORDINARIO

Autor(s): Gabriel Sampaio Goncalves
Representante(s): Raimundo Goncalves Dos Santos

Advogado(s): Luiz Humberto Agle Filho

Reu(s): Medial Saude Sa

Advogado(s): Cristiane Nolasco Monteiro do Rego

Sentença: Vistos, etc.,

GABRIEL SAMPAIO GONÇALVES, representado por seu genitor RAIMUNDO GONÇALVES DOS SANTOS, devidamente qualificados nos autos do processo em epígrafe, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA, contra MEDIAL SAÚDE S/A, também já qualificado às fls. 02, aduzindo, em síntese, que é beneficiário do Plano de Saúde Coletivo Empres pactuado junto a Ré em 03 de Setembro de 2001, e embora venha quitando todas as suas obrigações em dia, referentes ao plano, a Ré recusou-se injustificadamente de fornecer autorização para internação do menor ora requerente da demanda, sob o argumento de que o tratamento encontrava-se sob carência.
Afirma que, a atitude da requerida além de abusiva, não teve respaldo legal ou contratual, haja vista que o requerente foi acometido de patologia, meningite, sendo recomendado por profissional médico, em 29 de Dezembro de 2001, a internação imediata para uso de medicação anticonvulsivante, o que foi negado pelo requerido, levando o genitor do requerente, ante ao iminente risco de vida que o quadro médico apresentava, a proceder a emissão de um cheque no valor de R$3.900,00 (três mil e novecentos reais), a título de depósito.
Ao final, requer a procedência da ação, para que seja reconhecida a obrigação da Ré na prestação dos serviços médico-hospitalares prestados ao autor, declarando a responsabilidade dessa pelo integral pagamento das despesas pertinentes, bem como que seja decretada a nulidade de todas as cláusulas abusivas. Juntada de documentos às fls. 07 a 36.
Devidamente citada, a Ré apresentou contestação às fls. 42 a 59, arguindo em sede de preliminar ausência de pressuposto processual, inexistência jurídica do processo, ausência de pagamento de custas e ilegitimidade passiva, e no mérito aduz que a todo momento a parte autora esteve ciente e em concordância com todas as disposições contratuais, além de que a cobrança de períodos de carência é autorizada legalmente.
Pleiteia a improcedência da ação, a fim de que seja condenado o Autor em litigância de má-fé, bem como no pagamento de custas e honorários advocatícios, com a cassação da assistência judiciária gratuita nos termos da impugnação formulada. Juntada de documentos às fls. 60 a 130.
O Autor em réplica consoante às fls. 133 a 138, impugna todas as alegações da Ré, inclusive as preliminares, e reitera todos os pedidos elencados na prefacial.
Em vista da falta de interesse das partes em conciliar conforme ata de audiência de fls. 145, e por declararem que não tem provas a produzir, configura-se hipótese de julgamento antecipado da lide.
Consoante petição de fls. 162 a 168, o Ministério Público se manifestou em sentido favorável a parte autora, arguindo a abusividade da conduta da ré, bem como o dever da mesma em fornecer a total cobertura ao menor no procedimento de internação de emergência até o restabelecimento completo de sua saúde e concessão de alta médica hospitalar.
É o relatório.
Posto isso. Decido.
Anuncio o julgamento antecipado da lide, uma vez que a matéria ventilada é eminentemente de direito. Tal entendimento não pode ser caracterizado como cerceamento de defesa, até mesmo por conta de que a prova objetiva munir o julgador de elementos necessários à formação de seu convencimento. Assim, dispensando o Magistrado a produção de novas provas, sinaliza o mesmo que as provas já constantes dos autos são suficientes ao seu convencimento.
O demandante pretende ver reconhecido o seu direito à internação imediata, tendo em vista que foi acometido de patologia, que coloca em risco a sua sobrevivência, pois o Plano de Saúde demandado recusou-se a autorizar tal procedimento.
As preliminares levantadas pelo requerido, quanto a ausência de pressuposto processual de representação do menor autor e a inexistência jurídica do processo não podem prosperar, uma vez que o primeiro foi juntado pela parte autora aos autos da ação principal conforme às fls. 07, bem como a certidão de nascimento do autor, comprovando a sua menoridade legal já foi acostada à ação cautelar em apenso.
Quanto a preliminar da ausência de pagamento das custas não assiste razão a parte ré, haja vista que foi deferida a gratuidade das despesas judiciais ao autor, tendo a Promotoria de Justiça inclusive se manifestado favorável a manutenção do benefício ao menor nos incidentes propostos pela ré.
Já a alegada ilegitimidade passiva arguida pela ré não procede. Isso porque, existe um vínculo contratual de assistência a saúde do Autor junto a Ré, sendo que os contratantes individualmente tem legitimidade para pleitear em juízo pretensões referentes ao plano de saúde que aderiram. Além disso o CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, em seu artigo 2º, estabeleceu como sendo consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Na hipótese em discussão, restou caracterizada a relação de consumo, pois, contratos desta natureza se enquadram no conceito previsto na legislação especial, e o Autor é consumidor final dos serviços médicos prestados pela empresa Ré.
No mérito, o CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, tratar da saúde, como um bem jurídico estimável, já que além de negar um procedimento médico que está previsto contratualmente, manteve-se inerte diante de um quadro de caráter emergencial, fazendo crer que o Autor não tinha o direito a cobertura.
No entanto, a seguradora não impugnou os fatos narrados na exordial nem os documentos apresentados pelo Autor de que o internamento solicitado era de emergência devido ao seu quadro clínico.
É dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Analisando a recusa da seguradora quanto à alegada pertinência do internamento em hospital de urgência do menor ora Autor, verifica-se que as cláusulas contratuais indicadas para a cobertura não se enquadram de forma clara no objeto do pedido, nem há qualquer indício de má-fé da autora/segurada, mesmo porque, ainda que o fosse, era da seguradora o ônus de provar o fato impeditivo do direito do autor e ter adotado todas as cautelas, podendo ter exigido outros exames médicos e elaborar laudo demonstrativo da inexistência da emergência ou urgência para o procedimento. Ao contrário, os relatórios médicos de fls. 29 e 30 apontam a urgência do internamento para deter a enfermidade meningite e que o procedimento foi o mais indicado, já que a realização de consultas e exames não foram suficientes para solucionar o problema.
Isso demonstra que quem tem a capacidade de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico responsável pelo tratamento, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao seu paciente em caso de erro ou negligência médica e se a seguradora tinha fontes científicas reais para negar a existência da emergência médica, para negar autorização para o internamento, deveria manter contato com o médico responsável para verificar a situação clínica e médica do consumidor, uma vez que este é a parte hipossuficiente na relação de consumo.
No caso sub exame, diante da análise dos documentos carreados pelo Autor pode-se inferir a existência de situação de emergência que autoriza o procedimento.
Isso porque as situações de emergências e urgências são tratadas de forma diferenciada, inclusive quanto ao prazo de carência, pois, nestas situações, como ocorreu com o autor, uma criança de 4 (quatro) anos de vida, não se discute a existência dos prazos de carências contratualmente estabelecidos ou mesmo de autorização para internação.
Veja jurisprudência neste sentido:
"PLANO DE SAÚDE. PRAZO DE CARÊNCIA. INTERNAÇÃO DE URGÊNCIA. O prazo de carência não prevalece quando se trata de internação de urgência, provocada por fato imprevisível causado por acidente de trânsito. Recurso conhecido e provido." (STJ - RESP 222339 - 28/06/2001 - fonte: Informa Jurídico 27a ed.)”.
“Apelação5469204500
Relator(a): Enio Zuliani
Comarca: Santo André
Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 02/04/2009
Data de registro: 07/05/2009
Ementa: Plano de saúde - Recusa de cobertura de internação de emergência de recém-nascido de 18 dias com crise de bronco-pneumonia, sob a argumentação de estar ele cumprindo prazo de carência - Inadmissibilidade - Situação que exigiu tratamento emergencial, sem incidência da cláusula de carência, manifestamente abusiva diante do valor predominante que é a saúde do recém-nascido - Precedentes do Colendo STJ e desta Egrégia: Corte - Cobertura do tratamento do recém- nascido, nos termos art. 35-C, I, da Lei n° 9.656/98 - Honorários fixados com razoabilidade - Sentença mantida - Não provimento”.

