O Brasil vai rolezar

Publicado por: redação
23/01/2014 06:07 AM
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Luiz Holanda
O chamado “rolezinho”, diminutivo que expressa a forma pela qual um grupo de jovens, marginalizados e encastelados na periferia, contesta a sociedade de consumo, significa, também, o poder de pressão que uma simples plataforma de relacionamento pode oferecer. Começou no final do ano passado, precisamente no dia 7 de dezembro, quando um grupo de adolescentes, atendendo a uma convocação feita através das redes sociais, se reuniu num shopping frequentado por consumidores de baixa renda no bairro de Itaquera, periferia de São Paulo.

A convocação era para ouvir música e fazer barulho, sem qualquer outra conotação, senão, talvez, uma espécie de crítica ao apelo consumista desses estabelecimentos comerciais. Tudo ia acontecendo normalmente, de forma pacífica e sem qualquer sobressalto quando um Shopping Center de luxo, na iminência de receber um rolezinho, recorreu à justiça para impedi-lo. A liminar concedida pelo juiz permitiu que o estabelecimento fizesse uma triagem de seus visitantes, com o apoio da polícia militar e civil, que, armada com fuzis, deu início à repressão.

Em outro shopping – no mesmo momento-, a polícia utilizava balas de borracha e spray de pimenta para reprimir idêntica manifestação. A partir daí o clima passou de brincadeira de adolescente a tensão social. Como no Brasil a insatisfação é tamanha que basta uma fagulha para provocar um incêndio, o fenômeno do rolezinho, que por enquanto é apenas uma brincadeira, pode se transformar numa manifestação de natureza política, capaz de incendiar o país. Os manifestantes do ano passado, que desde aquela época prometeram sair às ruas em 2014, estão apenas aguardando o momento para engrossar a fileira. Quando isso acontecer, a impopular Copa do Mundo, a corrupção e outras mazelas deverão vir à tona.

Por enquanto, os integrantes do rolezinho são apenas adolescentes; não usam máscaras do revolucionário Guy Fauwkcs nem se apresentam fazendo reivindicações políticas. Do ponto de vista cultural, cursam o primário ou o colegial, e estão na faixa etária entre 16 e 18 anos. Já os manifestantes de junho passado tinham entre 21 e 35 anos e possuíam, em sua grande maioria (78%), curso superior. Não podemos esquecer que a justiça, ao conceder a liminar proibindo o evento, o considerou contrário à lei, impedindo a juventude de rolezar, palavra que, na linguagem popular, significa passear ou dá uma volta.

O entendimento de que o abuso de direito sob a máscara de ato legítimo esconde uma ilegalidade já é jurisprudência. Com efeito, o artigo 187 do nosso Código Civil considera como ilícito o ato praticado de forma exorbitante, extrapolando os limites permitidos pela lei, que considera como abuso de direito exceder os limites impostos pelo fim social do seu exercício. No momento em que esses estabelecimentos começam a selecionar quem neles pode entrar, a interpretação da lei passa a ser a que considera esse ato uma violação da liberdade de locomoção, considerada por nossa Constituição como um direito fundamental do cidadão.

A União dos Núcleos de Educação de Negros e Afrodescendentes (Uneafro), já se manifestou nesse sentido. Para ela, o rolezinho é um movimento a favor do pobre, do funk e de quem que ir a um shopping com a namorada apenas para fazer um “rolê”. Segundo essa entidade, a reação policial nada mais é que o opressor mostrando a cara que olha o preto e o pobre como marginais. Se essa reação transformar a brincadeira em manifestação política, o Brasil inteiro vai rolezar; só que, desta vez, de forma bem diferente.

Luiz Holanda é advogado, professor universitário e membro do Conselho de Ética da OAB/BA.

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