Desª. Maria do Socorro Barreto Pimentel, do TJBA, determina que AMS Saúde autorize internamento de portadora de obesidade mórbida

Publicado por: redação
21/02/2011 03:00 AM
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Desª. Maria do Socorro Barreto Pimentel, do TJBA, determina que AMS Saúde autorize internamento de portadora de obesidade mórbida

Salvador 21/02/2011 Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela Belª. Gislene Farias Almeida da Silva em favor de Maria Madalena Santos Franaca da Silva contra decisão proferida pela Juíza da 1ª Vara Cível de Salvador, que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer cumulada com pedido de Tutela Antecipada, registrada sob o n° 0118571-63.2010.805.0001, reservou-se para apreciar a pretensão antecipatória, após a citação. Alega que a agravada ingressou com uma ação ordinária de obrigação de fazer, objetivando ordem judicial de internação em uma clínica especializada em tratamento de obesidade grau III, tendo a magistrada, equivocadamente, reservado-se para apreciar a liminar após a citação, sem atentar para a urgência da medida pleiteada, pois, conforme os documentos acostados aos autos, a demandada, ora agravante, é portadora de obesidade mórbida grau III, com comorbidades graves, tais como: diabetes mellitus, dislipidemia, roncopatia, fasceite plantar+esporão. Sustentou, ainda, que o seu quadro clínico requer cuidados especiais por se tratar de uma pessoa idosa, sendo que o não atendimento, de logo, da prescrição médica de internação em clínica especializada em tratamento de obesidade, poderá colocá-la em situação de risco de morte, conforme relatório médico acostado às fl. 48/49.

Contrariando a decisão "a quo",  a relatora Desª. Maria do Socorro Barreto Pimentel, da Segunda Câmara Cível, do Tribunal de Justiça da Bahia afirma: De tudo o quanto acima dito em apertadíssima síntese, é de se observar que a aplicação dos direitos fundamentais prestacionais nas relações privadas encontra outros condicionamentos capazes de limitá-los em maior medida do que se tivessem de ser aplicados numa relação envolvendo o Estado, até porque a ordem econômica brasileira, assentada no primado do capital e da livre iniciativa privada, não suportaria substituir-se ao Estado em suas obrigações sociais, sem uma contrapartida financeira, pois não vive ela de tributos e sim de negócios lucrativamente legítimos.Desse modo, com fulcro no art. 557, § 1º, c/c o art. 527, III do CPC, DOU PROVIMENTO AO PRESENTE AGRAVO, para conceder a antecipação pleiteada e autorizar o internamento da agravante na clinica de Obesidade ltda, em Catu de Abrantes, Camaçari, À EXPENSAS DA AGRAVADA, ficando a eficácia deste provimento condicionada a apresentação mensal, por parte da agravante, de relatório médico circunstanciado do seu quadro e evolução clínicos, conjugado com a declaração de permanência ou não do risco de morte, ambos elaborados pela mencionada clínica, consoante fundamentação supra. Veja abaixo o inteiro teor da decisão.

DL/mn


Inteiro Teor da Decisão:

SEGUNDA CÂMARA CÍVEL – TJBA

AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 00001047-14.2011.805.0000-0 DE SALVADOR

AGRAVANTE: MARIA MADALENA SANTOS FRANCA DA SILVA

ADVOGADOS: GISLENE FARIAS ALMEIDA DA SILVA E OUTROS

AGRAVADA: AMS – ASSISTÊNCIA MULTIDISCIPLINAR DE SAÚDE

RELATORA: DESA. MARIA DO SOCORRO BARRETO SANTIAGO

D E C I S Ã O

Trata-se de Agravo deInstrumento com pleito de antecipação parcial dos efeitos da tutela final, interposto por Maria Madalena Santos Franca da Silva, em face da decisão proferida pela MM Juíza da 1ª Vara de Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais de Salvador, que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer cumulada com pedido de Tutela Antecipada, registrada sob o n° 0118571-63.2010.805.0001, reservou-se para apreciar a pretensão antecipatória, após a citação, fl. 46.

Alega que a agravada ingressou com uma ação ordinária de obrigação de fazer, objetivando ordem judicial de internação em uma clínica especializada em tratamento de obesidade grau III, tendo a magistrada, equivocadamente, reservado-se para apreciar a liminar após a citação, sem atentar para a urgência da medida pleiteada, pois, conforme os documentos acostados aos autos, a demandada, ora agravante, é portadora de obesidade mórbida grau III, com comorbidades graves, tais como: diabetes mellitus, dislipidemia, roncopatia, fasceite plantar+esporão. Sustentou, ainda, que o seu quadro clínico requer cuidados especiais por se tratar de uma pessoa idosa, sendo que o não atendimento, de logo, da prescrição médica de internação em clínica especializada em tratamento de obesidade, poderá colocá-la em situação de risco de morte, conforme relatório médico acostado às fl. 48/49.

