Medicina de Família e Comunidade: 30 anos de contribuição

Publicado por: redação
05/12/2011 06:48 AM
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Por Gustavo Gusso*

A medicina de família e comunidade completou 30 anos dia 5 de dezembro de 2011. É, portanto uma das especialidades mais antigas no Brasil se considerar que a Comissão Nacional de Residência Médica foi instalada em 1977. O nome original era medicina geral comunitária e foi mudado em 2002 por decisão dos próprios médicos gerais comunitários à época. Esta especialidade chega aos 30 anos em plena forma, muito madura e consciente do potencial que tem para contribuir com a construção de um sistema de saúde universal e equânime.

Ainda hoje no Brasil se discute terminalidade do curso de medicina. É uma discussão que se arrasta há mais de três décadas e que a Europa Ocidental sepultou em 1992 quando constituiu a União Europeia. Como eles mesmos dizem, a graduação deve formar uma célula tronco que não é ativa se não se diferencia. E a graduação tem um grande desafio “terminal” que é formar uma célula tronco de fato totipotente, o que muitas vezes não ocorre.

Uma das possibilidades desta diferenciação é a medicina de família e comunidade. Na Europa Ocidental, Canadá, Nova Zelândia e Austrália esta especialidade hoje corresponde a 30 a 50% das vagas de residência médica. Talvez um dos motivos do não reconhecimento deste fato é que em cada país esta mesma especialidade adota uma denominação diferente como “general practice” na Inglaterra, “medicina geral e familiar” em Portugal, “medicina famíliar y comunitária” na Espanha e “family medicine” no Canadá. Mas é uma epistemologia muito clara, ou seja, se trata da mesma especialidade e de programas de residência com diretrizes muito semelhantes.

Praticamente hoje não é possível a construção de um sistema de saúde público universal e equânime sem a valorização desta especialidade. E ela deve ser feita por todos, profissionais da saúde estabelecidos, academia, gestores, governantes, etc... Mesmo nos países onde há atenção primária forte, com centros de saúde muito bem equipados e plano de carreira ou remuneração e vínculo adequados, os estudantes ainda têm dificuldade para escolher esta especialidade. Como todo problema complexo a explicação é também complexa e passa pelo fascínio tecnológico da maioria das especialidades, afinidade com o ambiente hospitalar e status. Por isso o desafio é de fato de todos, pois hoje sabemos que se não houver regulação os estudantes escolhem áreas como dermatologia e oftalmologia que têm um campo estrito e um apelo comercial.

Neste momento que comemoramos 30 anos, talvez seja importante recordar um termo que deu origem a esta especialidade: “geral”. Mais do que nunca a valorização do especialista “geral” é fundamental. O médico de família e comunidade foca na pessoa e não na doença e é o único especialista ambulatorial que atende sem distinção de sexo, faixa etária ou órgão afetado. Treina exatamente no ambiente que vai depois trabalhar e, desta forma, constitui o profissional mais adequado para fazer o primeiro contato com a população, o que é um fato estabelecido nos países com os sistemas de saúde mais bem avaliados do planeta.

Provavelmente a mudança do nome de médico geral ou clinico geral (sem residência ou titulo de especialista) para medicina de família e comunidade foi prejudicial para a compreensão da população leiga e mesmo profissionais da saúde que se trata do mesmo campo de atuação mas que forma um profissional mais bem preparado e moderno, apto a cumprir esta tarefa árdua de fazer um primeiro contato de qualidade protegendo uma parcela dos pacientes de intervenções desnecessárias, intervindo racionalmente e cientificamente em muitos e referenciando uma minoria no momento adequado e para o local correto.

Hoje aproximadamente metade da população brasileira tem acesso a Estratégia Saúde da Família que conta na equipe com um clínico geral ou médico de família e comunidade. São mais de 32 mil equipes o que faz com que aproximadamente 10% dos médicos do Brasil claramente atuem neste campo. É um número baixo, ainda próximo da realidade de países sem sistemas de saúde organizados e onde se pratica uma medicina comercial e excessivamente intervencionista como os Estados Unidos da América. A meta dos países com sistemas de saúde públicos fortes é ter 50% dos profissionais especialistas em medicina de família e comunidade.

Enfim, o médico de família e comunidade representa no Brasil o autêntico generalista moderno. As residências desta especialidade foram as que mais cresceram de 2004 a 2010 passando de 220 vagas para 660, ou seja, um crescimento de 200%. Está claro que se o país estiver caminhando para a construção de um sistema de saúde cada vez mais público e científico e menos comercial, a especialidade medicina de família e comunidade vai continuar crescendo em tamanho e em importância para a população brasileira.

* Gustavo Gusso - Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
Acesse o Folder de 30 anos da SBMFC

SOBRE A SBMFC

Fundada em 5 dezembro de 1981, a SBMFC – antiga Sociedade Brasileira de Medicina Geral Comunitária (SBMGC), foi uma das primeiras especialidades oficializadas pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) em 1981, e pelo Conselho Federal de Medicina, em 1986, sendo reconhecida como especialidade pela Associação Médica Brasileira (AMB) em 2002.

Esta conquista para o povo brasileiro tem sido a principal bandeira da SBMFC, que defende o acesso universal e igual a todos os cidadãos e que cada família ou cidadão tenha o direito de ter o seu Médico de Família e Comunidade como ocorre na maioria dos países socialmente desenvolvidos.

Neste ano, ao completar três décadas, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), realizou um levantamento e a residência médica em MFC foi a que mais aumentou no País. No período que compreende entre 2004 a 2010 a MFC cresceu 200% em vagas para R1 (passou de 220 para 660), enquanto a ginecologia e obstetrícia aumentou 69%, a medicina interna (chamada no Brasil de clínica médica) 55% e a pediatria 13%.

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