Mantida Liminar, queima de espada em Cruz das Almas (BA ) fica proibida

Publicado por: redação
28/06/2011 01:30 AM
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Inteiro tero da decisão:

 

TRIBUNAL PLENO

Suspensão de Execução de Liminar nº 0008606-22.2011.805.0000-0 em Ação Cautelar de Busca e Apreensão, de Cruz das Almas.

Requerente: Município de Cruz das Almas

Advogado: Bel. Milton de Cerqueira Pedreira

Requerido:Ministério Público do Estado da Bahia

Promotor de Justiça:Bel. Christian Ribeiro de Menezes

D E C I S Ã O

1.0.0 O MUNICÍPIO DE CRUZ DAS ALMAS, por seu advogado, requereu a suspensão dos efeitos da liminar concedida, pela Juíza de Direito da comarca, na Ação Cautelar de Busca e Apreensão nº. 0001047-89.2011.805.0072, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, em que se determinou “a busca e apreensão de todas as espadas em vias de emprego ou queima nas ruas e logradouros públicos desta cidade, seja ou não em dias comemorativos da tradição junina, ainda que em ruas e dias sinalizados como permitidos por nota de interesse geral divulgada pelo Poder Executivo local, por caracterizarem instrumentos utilizados na prática de crime.”

2.0.0 O requerente sustenta que a decisão hostilizada causa grave lesão à ordem e à economia públicas, pelas seguintes razões:

2.0.1 “No que respeita ao Município de Cruz das Almas, as festas juninas já se incorporaram, há décadas, na vida de todos os cruzalmenses e de todos os baianos. É que o São João de Cruz das Almas transcende as fronteiras do município, uma vez que atrai milhares de turistas de vários rincões da Bahia, com destaque de Salvador, e, bem assim, de vários estados brasileiros.”

2.0.2 “Ressalte-se que, entre as atrações dos multicitados festejos, as espadas têm destaque todo especial, se confundindo com o próprio São João local. Ou seja, a queima de espadas incorporou aos costumes dos festejos juninos, tornando destes o símbolo maior portanto, impossível de se dissociar o São João de Cruz das Almas com a queima de espadas.”

2.0.3 “Registre-se que a espada de Cruz das Almas é produto genuíno, no sentido que tem o fabrico próprio pelos moradores do município, sendo que não só a queima, mas a própria fabricação, que é passada de pai para filho, se incorporou na tradição do São João Cruzalmense.”

2.0.4 “Cumpre ainda esclarecer que, com vistas a disciplinar o fabrico e queima de fogos de artifício nas vias públicas do Município de Cruz das Almas, entre outras providências, no primeiro ano do mandato do atual Prefeito foi editado o Decreto n. 267, de 05/05/2005 (doc. 02). E mais, foi sancionada a Lei Municipal n. 28 de 2011, que, na mesma linha do decreto suso, além de disciplinar o fabrico e queima de fogos de artifício, apontando os locais proibidos, declarou a queima de espadas Patrimônio Histórico Cultural.”

2.0.5 “Nesse sentido, a decisão ora guerreada, além de representar malferimento a um costume centenário, o seu cumprimento representará um flagrante prejuízo não apenas para as pessoas pobres que fabricam a espada, mas, bem assim, ao próprio turismo, uma vez que a espada representa o principal atrativo de quem se dirige a Cruz das Almas por ocasião dos festejos juninos, portanto, o prejuízo é, inclusive financeiro, não só para as pessoas que investem na festa mas também para a própria Municipalidade que tem no período junino um dos mais expressivos aumentos de arrecadação tributária.”

3.0.0 Ouviu-se a Procuradoria-Geral de Justiça, que emitiu o Parecer de fls. 51/64, destacando-se, em síntese, que:

3.0.1 “(...) a concessão de uma tutela liminar em ação de busca e apreensão se mostra, realmente, pertinente na medida em que há elementos probatórios suficientes permitindo antever a prática delitógena, como destacado na decisão objurgada (…). Assim, a suspensão da liminar, no caso sub occulis, ao revés do que se afirma na peça incoativa, afrontaria a ordem pública, causando evidentes prejuízos à coletividade, por permitir a periclitação da vida e da saúde de pessoas humanas.”

