O Juiz “Doutor”

Publicado por: redação
17/05/2011 08:00 AM
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O caso é conhecido, mas vale a reflexão. Em uma Comarca do Rio de Janeiro um cidadão que, por acaso, também é juiz, ajuizou ação pretendendo que, no condomínio onde reside, todos o tratassem por “Doutor”, bem como sua esposa e todos os seus que ali estivessem, conforme citado na sentença do caso, o autor da ação queria que fosse dado “a ele autor e suas visitas o tratamento de ‘Doutor’, senhor’ ‘Doutora’, ‘senhora’, sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos”.

A ação foi julgada improcedente, pois que o Judiciário não encontrou qualquer razão para condenar o condomínio e a outra pessoa indicada na ação no pagamento de “danos morais” por não terem, no passado tratado o juiz como ele entendia ser o correto. Da mesma forma, julgou improcedente o pedido principal quanto à imposição da obrigação de que todos tratassem o juiz e os seus como Doutor, etc.

Algumas questões se colocam aqui. Pode-se falar, em primeiro lugar, sobre o princípio da igualdade consagrado no art. 5º da Constituição, que prevê: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”, e o inciso I do mesmo artigo: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Ora, está mais do que na hora de superarmos a ideia escravagista desse País, segundo a qual a posição que uma pessoa ocupa ou o dinheiro que a mesma possui lhe colocam em posição hierárquica ou diferenciada dos “meros mortais”. Há algum tempo também vimos o reforço desta “tradição”, quando o apresentador de um telejornal, referindo-se aos votos de feliz natal ditos por garis, falou, in verbis: “Que merda: dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho".

Vejam, o que temos é a mesma tradição que teima em não morrer! De um lado, alguém que se sente superior a outros pela função que exerce. De outro, aquele que entende que a função dos garis os colocaria em situação de inferioridade. Num e noutro caso o que há são violações do aludido princípio da igualdade.
O Brasil possui várias tradições, umas boas, outras ruins. Não é porque algo faz parte de (uma de) nossas tradições que merece ser mantida. Fosse assim e as mulheres ainda deveriam ser tratadas como cidadãs de segunda categoria, pois que assim o foi na maior parte de nossa história...

A tradição do “sabe com quem você está falando?” é uma dessas que, definitivamente, há de ser banida do nosso País. A começar por aqueles servidores públicos que, como tais, ocupam funções de serviço à sociedade – e dela recebem seu sustento: Presidente da República, Senadores, Deputados, juízes, promotores, etc.
Como lembrou o julgador daquele caso, o termo “Doutor” possui um uso técnico que apenas poderia ser utilizado àqueles que concluíram “doutorado”. É claro que, no dia-a-dia forense, advogados, promotores e juízes tratam uns aos outros como “doutores”. Mais uma vez, é a força de uma tradição (que, como dito, pode ser repensada, já que não estamos agrilhoados ao passado).

Mas aí há uma diferença clara: os termos são usados no trato público e profissional daqueles.
Outro de nossos graves problemas (outra tradição daninha do Brasil) é a não separação entre o que é público e o que é privado. No âmbito público o tratamento de juízes como doutores pode refletir uma forma de respeito – mútuo – pela dignidade do cargo/função e não da pessoa. Uma vez despido da toga, o que há é um cidadão como outro qualquer, nem mais e nem menos. Pretender que ele seja tratado de forma diferente seria o mesmo que dizer que ele continua sendo juiz 24hs. por dia, o que é absurdo. Repise-se, o que legitima o tratamento que um juiz recebe é o fato da pessoa estar ocupando um cargo público e, a bem da verdade, ao se referir ao “doutor”, tal é dirigido ao “cargo” (juiz da 2ª Vara Cível, por exemplo) do que à pessoa que, durante algum tempo, ocupa a cadeira.

Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia
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