Após um longo arrazoado sobre o respeito que se deve tributar ao princípio da dignidade humana e ao direito à saúde, valores de extração constitucional, e sobre a legislação infraconstitucional relacionada ao tratamento de obesidade mórbida em regime de internação, acrescendo que a agravante não pode se submeter a cirurgia bariátrica por se tratar de pessoa idosa e com desequilíbrios clínicos que desaconselham a referida intervenção, pugna pela concessão da antecipação dos efeitos da tutela final, no sentido de que seja determinada a sua internação na Clínica de Obesidade LTDA, situada na Estrada do Coco, Km 08, Lote 2201, Catu de Abrantes, Camaçari, pelo período de 150 (cento e cinqüenta) dias, haja vista que a agravada não dispõe de clinica credenciada que forneça o mesmo serviço.

É o relatório.

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do presente agravo de instrumento e conforme a sistemática do art. 527 do CPC, passo ao exame do mérito recursal, porque presente uma das hipóteses previstas no art. 557 do mesmo diploma legal.

Esta relatora, em tema idêntico ao que se discute nestes autos, alçado nos autos do agravo de instrumento nº 0016287-77.2010.805.0000-0, vislumbrou a possibilidade de internação para tratamento de obesidade mórbida, ainda que o plano de saúde não preveja tal benefício, com o seguinte fundamento.

“O tema discutido nestes autos, ao contrário do que aparentemente pode parecer, não é de fácil solução. Não pela aplicação das normas que concretizam o direito fundamental à saúde, frente às limitações de ordem legais e/ou regulamentares relativas a prestações estatais, destinadas a socorrer do infortúnio das patologias, aqueles que carecem de condições materiais mínimas à manutenção de sua própria existência. Nessa temática, o dever prestacional do Estado se evidencia, com nitidez, pela simples leitura do art. 196 do CF/88. O Pretório Excelso, em tema relacionado ao fornecimento de medicamento, de grande comunhão com o que se discute nestes autos, deixa a marca do irrecusável compromisso estatal, em qualquer esfera da federação, para com o direito à saúde, não podendo o poder público demitir-se desse encargo constitucional, sob pena de incidir em “gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (STF - AgReg em RE nº 393175, 2ª T, Rel. Min. Celso de Mello, Julgado em 12/12/2006 e Pedido de Suspensão nº 4229, Ministro César Peluso).

O tema deduzido nos autos, no entanto, é diverso. Relaciona-se com a intervenção judicial em relação de consumo, envolvendo pessoa física e entidade privada que oferece plano de saúde, cujo objeto litigioso é a pretensão de acesso do beneficiário do plano a determinado tratamento médico não coberto pelo correspondente Regulamento, ou mesmo a tratamento diverso daquele que o plano alberga. Não se desconhece a aplicação dos direitos fundamentais entre atores privados, conforme deixou assente o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 201819/RJ. Contudo, os direitos prestacionais, como o é o direito à saúde, sempre teve e continua tendo, primordialmente, o Estado como destinatário passivo da obrigação, porque implica no desfrute de serviços e bens que demandam aportes financeiros sem que, necessariamente, tenha o beneficiário a obrigação de contribuir com o sistema. Impensável essa situação nas relações travadas entre a saúde privada e os seus beneficiários, que estabelecem vínculos sinalagmáticos e comutativos e não puramente prestacionais. A par disso, que já é relevante, acresça a presença da autonomia da vontade que, no âmbito da aplicação dos direitos fundamentais entre particulares, exerce significativa influência no sopesamente dos valores em jogo.

De tudo o quanto acima dito em apertadíssima síntese, é de se observar que a aplicação dos direitos fundamentais prestacionais nas relações privadas encontra outros condicionamentos capazes de limitá-los em maior medida do que se tivessem de ser aplicados numa relação envolvendo o Estado, até porque a ordem econômica brasileira, assentada no primado do capital e da livre iniciativa privada, não suportaria substituir-se ao Estado em suas obrigações sociais, sem uma contrapartida financeira, pois não vive ela de tributos e sim de negócios lucrativamente legítimos.

Assim, a priori e abstratamente não se pode ter como prevalente a pretensão de o beneficiário do plano de saúde privada ter acesso a determinados tratamentos, quando a eles se opõem uma ordem normativa legítima, que, conjugada com os elementos fáticos do caso concreto, mostra-se capaz de obstar a concretização do pretenso direito, SEM, CONTUDO, ANIQUILAR O SEU NÚCLEO ESSENCIAL, que, na hipótese, é a garantia de proteção à saúde. Limitar é possível; o que não se admite em tema relacionado à saúde é o total afastamento de sua garantia.

