Justiça Terapêutica reconstrói vidas

Publicado por: redação
25/07/2011 07:00 AM
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Só por hoje continuo limpo. Com esse mantra, inspirado no lema dos Alcoólicos Anônimos (AA), o eletricista Ronildo Edmar da Silva, 29 anos, contabiliza cinco meses sem usar nenhum tipo de entorpecente. Hoje ele está consciente do futuro que quer. “Quero ser engenheiro elétrico”, afirma. Mas, nem sempre foi assim. Na sala do Núcleo Psicossocial Forense (NUPS) do Juizado Especial Criminal Unificado (Jecrim), no centro de Cuiabá, o eletricista conta como a Justiça Terapêutica mudou sua vida.

Ronildo da Silva começou a beber aos 15 anos, conheceu uma garota e sofria por ciúmes. Descontava a dor na bebida. Aos 16 anos, com uma filha e a primeira crise da relação, experimentou cocaína e pasta base. Com altas e baixas na relação teve um segundo filho, mas já não conseguia mais ficar sem se drogar, contribuindo para separar definitivamente o casal. “Não me importava mais com nada, com mulher, filho, emprego, nem comigo”, confessa.

“Minha mãe sofria muito me vendo gastar todo meu dinheiro com drogas, fugindo de casa em busca de cocaína, ficar dias sem tomar banho, sem comer. Estava vivendo sem dignidade. Então ela buscou o Juizado Especial, que me encaminhou ao CAPS [Centro de Atenção Psicossocial]”, conta.

O juiz titular do Jecrim, Mário Roberto Kono de Oliveira, afirma que casos como de Ronildo da Silva são os mais comuns no juizado, que recebe cerca de 400 novos casos por mês. “Cada dependente prejudica de cinco a seis pessoas do seu convívio e essas pessoas acabam buscando uma esperança no Jecrim”, assinala. O juiz explica que usar drogas não é crime, mas portar drogas para o consumo ainda é. Além disso, o uso de drogas geralmente está relacionado a delitos ou crimes de menor potencial, como lesão corporal leve, ameaça, vias de fato, o que acaba levando a autoridade policial a encaminhar o dependente ao Jecrim.

“A droga é um problema de saúde pública que cresce cada vez mais e não está relacionado à classe social, sexo, religião ou qualquer outra diferença”, argumenta o juiz. “A Organização Mundial da Saúde já reconhece que os dependentes são doentes e não criminosos, por isso a Justiça Terapêutica, para o tratamento do individuo e da família, é mais indicada do que uma pena restritiva de liberdade”, completa.

Tratamento - Outro problema, segundo o magistrado, é que não há vagas suficientes para tratamento dos dependentes. “O Estado fornece cerca de 50 vagas, mas só para homens e maiores de 18 anos no Adauto Botelho Unidade 3”, revela. Nesse sentido, a rede de apoio é fundamental para a atuação do juizado. “São parceiros do Jecrim as comunidades terapêuticas, o AA, os Narcóticos Anônimos, entidades religiosas e demais entidades”, cita.

NUPS - O Núcleo Psicossocial Forense funciona no mesmo prédio do Juizado Especial Criminal e atualmente conta com quatro psicólogas e quatro assistentes sociais. Um quadro considerado pequeno tanto pelo magistrado quanto pela equipe. “A demanda é crescente, mas fazemos o possível para atender bem quem nos procura”, diz a assistente social, Nadir Maria Metzer. “Fazemos o acolhimento do dependente e o encaminhamos, após entrevista, a grupos de apoio, como o AA, e para instituições de tratamento. Alguns estão em um grau extremo de vulnerabilidade que precisam inclusive de um lugar para morar”, comenta.

Para a psicóloga do NUPS, Sandra de Figueiredo Abdalla, além do dependente é importante que a família seja ouvida e orientada. O tratamento psicológico é fundamental para o sucesso do processo. “Além de o dependente poder cometer delitos, devido à doença, eles ficam em um estado degradante e acabam debilitados”, pontua. “E saúde é um direito de todos”, assegura.

Legislação – O juiz Mário Kono atua na Justiça Terapêutica desde 2002, quando o projeto foi implantado em Mato Grosso. “Fomos uns dos pioneiros junto com Pernambuco e Rio Grande do Sul”, lembra. De lá pra cá houve muitos avanços, como o Provimento nº 4, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 26/4/2010, que dispõe sobre a atenção ao dependente e aos familiares e determina a formação de equipes multidisciplinar em todas as comarcas para atender esse público.

Porém, na avaliação do juiz é preciso modificar a lei sobre Internação Psiquiátrica Involuntária. “A legislação brasileira só permite internação voluntária, mas há casos que a pessoa está tão dependente da droga que é considerada sem a capacidade total e aí ouvimos os familiares que expressam esse desejo, para fazermos a primeira internação para desintoxicação”.

O juiz destaca que já há jurisprudência para a internação involuntária. “No Estado do Rio de Janeiro já houve decisões com esse entendimento. Mas, uma lei adequada é necessária”, afirma.

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Fonte: TJMT