Portanto, a utilização dos serviços nos casos de emergências não pode ser tratada da mesma forma para os demais casos, em que o segurado pode esperar por atendimento sem sofrer risco de lesão grave da sua saúde.
Injusto, como pretendido pelo réu, não autorizar o internamento do autor que se encontrava em situação de emergência.
No caso de urgência ou emergência, há um afastamento da incidência da cláusula que prevê a carência, em face ao disposto no art. 12, § 2o, inciso I, da Lei n. 9.656, de 03.06.98, que regulamenta os Planos de Saúde, conforme transcrevo abaixo:
§ 2º - É obrigatória cobertura do atendimento nos casos:
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional.
§ 3º Nas hipóteses previstas no parágrafo anterior, é vedado o estabelecimento de carências superiores a três dias úteis.”
A jurisprudência vem se posicionando neste sentido, conforme transcrevo abaixo decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

RELATOR: Paulo Sérgio Scarparo
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. HÉRNIA INGUINAL ENCARCERADA. PLANO HOSPITALAR. PERÍODO DE CARÊNCIA. TRATAMENTO DE EMERGÊNCIA. COBERTURA DEVIDA. 1. A carência máxima admitida para tratamentos de casos de emergência - que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente é de vinte e quatro horas (art. 12, V, ¿c¿, da Lei n. 9.656/1998). 2. Nos planos hospitalares, a restrição do atendimento de emergência limita-se ao âmbito ambulatorial.
DATA DE JULGAMENTO: 02/04/2008
PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 09/04/2008

Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está a integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, pratica que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando à parte autora o conseqüente constrangimento de ter negado a transferência e o atendimento médico, pondo a sua vida em risco, o que não ocorreria caso esta fosse mais diligente com os seus clientes.
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo PROCEDENTE a ação para reconhecer a injustiça da negativa da internação solicitada, determinando que a empresa ré arque com o valor total do procedimento de internação de emergência até o restabelecimento completo de sua saúde e concessão de alta médica hospitalar, acrescido de juros legais e correção monetária a contar do pagamento até o efetivo reembolso.
Condeno, ainda, o réu ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 16 de Fevereiro de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
JUÍZA DE DIREITO

Fonte: DPJ Ba 28/03/2011

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