CASSI CONDENADA - Júiza Marielza Brandão Franco da 29ª Vara Cível de Salvador, condenou a Cassi Saúde

Publicado por: redação
27/03/2011 10:30 PM
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Júiza Marielza Brandão Franco da 29ª Vara Cível de Salvador, condenou a Cassi Saúde

Inteiro teor da decisão:

0032547-08.2005.805.0001 - Ação Civil Coletiva

Autor(s): Gilca Silva Martini

Advogado(s): Diego Luiz Lima de Castro

Reu(s): Cassi Saude Familia

Advogado(s): Celson Ricardo Carvalho de Oliveira

Sentença: Vistos etc,

GILCA SILVA MARTINI, devidamente qualificado nos autos, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA COM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA CASSI SAÚDE FAMÍLIA, também já qualificada, aduzindo em síntese que celebrou contrato de seguro de saúde com a Ré e que sendo portadora de um tumor cerebral denominado Menigeoma necessita realizar cirurgia incluindo os seguintes instrumentos: quatro unidades de Helitene, duas de Cimento Ósseo, três de Placa em Titânio, seis de mini parafusos em titânio e uma unidade de dura “Duragen”. Contudo, alguns materiais não foram atendidos. Alega que a negativa foi ilegal e pede a antecipação de tutela para obter autorização para o procedimento com todos os materiais necessários. Juntou os documentos de fls. 17/26.
Liminar concedida às fls. 29/30.
Citada, a ré apresentou contestação às fls. 61/79, argüindo em preliminar incompetência absoluta do juízo em razão da matéria. No mérito sustentou que o procedimento não foi autorizado porque após a seguradora analisar os laudos e exames realizados pelo autor, constatou que a solicitação de determinados materiais não apresentava justificativa clínica que viesse a demonstrar a sua efetiva necessidade, haja vista a existência de materiais semelhantes de produção nacional e não estrangeira.
Aduz, ainda, que não há cobertura para o procedimento e que o contrato foi assinado pelo Demandante, tendo este declarado a ciência de todas as cláusulas. Pede a improcedência do pedido, juntando os documentos de fls. 80/110.
Réplica às fls. 112/125.
A Audiência de Conciliação de fls. 135 não obteve êxito, sendo os autos remetidos para análise final.

Relatado, decido.

A Demandante pretende ser ver reconhecido o seu direito de cobertura do procedimento solicitado para realização de cirurgia contra um tumor instalado em seu cérebro com inclusão de determinados instrumentos determinados pelo seu médico. No entanto, o Plano de Saúde Demandado recusou-se a cobrir certos materiais sob o argumento de que se tratava de procedimento desnecessário e excluído da cobertura contratual.
A preliminar em que a parte ré alega a incompetência deste juízo é matéria superada e não tem qualquer respaldo legal, pois os contratos de saúde estão elencados entre aqueles que se caracterizam como relação de consumo e por isso a presente demanda deve ser analisada sobre a égide do CDC, uma vez que as transações desta natureza se enquadram no conceito previsto na legislação especial e, porque é flagrante a relação de hipossuficiência do consumidor em relação a demandada, pelo que a rejeito.
No mérito, O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, desautorizar o médico por ela mesmo credenciado, que acompanhava e assistia a autora, ao confessar que negou autorização a realização do procedimento porque determinados materiais seriam desnecessários à cirurgia.
No entanto, nem com sua contestação nem quando da audiência de conciliação, a seguradora trouxe aos autos qualquer documento e outro meio de prova que sustentasse a justiça da recusa por não existir justificativa clínica que viesse a demonstrar a sua efetiva necessidade de utilização no procedimento cirúrgico solicitado. Mesmo porque, é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Analisando a recusa da seguradora quanto à alegada pertinência dos materiais para o procedimento cirúrgico, não havendo qualquer indício de má-fé do autor/segurado, mesmo porque, ainda que o fosse, era da seguradora o ônus de provar o fato impeditivo do direito do autor e mesmo, quando da negativa do procedimento, ter adotado todas as cautelas, podendo ter exigido outros exames médicos e elaborar laudo demonstrativo da inexistência daquele tipo de recurso para a cirurgia, o que não o fez.
Isso porque quem tem a obrigação de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico responsável pela cirurgia, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao seu paciente em caso de erro ou negligência médica e se a seguradora tinha fontes cientificas reais para negar a cobertura técnica do procedimento deveria manter contato com o médico responsável para resolver o problema e para que fosse verificada a situação clínica e médica do consumidor, uma vez que este é a parte hipossuficiente na relação de consumo.
Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está a integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, pratica que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual, não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando a autora o conseqüente constrangimento de ter que conviver com os sintomas da doença por vários meses, o que não ocorreria caso esta fosse mais diligente com os seus clientes.
A jurisprudência socorre a pretensão da autora:

APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO SAÚDE. EXCLUSÃO CONTRATUAL.
PRÓTESE. Marcapasso. Aparelho indispensável à vida do consumidor.
Limitação indiscriminada de cobertura de despesas médico-hospitalares,
inviabilizando o tratamento do autor. Cobertura de todo o tratamento e
cirurgias. Aplicação da Lei 8.078/90. Aplicação dos princípios da
dignidade da pessoa humana e direito à saúde. Recurso improvido.
(Apelação Cível n. 22.295/2005, em que foi relator o Desembargador
sidney Hartung).

“(...) Cláusula contratual que nega cobertura para procedimento médico
regularmente indicado por profissional médico como necessário à saúde
do segurado é abusiva e deve ser considerada como não-escrita. A
negação de cobertura caracteriza prática abusiva, porque objetiva a
transferência de seus riscos, como fornecedora, para o consumidor,
rompendo a boa fé objetiva que deveria preponderar na relação,
perdendo-se a transparência que, aparentemente, havia na relação
contratual, desrespeitando-se, também, os princípios da proteção à vida e
à saúde do consumidor, à sua dignidade aos seus interesses
econômicos, tendo em vista que deixou de receber a contrapartida que
pagou. Recurso a que se dá provimento em parte”. (Rec. 29590-6/1999.
Julgado em 02.08.2000. Rel. Juiz ESERVAL ROCHA)

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER –
FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DENOMINADO "STENT" PARA
A REALIZAÇÃO DA CIRURGIA CORONARIANA DA AUTORA –
CLÁUSULA CONTRATUAL QUE NÃO EXCLUI O FORNECIMENTO
DESSE MATERIAL – INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO DE ADESÃO
– RELAÇÃO DE CONSUMO – OBRIGAÇÃO RECONHECIDA –
RECURSO PROVIDO – De acordo com os artigos 47 do Código de
Defesa do Consumidor e 423 do CC/02, no contrato de adesão as
cláusulas devem ser interpretadas em favor do aderente, sobretudo
quando a relação jurídica existente entre as partes está subsumida
à legislação consumerista. A partir dessa premissa, afigura-se ilegal a
conduta da requerida em se negar a fornecer o equipamento
denominado "Stent" para a cirurgia coronariana que a consumidora
teve de se submeter, quando não existe expressamente no contrato
de prestação de serviços médicos a exclusão desse material”.
(TJMS – AC 2003.009547-0/0000-00 – Campo Grande – 3ª T.Cív. – Rel.
Des. Oswaldo Rodrigues de Melo – J. 22.11.2004) JCDC.47
JNCCB.423) – grifos não originais.

Com efeito, a não cobertura dos instrumentos e materiais cirúrgicos indicados para a realização do procedimento cirúrgico tem o condão de invalidar um dos maiores objetivos do contrato, a assistência médica. O paciente não é senhor de sua saúde, portanto, à limitação de cobertura de determinados materiais e procedimentos pode causar sérios danos à saúde daquele que necessita do tratamento.

Desta forma, a utilização dos materiais descritos na inicial – face a ausência de impugnação especificada da ré – são imprescindíveis e determinantes para o sucesso do ato cirúrgico prescrito pelo médico assistente à autora, não cuidando a ré em provar o contrário, ou seja, a desnecessidade ou ineficácia do tratamento prescrito à autora.

Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo procedente a ação para reconhecer a injustiça da negativa de autorização da cirurgia da autora com utilização de quatro unidades de Helitene, duas de Cimento Ósseo, três de Placa em Titânio, seis de mini parafusos em titânio e uma unidade de dura “Duragen” e tudo mais que se fizer necessário, confirmado a tutela antecipada deferida, e determinar que a CASSI SAÚDE FAMÍLIA arque com o valor do procedimento, acrescidos de juros legais e correção monetária a contar do pagamento até o efetivo reembolso.
Condeno, ainda, os réus ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 25 de Fevereiro de 2011

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara Especializada de Defesa do Consumidor

Fonte: DPJ BA 25/03/2011

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