3.0.2 “Aliás, é conveniente observar que a proteção da ordem pública em testilha diz respeito à proteção do interesse da população, no que tange à sua incolumidade física. Permitir a realização ilimitada da conhecida “guerra de espadas” implicaria em colocar em jogo a própria integridade das pessoas humanas e da coletividade, como um todo, Isto porque, além de oferecer riscos à saúde, o artefato explosivo termina por depredar bens públicos (e privados), como realçado na decisão objurgada.”

3.0.3 “A outro giro, também não se pode invocar o direito à preservação de valores culturais (CF/88, art. 215) como instrumento jurídico para a realização da “guerra de espadas” (…) Até porque não se pode tolerar uma manifestação cultural com o sacrifício da integridade alheia. Mesmo tradições antigas, como a que está sub examine, devem ceder perante a evolução da sociedade, exigindo proteção maior à saúde e à integridade humana.”

3.0.4 “Por derradeiro, afasta-se a suposta alegação de afronta à economia pública. Isto porque não há no pedido formulado qualquer indicação (ainda que indiciária) de qual seria o risco aos cofres públicos. Não se indica, ainda que longinquamente, qualquer necessidade de preservar valores financeiros-estatais.”

3.0.5 E conclui “que deve ser indeferido o pedido de suspensão de liminar, porque ausentes os elementos necessários para a sua concessão”, ao tempo em que, subsidiariamente, caso a suspensão seja deferida, “em um juízo político, de cognição sumária”, requer que o seja, apenas, parcialmente, determinando-se “ao Chefe do Poder Executivo local a imediata regulamentação por Decreto dos locais em que a prática seria possível, indicando, com precisão cirúrgica, os logradouros em que pode ocorrer a prática, sem periclitar o interesse de quem não pretende participar da manifestação.”

É o r e l a t ó r i o.

4.0.0 Inicialmente, ressalte-se que não cabe, no âmbito estreito do pedido de suspensão, analisar-se a juridicidade, ou não, da decisão invectivada, devendo a Presidência do Tribunal ater-se, tão somente, à estreita apreciação dos aspectos concernentes à potencialidade lesiva a um dos bens tutelados pela norma de regência, sob pena de torná-lo sucedâneo recursal.

5.0.0 Trata-se de Ação Cautelar de Busca e Apreensão manejada pelo Ministério Público Estadual “com o intuito de coibir o emprego de artefato incendiário sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”no Município requerente, especialmente em razão da chamada “guerra de espadas” que, tradicionalmente, durante os festejos juninos, acontece na aludida cidade baiana.

6.0.0 O decisum invectivado fundamenta-se em aspectos legais robustos, constantes de diplomas legais diversos, entre os quais destaca-se a Lei nº. 10.826/03 - Estatuto do Desarmamento(art. 16, parágrafo único, III)), o Código de Processo Penal (art. 240, alínea “a”), o Decreto Presidencial nº. 3.665/2000 e o Decreto Estadual nº. 12.163/2010 (art. 14, VI).

6.0.1 O aludido decreto estadual estabelece, in verbis:

“ art. 14 – Ficam proibidos a fabricação, o comércio, no atacado ou varejo, o depósito, trânsito e uso, no território do Estado, dos seguintes fogos:

(…)

VI – bombas com mais de 08 (oito) gramas de pólvora ou material explosivo

(...)

art. 21 – Fica proibido:

(...)

III– soltar fogos de artifício ou pirotécnicos próximo a hospitais, delegacias, quartéis e postos de combustíveis;

IV – soltar bombas, fogos de artifício ou pirotécnicos nas portas, janelas, terraços dando para a via pública.

Art. 22 – Os fogos de classe “A”, “B”, “C” e “D” não podem ser queimados a menos de 350 (trezentos e cinquenta) metros de hospitais, casas de saúde, estabelecimentos de ensino, repartições públicas, casas que comercializam fogos e postos de combustíveis.

(…)

Art. 27 – Os fogos de artifício que forem encontrados em desacordo com as disposições do presente Decreto serão apreendidos e recolhidos, após lavrado o respectivo termo de apreensão com assinatura do responsável pelo produto.

(...)

Art. 29 – A inobservância de qualquer dispositivo do presente Decreto ensejará a aplicação das penalidades cabíveis, na forma do Decreto Federal nº. 3665, de 20 de novembro de 2000, com as alterações decorrentes da Lei nº. 10.834, de 29 de dezembro de 2003.”

