SUL AMÉRICA CONDENADA - Juíza Marielza Brandão Franco da 29ª Vara Cível de Salvador condena Sul America Companhia de Seguro Saúde

Publicado por: redação
29/03/2011 09:00 AM
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SUL AMÉRICA CONDENADA - Juíza Marielza Brandão Franco da 29ª Vara Cível de Salvador condena Sul America Companhia de Seguro Saúde

Inteiro teor da decisão:

0086517-49.2007.805.0001 - ORDINARIA

Autor(s): Regina Maria De Alencar Rocha

Advogado(s): Suzelma Araújo de Santana

Reu(s): Sul America Companhia De Segura Saude

Advogado(s): Maria Auxiliadora Garcia Durán Alvarez

Sentença: Vistos, etc.,

REGINA MARIA DE ALENCAR ROCHA, devidamente qualificada nos autos em epígrafe, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA com pedido de TUTELA ANTECIPADA, contra SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE, também já qualificada, aduzindo, em síntese, que é associada ao plano de saúde da Ré e que está em dia com o pagamento das mensalidades referentes ao plano e já cumpriu todo o período de carência. Aduz que em virtude da realização de uma cirurgia bariátrica desenvolveu flacidez corporal generalizada, com excesso de pele principalmente nos braços e coxas. Por tudo, apresenta quadro de depressão, em decorrência da baixa auto-estima, o que vem comprometendo sua vida social e laboral.
Requer em sede liminar a autorização para o internamento da autora no Hospital Santo Amaro a fim de submeter-se a cirurgia reparadora não estética de Lipodistrofia Braquial, além de despesas como anestesiologia, honorários médicos, exames, taxas hospitalares e materiais necessários à cirurgia e ao internamento, e pós-operatório. Ao final, pleiteia a procedência da ação determinando a manutenção da internação da Autora até a sua alta definitiva. Juntou os documentos de fls. 27/53.
Liminar concedida às fls. 55/56.
Devidamente citada, a parte Ré apresentou contestação às fls. 93/105, argüindo que a negativa da cobertura pleiteada justifica-se pelo fato de o contrato sub judice excluir expressamente o procedimento requisitado, sob a alegação de tratar-se de procedimento de cunho meramente estético. Alega, ainda, que o contrato em questão não sofre os efeitos da lei 9656/98 por ter sido firmado no ano de 19993, devendo ser respeitado o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme mandamento constitucional.
Requer, a improcedência dos pedidos, para que se declare a total ausência de obrigação da empresa Ré em arcar com o tratamento estético de internamento da Autora, face à inconteste exclusão contratual para procedimentos dessa espécie. Documentos juntados conforme às fls. 106/136.
Réplica às fls. 138/155.
Anuncio o julgamento antecipado da lide, uma vez que a matéria ventilada é eminentemente de direito. Tal entendimento não pode ser caracterizado como cerceamento de defesa, até mesmo por conta de que a prova objetiva munir o julgador de elementos necessários à formação de seu convencimento. Assim, dispensando o Magistrado a produção de novas provas, sinaliza o mesmo que as provas já constantes dos autos são suficientes ao seu convencimento.

É o Relatório.
Posto isso. Decido.

A Demandante pretende ver reconhecido o seu direito ao procedimento solicitado de cirurgia reparadora de flacidez corporal generalizada, qual seja, Lipodistrofia Braquial, pois o seu Plano de Saúde recusou-se a autorizar o procedimento sob o argumento de que não tinha cobertura contratual.
O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Inicialmente, vale ressaltar que, ainda que o contrato tenha sido assinado antes da lei 9656/96, caracteriza como abusiva a clausula contratual que exclui da cobertura a autorização de realizar cirurgia necessária a preservação da saúde física e mental da autora, como é a hipótese dos presentes autos.
Nota-se que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, fazer crer que a autora não tinha direito a cobertura do tratamento, posto que tratamentos de natureza estética ou de rejuvenescimento, bem como suas conseqüências, não encontram respaldo no plano pactuado.
No entanto, verifica-se que a demandante trouxe aos autos provas contundentes do seu estado clínico, demonstrando através de relatórios médicos e fotos, que precisa do tratamento solicitado.
Deve-se observar que a cirurgia de remoção de tecidos adiposos e epiteliais necessária para dar continuidade ao tratamento da obesidade mórbida não se confunde com tratamento estético, não sendo admissível a negativa de cobertura com base em cláusula contratual que prevê a exclusão de cirurgias e tratamentos de emagrecimento com finalidade estética. Estando o tratamento da obesidade mórbida coberto pelo plano de saúde contratado entre as partes, a seguradora deve arcar com todos os tratamentos destinados à cura desta patologia: o principal - cirurgia bariátrica ou outra que se fizer pertinente – e os conseqüentes – cirurgias destinadas à retirada de excesso de tecido epitelial.
Dessa forma, não se trata de cirurgia com a finalidade estética, e sim, trata-se de quadro ligado à saúde da autora, posto que a cirurgia reparadora de flacidez corporal apresenta-se como procedimento complementar essencial ao tratamento de obesidade mórbida da demandante, procedimento este que foi devidamente autorizado pela seguradora em momento anterior à demanda.
Assim, não há justificativa apresentada para fundamentar a recusa em prestar os serviços requeridos pela autora, serviços esses previstos em contrato celebrado entre as partes. Portanto, entende-se que a negativa de autorização para tratamento de enfermidade é abusiva, o que por si só demonstra a falta de clareza no contrato, frustrando assim, a legítima expectativa do consumidor. Mesmo porque, é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Também, é bom que se diga que quem tem a obrigação de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico, responsável pelo tratamento do paciente, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao mesmo em caso de erro ou negligência médica e, se a seguradora tinha fontes científicas reais para negar a cobertura de procedimento urgente e necessário em um tratamento desta natureza, deveria provar o fato impeditivo do direito da autora, uma vez que o consumidor é a parte hipossuficiente na relação de consumo. Ao contrário, os relatórios médicos apontam a urgência do tratamento para deter a obesidade mórbida e tantas outras co-morbidades que acometem a parte autora, bem como que o procedimento foi o mais indicado.

