Litisconsórcio necessário ativo e a técnica da ponderação: aliados para a resolução de conflitos constitucionais

Publicado por: redação
28/08/2012 12:04 AM
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* Marcio Alves da Paz, advogado do C. Martins & Advogados Associados

Questão de extrema relevância, bastante controvertida em doutrina e jurisprudência, diz respeito à formação do litisconsórcio ativo necessário. Nesta modalidade, a ausência de um dos co-legitimados realmente inviabiliza a propositura da ação? Como a sentença poderá atingir a esfera jurídica daquele que não quis propor a demanda, escorado no princípio da liberdade? E o direito ao acesso à justiça daquele que não pode obter a prestação jurisdicional em razão da relutância do co-legitimado?
Diante da flagrante colisão entre princípios constitucionais, entendemos que a solução mais adequada para a resolução do conflito é, no caso concreto, a valoração dos princípios em choque, utilizando-se da técnica da ponderação. As correntes doutrinárias a respeito do tema se dividem entre a impossibilidade da formação do litisconsórcio ativo necessário, em prestígio ao princípio da liberdade constitucional, e a garantia constitucional irrestrita do acesso à justiça, que obriga o co-legitimado a integrar a relação processual, ainda que contra sua vontade, seja para figurar no pólo ativo ou passivo da demanda.
A jurisprudência dos Tribunais de Justiça, por sua vez, oscila em relação ao assunto, sendo possível encontrar decisões em consonância com as mais diversas correntes doutrinárias. Já o Superior Tribunal de Justiça (STJ) segue a orientação de que ninguém pode ser obrigado a demandar em juízo, salvo em circunstâncias excepcionalíssimas.

Mas é fato que a questão do litisconsórcio ativo necessário envolve nítido choque entre princípios constitucionais. De um lado, o direito à liberdade, consagrado no art. 5º, II, pelo qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. E no outro extremo a garantia do acesso à justiça prevista no inciso XXXV, do mesmo art. 5º, dispondo que “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.”
Partindo-se da premissa de que os princípios constitucionais possuem força normativa e, como tais, são passíveis de entrarem em conflito, caberá ao intérprete utilizar-se do meio adequado para solucionar o impasse diante do caso concreto. E o melhor caminho é lançar uso da técnica da ponderação. Na prática, ela consiste em atribuir um peso valorativo aos princípios em colisão, analisando o caso concreto, evitando o sacrifício total de um em detrimento de outro. Tudo isso em obediência ao princípio hermenêutico da concordância prática ou harmonização, segundo o qual, sempre que o intérprete do texto constitucional encontrar-se em situações onde aparentemente haja concorrência entre valores constitucionais deve buscar, ao máximo, a realização de todos estes sem negar totalmente a eficácia de nenhum deles. A tarefa, como vemos, não é nada simples.
Por mais que a ponderação revele-se como o melhor instrumento para a resolução do choque entre princípios constitucionais, parte da doutrina ainda refuta essa possibilidade. A primeira crítica é de que a ponderação causaria um esvaziamento aos princípios fundamentais, uma vez que os relativiza quando os submete a um juízo de valoração. Por outro viés, há quem considere a ponderação uma técnica inconsistente em razão do alto grau de subjetivismo, já que os magistrados gozariam de exagerada discricionariedade na escolha do princípio prevalente. Por fim, a terceira corrente contrária acredita que a ponderação atribui excessivo poder ao Judiciário em detrimento do Legislativo.

Entretanto, uma análise mais detalhada é capaz de apontar a fragilidade de cada um desses argumentos. Em relação à primeira crítica, de que a ponderação esvaziaria as garantias constitucionais, temos justamente o contrário: ela impede que o esvaziamento aconteça, na medida em que não adota uma hierarquia normativa para os direitos fundamentais sem considerar o caso concreto. A hierarquia absoluta é que faria letra morta dos preceitos constitucionais preteridos, à medida que a coexistência dos princípios impõe a inexorável relativização de cada um para a convivência harmônica entre os mesmos.
A segunda crítica, que prega a ponderação como técnica inconsistente em razão da enorme carga de subjetivismo dos magistrados, também não merece crédito. A própria Constituição traz instrumentos capazes de afastar o excesso de discricionariedade do julgador: a necessidade de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX), e os recursos, corolários das garantias constitucionais do direito de ação, do contraditório e da ampla defesa (arts. 5º, XXXV e LV). Ambos os mecanismos, além de suficientes para combaterem o decisionismo judicial, são parte da estrutura de sustentação do Estado Democrático, na medida em que são instrumentos de participação do povo junto ao Judiciário, que não tem seus membros eleitos pelo voto universal.
A terceira crítica à técnica de ponderação, no sentido de que seu uso consistiria em uma invasão do Judiciário ao espaço do Legislativo, também pode ser facilmente refutada, já que para a ponderação ser utilizada é pressuposto que não exista regra legislativa específica para resolver o conflito entre os princípios constitucionais.
Fica evidente que não há como negar a aplicação da técnica da ponderação. O próprio Supremo Tribunal Federal adota a valoração dos princípios para resolver questões que lhes são submetidas diariamente. Em que pesem as inúmeras opiniões da doutrina a respeito da existência ou inexistência do litisconsórcio ativo necessário, tema sobre o qual não há consenso, entendemos que o julgador, diante do caso concreto, deve lançar mão da técnica da ponderação. Só ela é capaz de superar o inegável conflito entre os princípios do acesso à justiça e da liberdade. Aplicada devidamente, a ponderação funciona como uma espécie de moldura dentro da qual o intérprete exercerá seu senso de justiça. E serão sob esses argumentos, que se apresentam mais próximos dos anseios da sociedade, que teremos a tão defendida promoção do bem-estar social e a definição mais completa da dignidade da pessoa humana.

* Marcio Alves da Paz é advogado do escritório C.Martins & Advogados Associados, pós-graduado em Direito Privado e Civil pela Universidade Cândido Mendes.

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