Des. José Cícero Landin Neto, do TJBA, cassa decisão da 1ª Vara Cível de Salvador

Publicado por: redação
27/04/2011 01:00 AM
Exibições: 125

Inteiro teor da decisão:

 

QUINTA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0041277-32.2010.805.0001-0

APELANTE: WILSON XAVIER PINTO

ADVOGADOS: MARCOS PAULO RIBEIRO COELHO

APELADO: BV FINANCEIRA SA CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO

RELATOR: DES. JOSÉ CÍCERO LANDIN NETO

DECISÃO

A presente Apelação Cível (fls. 35/43) foi interposta por WILSON XAVIER PINTOcontra a Sentença (fls. 33) prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara dos Feitos relativos às Relações de Consumo, Cível e Comercial da Comarca do Salvador que, nos autos da Ação de Revisão de Contrato nº 0041277-32.2010.805.0001, por si ajuizada contra a BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO, FINANCIMANTO E INVESTIMENTO– oraapelada– julgou improcedente prima facieo pedido, ao fundamento de que inexiste abusividade nas cláusulas contratuais.

Em suas razões recursais, o recorrente alegou, em suma, que no caso em tela, a matéria discutida além de não se encontrar pacificada pela jurisprudência, exige a apreciação dos aspectos fáticos que influirão no resultado da lide e, por esta razão, não é cabível o julgamento imediato da mesma, nos termos do art. 285-A do CPC.

Apoiado em tais razões, requereu o provimento deste Apelo para reformar a decisão de 1º grau.

O apelo foi recebido em ambos os efeitos, e sendo a ação extinta antes da citação da parte contrária, descabe a intimação da apelada para apresentar contrarrazões.

Da análise dos autos, verifica-se que a Sentença hostilizada contem nulidade insanável que a vulnera absolutamente. Isto porque a utilização do regramento do art. 285-A do CPC exige o cumprimento de requisitos que afetam a validade do ato judicial e que culminam na nulidade absoluta do referido ato se não observados.

Eis o teor do caputdo citado artigo: “Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada” (negritou-se).

Tal artigo trata daquilo que se convencionou designar de “julgamento de processos repetitivos”, em que se conferiu ao juiz autorização para julgar improcedente prima facie(portanto, resolvendo o mérito) o pedido do autor, mediante a simples leitura da petição inicial e antes mesmo de citar a parte ré, desde que já tenha julgado anteriormente e no mesmo sentido “casos idênticos”.

É facilmente percebida a importância dos precedentes judiciaisque servirão de paradigma e modelopara processos futuros em que se discutam as mesmas “teses jurídicas” enfrentadas nas ações anteriormente julgadas de formaidêntica.

Alguns requisitos despontam, portanto, como necessários para que se tenha a aplicação do julgamento de mérito lastreado em “casos repetitivos”.

O primeiro requisito é que a matéria alegada na petição inicial seja unicamente de direito. Como enfatiza Fredie Didier Jr. (in Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, vol. 1, Editora Juspodivm, 7ª edição, 2007, p.420), “trata-se de causa cuja matéria fática possa ser comprovada pela prova documental. É hipótese excepcional de julgamento antecipado da lide (art. 330, CPC), que passa a ser autorizado, também, antes da citação do réu, se a conclusão do magistrado é pela improcedência”.

Os professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (in Curso de Processo Civil: processo de conhecimento, vol. 2, Editora RT, 6ª edição, 2007, pp. 98/99) lembram que a aplicação deste artigo “somente é possível quando a matéria controvertida for unicamente de direito. Isto porque, envolvendo questão de fato, as particularidades do caso concreto poderão impor soluções diferentes, de modo que a conclusão lançada em um processo pode não servir para o outro”.

Pela análise deste primeiro requisito, constata-se que a Sentença hostilizada, no que tange à comissão de permanência e sua cumulação com juros de mora ou outro fator de correção imputou a improcedência da ação como consequência do descumprimento pelo autor do ônus de colacionar aos autos a cópia do contrato firmado entre as partes já que assim concluiu, in verbis: “há possibilidade de o credor exigir a comissão de permanência (em caso de inadimplência), desde que não seja cumulada com juros de mora nem com outro fator de correção, não tendo sido demonstrado este bis in idem” (fls. 43) (negritou-se).