A jurisprudência vem a favor da autora de forma ampla:

“APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.05.801659-3/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE
Relator: Des. Lucas Pereira.
Data do Julgamento: 15/03/2007.
Data da Publicação: 14/04/2007.

EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA. SEGURO DE SAÚDE. GASTROPLASTIA (REDUÇÃO DE ESTÔMAGO). RETIRADA DE EXCESSO DE PELE. INTERVENÇÃO CIRÚRGICA REPARADORA. SENTENÇA MANTIDA. Considerando que a cirurgia para retirada do excesso de pele, com nítido caráter reparador, constitui parte integrante do tratamento médico decorrente da gastroplastia (redução do estômago), objeto de cobertura contratual, é imperiosa a confirmação da sentença que condenou a seguradora apelada ao ressarcimento das despesas médicas efetuadas pelo segurado.”
“PLANO DE SAÚDE - GASTROPLASTIA (REDUÇÃO DE ESTÔMAGO) - HÉRNIA INCISIONAL - RETIRADA DE EXCESSO DE PELE - CARÁTER ESTÉTICO - AUSÊNCIA - CIRURGIA REPARADORA. A cirurgia de hérnia incisional e de retirada de excesso de pele, diretamente decorrentes da gastroplastia realizada pela requerente, devem ser custeadas pela apelante, vez que ausente o caráter estético. (TJDF, 20040110923813APC, Relator LÉCIO RESENDE, 3ª Turma Cível, julgado em 24/10/2005, DJ 22/11/2005 p. 101)”
“PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO - INTERVENÇÃO CIRÚRGICA REPARADORA - PLANO DE SAÚDE - CLÁUSULA CONTRATUAL CONTRADITÓRIA - APLICAÇÃO DO ART. 47 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - REDUÇÃO - INADMISSIBILIDADE.
1- Se a cirurgia indicada pelo médico da autora (mamoplastia) representa um prolongamento do tratamento iniciado com a gastroplastia, tendo em vista a grande perda de peso em pouco tempo, e a excessiva flacidez da pele, cuja reconstituição somente é possível através de cirurgia plástica, não resta dúvida do caráter reparador do procedimento.
2- Constatada a contradição no conteúdo da cláusula contratual, que exclui da cobertura do plano de saúde as cirurgias plásticas não reparadoras ou com finalidade exclusivamente estéticas, e ao mesmo tempo o faz, também, em relação a mamoplastia, sem ressalvar aquela de caráter reparador, aplica-se o art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, a fim de que a interpretação seja mais favorável a este.
3- Tendo sido fixados conforme os ditames do art. 20, § 3º e § 4º do CPC, não há que se falar em redução da verba honorária. (TJMG, Apelação Cível n.º 2.0000.00.519683-8/000, rel. Des. Maurício Barros, j. em 06-09-2005)”
Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está à integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, prática que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual e põe em risco a vida e a saúde dos seus segurados, desnaturando o contrato de seguro saúde.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Da mesma forma, constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança.
Não se pode aceitar que práticas abusivas identificadas e condenadas na legislação consumerista continuem a ser exercitadas sem qualquer tipo de censura, o que vem ensejando os Tribunais a coibir tais atitudes com o reconhecimento do direito dos usuários quanto aos serviços defeituosos fornecidos.
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo PROCEDENTE a ação para reconhecer a injustiça da negativa de autorização do tratamento da autora por Lipodistrofia Braquial, e confirmar a tutela antecipada em todos os seus termos, que determinou a internação da mesma até o restabelecimento total da sua saúde, ou seja, até a sua alta definitiva.
Condeno, ainda, a réu nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 20% (vinte por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.
P.R.I.

Salvador, 28 de fevereiro de 2011

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza de Direito

Fonte: DPJ BA 25/03/2011

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