RESPONSABILIDADE DE PROTEGER - Negligenciar será pior

Publicado por: redação
18/03/2011 11:40 PM
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Negligenciar será pior

Guilherme Stolle Paixão e Casarões*

“Cada Estado tem a responsabilidade de proteger suas populações de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade”. Este é o pilar fundamental da norma Responsabilidade de Proteger, acordada pelos países-membros das Nações Unidas em 2005. Caso as autoridades de um Estado falhem na provisão de parâmetros mínimos de segurança aos seus cidadãos, a comunidade internacional assume o dever de proteger populações que sejam objeto de atrocidades em massa. Tal tarefa sempre deve se dar por meios pacíficos em primeiro lugar, mas uma ação concertada de caráter militar pode ser empreendida, devidamente autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU (CSNU), caso a ajuda humanitária mostre-se inadequada.

À luz desta norma universal, devemos refletir sobre a crise humanitária que observamos na Líbia. Ela se distancia dos episódios correlatos da Tunísia e do Egito por duas razões. Primeiro, não há qualquer indício de que o coronel Kadafi, há quatro décadas no poder, abrirá mão do seu cargo. Palavras como ‘transição’ ou ‘negociação’ simplesmente inexistem no vocabulário da crise líbia. O ditador chegou a afirmar, em pronunciamento à TV estatal, que “morrerá como um mártir” e utilizará a violência contra aqueles que queiram destruir a unidade do país.

Em segundo lugar, Kadafi parece querer conferir um novo sentido à ideia de “repressão violenta” a manifestações populares. No lugar de cassetetes, bombardeios aéreos: os atos bárbaros do governos chegaram a um nível de desproporção dignos dos mais ferozes autocratas do século XX, com a diferença de que, em plena era das mídias sociais, a opinião pública mundial recebe essas informações em tempo real.

Considerada a gravidade da situação, a pergunta, agora, é como a comunidade internacional pode agir. O CSNU aprovou, por unanimidade, um pacote de sanções em fins de fevereiro – incluindo embargo de armas e congelamento de recursos financeiros – como forma de minimizar a repressão aos opositores do regime. O resultado não tem sido satisfatório, e o confronto entre rebeldes e governo já é praticamente uma guerra civil. Além disso, o ditador já sobreviveu a embargos semelhantes no final da década de 1980, quando o governo líbio foi acusado de patrocinar um atentado terrorista num voo da PanAm sobre a Escócia.

Autoridades francesas e britânicas têm defendido a instauração de uma zona de exclusão aérea (no-fly zone) na região costeira e mais povoada do país. Embora seja uma solução paliativa, já que grande parte da repressão é feita por mercenários em terra, ela pode evitar mais episódios como aqueles que chocaram a comunidade internacional, em que civis são abertamente bombardeados por caças do governo. É natural que a decisão de uma zona de exclusão, para ser legítima, seja aprovada pelo Conselho de Segurança, conte com apoio regional (notadamente a União Africana e a Liga Árabe) e não represente a intenção de um país ou de um grupo específico, como ocorreu na malfadada invasão do Iraque em 2003.

Aprovar uma zona de exclusão no âmbito do Conselho de Segurança não é simples. Hoje, a proposta encontra resistência expressa de China e Rússia – a primeira, por defender incondicionalmente a soberania líbia (e, por extensão, impedir que qualquer crítica seja tecida acerca dos próprios métodos chineses de repressão social); a segunda, por querer evitar um precedente no âmbito multilateral que poderá colocar em risco as ações russas em zonas geopoliticamente sensíveis, como a Chechênia ou a Geórgia. Até mesmo os Estados Unidos relutam em propor ações mais duras contra Kadafi, sob pena de serem – mais uma vez – denunciados como a potência imperialista contra os árabes, incitando uma onda de violência contra os EUA que o governo Obama se esforça para evitar.

Na medida em que o estabelecimento de uma zona de exclusão – que, no limite, não deixa de ser um ato de guerra – passa a ser amplamente referendada, refletindo a percepção da comunidade internacional de que a situação de violência na Líbia transformou-se numa calamidade humanitária, é mais fácil demover algumas potências de sua posição relutante e abrir caminho para uma ação concertada, legítima e eficaz. O mundo já pagou o preço da negligência, por exemplo, em Kosovo e em Ruanda. Ignorar o que ocorre na Líbia não me parece, portanto, uma alternativa.

*Guilherme Stolle Paixão e Casarões é professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC).

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