6.0.2 Por sua vez, a referida Lei 10.834/2003, denominada Estatuto do Desarmamento, no seu Capítulo IV, estabelece como crime (fato típico):

“Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena: reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa”

6.0.3 Finalmente, tratando-se, o artefato denominado espada, de objeto “que mede cerca de 30 (trinta) centímetros e pesa, em torno de 600 (seiscentos) gramas e é feito de bambu, recheado com pólvora, barro e limalha de ferro”, e diante “da grande quantidade de pólvora socada dentro do bambu”, o Requerido o considera “dispositivo incendiário potencialmente explosivo, de uso restrito, se submetendo a controle pelo Exército”, à luz do disposto no Decreto Presidencial nº. 3665/200, do que não se fez prova.

7.0.0 Verifica-se, portanto, que a decisão de primeiro grau calcou-se em conceitos e classificações estabelecidos, expressamente, na legislação vigente, concluindo que “a questão envolvendo o fabrico, a comercialização e utilização de espadas, principalmente no período de São João, no Município, não pode ser desvinculada do Estatuto do Desarmamento, bem assim, do Decreto Presidencial 3665/2003 e também do Decreto Estadual 12.163/2010.”

7.0.1 Assim, quanto a este aspecto, não há que se falar que a liminar hostilizada ofende a ordem pública, ao contrário, antes a protege, ao impor o respeito ao Princípio da Legalidade.

8.0.0 Por outro lado, constata-se que a Magistrada de primeiro grau, conhecedora da situação fática que envolve o período junino na comarca, restou convencida de que a atuação do Poder Executivo local, a despeito da edição de leis, decretos e notas de interesse público, com vistas à regulamentação da “guerra de espadas”, revelou-se ineficaz, no ano de 2010, para impedir danos à saúde e ao patrimônio dos munícipes.

8.0.1 Com efeito, como destaca a Julgadora, “embora o Prefeito de Cruz das Almas tente regulamentar a guerra de espadas, determinando, através de Decreto Municipal os lugares onde ela se torna proibida, a campanha do ano passado foi um fracasso, devido ao alto número de espadeiros que, desrespeitando as regras, apontavam suas espadas em direção a carros, casas, transeuntes, hospitais, repartições públicas e até postos de abastecimento de combustível. Sem falar nos moradores do centro da cidade que tiveram que fechar com tapumes as suas residências para evitar que estilhaços as atingissem. (…) Registre-se, ainda, que as demais festas populares no país têm espaço físico delimitados, inclusive, as batalhas similares que acontecem em outros municípios do Estado. Merece destaque, por fim, que no ano passado o movimento da Santa Casa de Misericórdia foi intenso, com mais de 220 pessoas queimadas e feridas durante a guerra das espadas, reflexo das batalhas que não respeitaram fronteiras administrativas nem jurídicas.”

8.0.0 Ora, diante de tal quadro, a atratividade turística, ainda que com reflexos positivos na movimentação da economia no município, advinda da tradicional “guerra das espadas”, durante os festejos juninos de Cruz das Almas, não pode se sobrepor à necessidade de proteção à saúde da população, assegurando-se sua integridade física, além do respeito ao patrimônio público e privado.

9.0.0 Finalmente, evidencia-se que o Requerente não se desincumbiu de comprovar as suas alegações de ofensa à ordem e à economia públicas, decorrente da decisão que determinou a busca e apreensão das espadas no município.

9.0.1 Desse modo, a liminar atacada deve ser mantida, integralmente, por ser a que melhor protege o interesse público.

10.0.0 Isso posto, ausentes os requisitos autorizantes do acolhimento do pleito, indefere-se o pedido de suspensão dos efeitos da liminar concedida na Ação Cautelar de Busca e Apreensão nº. 0001047-89.2011.805.0072

10.0.0zzzzzzzzzzzzzzz z Publique-se.

11.0.0 Dê-se ciência, por ofício e fax, à Juíza da causa.

Cidade do Salvador, BA, 22 de junho de 2011.

Desª. TELMA BRITTO,

Presidente do Tribunal de Justiça.

 

Fonte: DPJ BA

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