Estado Democrático de Direito ou Estado Ditatorial de Direito?

Publicado por: redação
05/04/2009 08:13 AM
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Por FÚLVIO STADLER KAIPERS

No Brasil, apesar de nossa Carta Política instituir um Estado Democrático de Direito, baseado e sedimentado em princípios universais de Direito, temos visto uma endêmica e reiterada violação de tais princípios e normas fundamentais, chancelada pelos Poderes sob a falsa conservação da ordem, da lei e da justiça. Nada disto é verdade, não há ordem e não há justiça, só há distorção e aplicação do rigor da norma sem observância de princípios norteadores do Direito, o que se transmuta na mais insana injustiça e violação dos direitos humanos e das garantias individuais previstas pela Constituição.

Como bem se tem observado na capital e interior de Pernambuco, o Poder de Polícia do Estado, com a vênia do Poder Judiciário (Poder cujo mister é o de dar justa aplicação e interpretação às normas), extrapola todos limites da juridicidade, violando os princípios básicos, constitucionais e universais do direito, tais como o da igualdade (art. 5.º, I da CF/88), do devido processo legal (art. 5.º, LIV da CF/88), do contraditório e da ampla defesa (art. 5.º, LV da CF/88), da presunção de inocência (art. 5.º, LVII da CF/88).

Observamos todos os dias o aparato policial do Estado posto nas ruas para fazer calar as vozes da liberdade, numa corrida inconseqüente pela Justiça a qualquer preço, realizando prisões arbitrárias e ilegais, conclamando como justificativa e referência as chamadas políticas de tolerância zero, difundida na cidade de Nova York no início dos anos 90, e a operação mãos limpas, na Itália dos anos 80, em resposta ao suposto clamor rouco das ruas, e da busca impensada e insana pela sufocação da criminalidade, em detrimento da violação dos princípios de direito, das garantias individuais e dos direitos humanos.

Tais assertivas não podem e não devem sufocar a atuação do Direito legítimo em sua essência, e transmutar o Estado em estado totalitário, eis que viciadas pela INJUSTIÇA.
A polícia nas ruas, com seu aparato beligerante, espancando estudantes e realizando prisões a toda sorte, representa um verdadeiro retrocesso na Democracia, trazendo à memória cenas próprias do quadro da ditadura militar da República.
A prisão sem o devido processo legal, com a violação das garantias individuais previstas pela Constituição Federal, na qual se enseja a intolerância e truculência do Estado em nome do combate à criminalidade, à sonegação, ao contrabando e outros crimes, é princípio de insegurança jurídica e de violação do Direito. Veja-se que não se está de forma nenhuma a defender os criminosos, mas sim às garantias constitucionais legadas a toda sociedade à qual socorre as normas constitucionais.
O rigor na aplicação da Lei, como conclamam as autoridades constituídas, não é princípio de garantia de Justiça, mas de injustiça, valendo soprar à memória dos esquecidos a máxima latina, advocada no Império dos Césares: summum jus, summa injuria, ou seja, a justiça perseguida a qualquer preço é injustiça sumária, e coloca em risco todo o ordenamento jurídico, toda a sociedade que da liberdade e do Direito é legatária.

Assim, o Poder constituído, ao se olvidar da justa aplicação do Direito, valendo-se de princípios desencontrados aos princípios fundamentais do Direito, constitucionalmente albergados pela Carta Magna da República, transforma a democracia em estado de insegurança, onde o Estado Democrático de Direito se transforma em Estado Totalitário de Direito. O Poder, portanto, deve ser reavaliado, pois excesso de poder é excesso de arbitrariedade e violação de direitos.
O Estado não pode conclamar as arbitrariedades e violações de garantidas individuais, previstas pela constituição, sob a falsa premissa do cumprimento da lei, que pelo fato de ser lei não é sinônimo de Justiça.

O rigor na aplicação da lei é o caminho dos perversos, é primado máximo dos déspotas, discurso da truculência institucional e fundamento de toda ignorância jurídica. Neste sentido é valiosa a lição de Eduardo Couture, conclamando que devemos sempre lutar pelo Direito. Mas quando o Direito entre em conflito com a Justiça, então esqueçamos o Direito e lutemos pela Justiça.

No Brasil não se admite que prevaleçam os interesses do poder constituído, e que o Poder Judiciário de vênia a tantas arbitrariedades. Rui Barbosa, no início do século XX já lecionava que o Juízo de Direito que toda razão vê aos interesses da Fazenda Pública pode ser chamado de fazendeiro, fazendo tal assertiva no seu famoso discurso aos formandos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a Oração aos Moços, onde assim disparou:
Não vos mistureis com os togados, que contraíram a doença de achar sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fazenda; por onde os condecora o povo com o título de fazendeiros. Essa presunção de terem, de ordinário, razão contra o resto do mundo, nenhuma lei a reconhece à Fazenda, ao Governo, ou ao Estado.

Magistrados futuros, não vos deixeis contagiar de contágio tão maligno. Não negueis jamais ao Erário, à Administração, à União, os seus direitos. São tão invioláveis, como quaisquer outros. Mas o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais maldefendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição míngua de recursos.

Preservai, juízes de amanhã, preservai vossas almas juvenis desses baixos e abomináveis sofismas. (BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Editora Martin Claret, São Paulo - SP. 2003. p 54.)
Neste contexto, mister que citemos, ainda, outro instrumento de arbitrariedades, que revestido pela justificativa da celeridade jurisdicional, se mostra como espada pronta a despencar e ceifar os princípios fundamentais do Direito. É a chamada Súmula Vinculante, que cria no Estado Democrático de Direito, um novo poder dentro do Poder Judiciário. Este poder, em termos filosóficos mais apropriadamente, poderia ser definido como o espectro de um superjuiz enquanto poder constituído, onde este poder centralizador, violando o princípio da tripartição dos poderes, faria as vezes de legislador, executor e julgador de suas próprias normas, constituídas pela edição de súmulas de julgamentos das Cortes Superiores, com efeitos vinculantes às decisões dos juízes dos tribunais de 1.ª instância.

Não se pode admitir que os Tribunais Superiores sejam assim concebidos como oráculos imutáveis do saber jurídico, posto que nem o Direito, nem a Democracia, e muito menos a Justiça podem ser atrelados a conceitos fixos de uma minoria, que pretende transmutar a hermenêutica em verdade absoluta.
Não é concebível, portanto, que toda razão assista ao poder e aos detentores do poder constituído, que desvirtuam a todo instante o Direito Pátrio, não sendo, igualmente, concebível a toda sorte o rigorismo da lei, e muito menos a exacerbação e o rigor formal de sua interpretação pelo Poder Judiciário, que toda razão tem dado às distorções legais praticadas e advindas do Fisco e do Poder de Polícia, em sua hermenêutica arbitrária e distorcida de Justiça, se olvidando com freqüência do verdadeiro legatário do direito e da Justiça, que é o Povo, a quem se destinam!

Inadmissível, portanto, que persista a insegurança jurídica que paira diante da questão: Estado Democrático de Direito ou Estado Ditatorial de Direito?

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