As letras e as redes sociais

Publicado por: redação
20/02/2014 09:17 AM
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* Amadeu Garrido

O ser humano superou os demais sobre a terra graças à linguagem. Sem ela, seriam incomunicáveis, como os outros animais. Ainda assim, considerado nosso passado recente, de alguns séculos, nossa linguagem é precária. Os desvios de nossa comunicação, de nossos contratos, de nossas leis, de nossos tratados internacionais, fazem com que essa precariedade exija interpretrações. E muitas delas, como é sabido, são mais instrumentos de interesses secundários que do bem comum e da felicidade humana.
Cientes disso, nossos melhores pensadores trataram de aperfeiçoar em grau máximo a linguagem, por meio do palavrear lógico, da sintaxe coerente; as expressões foram tipificadas e classificadas, para que de seu entrosamente adviesse um todo harmônico, capaz de não deixar dúvidas no espírito de quem ouve ou escreve. Não é possível transigir em relação ao emprego correto da linguagem, porque dele, sem exagero, depende nosso sentido de compreensão interindividual e social, é dizer, a vida aprazível em sociedade.
Essa característica básica e única da vida humana se fez imprescindível antes das matemáticas, da geometria, da astrologia, da física e de todas as demais ciências que nos tornaram esse ser inteligente e evoluído; uma palavra incorreta pode fazer despencar uma conquista científica ou um ajuste político do qual dependa a paz entre os homens, apenas para ficar em exemplos magnos.
Dessa responsabilidade ante a vida adveio o rigor das expressões dos homens de espírito, especialmente do literatos. Fernando Pessoa não tolerava as derrapagens do idioma: "(...)Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que me não incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não que não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata (...), como um escarro direto que me enoja independentemente de quem o cuspisse". ("O livro do desassossego, p. 62). E Borges: "Arrasado o jardim, profanados os cálices e as aras, entraram a cavalo os hunos na biblioteca monástica e destruíram os livros incompreensíveis, vituperaram-nos e os queimaram, provavelmente temerosos de que as letras encombririam blasfêmias contra seus deus, que era uma cimitarra de ferro". ("Os Teólogoas, ob. compl., p. 207).
A rede social adquiriu dinamismo incomparável com os jornais, revistas e livros. A velocidade das comunicações eletrônicas torna tudo instântaneo. No entanto, a maioria das mensagens é cifrada, obstada, partida. Sabe-se que grupos combinam encontrar-se em determinados lugares, na ansiedade dos despropósitos, das loucuras urbanas. O pensamento rende seu lugar a um instinto básico. Daí o resultado de inúmeros desatinos que formam nossa paisagem social contemporânea.
A comunicação imediata e esquálida não combina com a evolução dos povos. De certo modo, essa característica produziu nossas imagens das jornadas de junho, um vendaval sem norte. Há uma grande batalha pela frente, da melhor imprensa, das editoras, dos escritores, dos educadores e sobretudo dos leitores, homens dispostos até mesmo a entregar sua vida a ideais, desde que expressos pelo domínio da linguagem do saber.
*Amadeu Garrido de Paula é advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho e fundador da Garrido de Paula Advocacia.

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