A hipótese dos autos revela esse contraste: de um lado o direito fundamental à saúde e a proteção que a Constituição Federal vigente outorgou aos consumidores em suas relações jurídicas; do outro a ordem econômica, fundada na propriedade privada, no caráter normativo e regulador da intervenção estatal, no primado do capital e do lucro legítimo, assim como na livre iniciativa, esta, por sua vez, consagrada como princípio fundante da República Brasileira, nos termos dos arts. 170, 174 e 1º, IV da CF/88”.

In casu, os fatos aduzidos demonstram que a agravante é uma senhora de 59 (cinqüenta e nove) anos, portadora de obesidade mórbida e que apresenta comorbidades, constituindo, segundo o relatório médico da Drª Isadora Vergne Alonso, CRM 11822-BA, “um conjunto de fatores de riscos cardiovascular, relacionados especialmente à deposição de gordura visceral denominado de síndrome metabólica”, fls. 48/49.

Não é possível, ainda, verificar se a agravada dispõe, em seu quadro de benefícios, do serviço de internamento para tratar obesos mórbidos, pois não houve tempo hábil para que ela apresentasse a sua defesa, juntamente com os documentos pertinentes. Contudo, diante dos valores que estão em disputa, a ausência de defesa da agravada não impede seja apreciada a pretensão, nos termos alçados nas razões recursais.

A médica endocrinologista, responsável, FRISE-SE, RESPONSÁVEL pelas informações e conclusões contidas no relatório médico acima mencionado, após constatar a existência de parâmetros clínicos que põem a vida da agravante em perigo, ressaltando a inocuidade de tratamentos anteriores, receitou o internamento “como única alternativa já que foram feitas outras tentativas sem êxito”, deixando ainda consignado que “devido as condições psicológicas existentes, a paciente encontra-se impossibilitada de cirurgia bariátrica”, fls. 48/49.

Relevante, também, o Laudo Psicológico colacionado às fls. 53/54, onde ficou constatado que, após aplicação de exames específicos, a agravada tem “possui dificuldades em lidar com as limitações físicas, também ocasionadas pela obesidade de alto grau, o que eleva a sua ansiedade, consequentemente, influencia de forma negativa a sua auto-estima”.

Quem conhece o paciente e sabe do que ele precisa é o seu médico. Eventuais ‘diagnóstico’ em abstrato não tem aptidão para direcionar um tratamento. Diagnóstico pressupõe conhecimento do paciente e dos seus males. Textos científicos ajudam em um bom diagnóstico, mas nada diagnosticam. Assim, o relatório elaborado pela médica da agravante, fls. 48/49, reconhece a internação como um tratamento imprescindível, o que deve ser levado em consideração para efeito de avaliação do direito pleiteado, até porque inexistem nos autos elementos que indique, com a segurança necessária, que a agravante pode ser tratada em regime ambulatorial.

Sendo a internação a única alternativa de tratamento para se evitar o perecimento da vida da agravante, certo é que não poderá a agravada furtar-se da cobertura do mencionado tratamento, superpondo à vida da agravante óbices de ordem patrimonial ou de conformação infraconstitucional, SALVO SE DEMONSTRAR QUE OFERECE TRATAMENTO DE INTERNAÇÃO EM ESTABELECIMENTO CREDENCIADO. A preservação da vida, em tempos de paz, é a maior das garantias em um Estado Constitucional Democrático; é um valor que antecede aos demais, sem o qual nenhum outro teria sentido.

A fim de preservar, o tanto quanto possível, a autonomia da vontade dos contratantes, evitando o esvaziamento total do seu núcleo essencial, que é o respeito às limitações legítimas que fazem as partes no ato de contratar, deve a agravante, mensalmente, apresentar relatório médico circunstanciado do seu quadro e evolução clínicos, conjugado com a declaração de permanência ou não do risco de morte, ambos elaborados pela Clínica de Obesidade ltda, sob pena de se firmar a convicção da desnecessidade da permanência do internamento, fazendo por sucumbir, consequentemente, a eficácia do provimento objurgado.

Desse modo, com fulcro no art. 557, § 1º, c/c o art. 527, III do CPC, DOU PROVIMENTO AO PRESENTE AGRAVO, para conceder a antecipação pleiteada e autorizar o internamento da agravante na clinica de Obesidade ltda, em Catu de Abrantes, Camaçari, À EXPENSAS DA AGRAVADA, ficando a eficácia deste provimento condicionada a apresentação mensal, por parte da agravante, de relatório médico circunstanciado do seu quadro e evolução clínicos, conjugado com a declaração de permanência ou não do risco de morte, ambos elaborados pela mencionada clínica, consoante fundamentação supra.

Publique-se.

Salvador, 17 de fevereiro de 2011.

DESA. MARIA DO SOCORRO BARRETO SANTIAGO

RELATORA

Fonte: DPJ BA 18/02/2011

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