Ora, numa relação jurídica consumerista é fato notório que muitas Instituições Financeiras não encaminham a cópia do contrato devidamente assinado aos consumidores. Assim, quem tem o ônus de trazer aos autos tal cópia é a Instituição e não o consumidor, sob pena de a solução da causa fixar qual o instituto jurídico que incidirá na hipótese de inadimplência contratual, se a comissão de permanência, se os juros de mora, se a correção monetária, ou se outro fator.

Ou seja, se no contrato houver a estipulação cumulada de índices (comissão de permanência e juros de mora ou correção monetária) em total dissonância com os precedentes insculpidos nas Súmulas 30 e 296 do STJ, ficará o consumidor indubitavelmente penalizado por não ter trazido aos autos a cópia do contrato diante de equivocada inversão do ônus contra o consumidor.

Lembre-se, v.g., que se ele fosse o responsável pela juntada de tal documento, a ação deveria ser extinta sem a resolução do mérito por ausência de documento indispensável, não podendo o mérito ser enfrentado.

Não se pode olvidar que esta Sentença produz coisa julgada material, impedindo a repropositura da ação. Então pergunta-se: no caso de o contrato firmado entre as parte autorizar a cumulação da comissão de permanência com juros de mora, v.g., é o consumidor quem deve suportar o ônus de não colacionar o contrato aos autos, mesmo sendo fato incontroverso tratar-se de contrato de adesão pré-estabelecido unilateralmente pela Instituição Financeira? A resposta é evidentemente negativa, razão pela qual a Sentença hostilizada é nula neste particular por não preencher o primeiro requisito de validade insculpido no art. 285-A, caput, do CPC, já que a resolução da questão dependia de produção de prova documental.

Todo o raciocínio acima desenvolvido deve ser aplicado à solução dada pelo Magistrado no que tange à prática de anatocismo, porque foi registrado na Sentença que “a capitalização dos juros, inclusive, é permitida se contratualmente prevista” (fls. 43). Aqui também o consumidor suportou indevido ônus de não colacionar o contrato aos autos. Quem tem o ônus de trazer aos autos tal cópia é a Instituição e não o consumidor, sob pena de a solução da causa fixar que os juros devem ser aplicados de forma simples e não capitalizada.

Acrescenta-se quanto à capitalização dos juros que este Tribunal de Justiça da Bahia já decidiu, por outro lado, que “a capitalização dos juros, ainda que convencionada, não pode ser tolerada, porque cria desvantagens excessivas para o consumidor, sendo nula a clausula que a prevê, porque iníqua e abusiva perante o CDC. A súmula 121 do Supremo Tribunal Federal expressamente a proíbe: 'é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada'". (TJBA – Apelação Cível nº 9091-6/2001, 2ª Câmara Cível, Rel. Juiz Convocado Jatahy Fonseca Júnior, julgada em 05/05/2009); No mesmo sentido, dentre outros: TJBA – Apelação Cível nº 28316-0/2006, 2ª Câmara Cível, Rel. Juiz Convocado Jatahy Fonseca Júnior, julgada em 05/05/2009; TJBA – Apelação Cível nº 43978-6/2008, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Antônio Roberto Gonçalves, julgada em 20/01/2009; TJBA – Apelação Cível nº 64545-6/2008, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Antônio Roberto Gonçalves, julgada em 10/02/2009.

À evidência está demonstrada a primeira mácula da Sentença hostilizada.

O segundo requisito é a exigência de que a “tese jurídica” ventilada na ação em curso tenha sido exatamente a mesma de outra ação em que se tenha julgado improcedente o pedido.

O que se exige é que os “casos” sejam idênticos. E que sejam idênticos quanto ao direito, pois os fatos, em tal situação, não influenciarão o julgamento final, posto que irrelevantes para a convicção do julgador. Em outras palavras: ainda que os fatos tenham ocorrido da forma narrada pelo autor, o convencimento do juiz já estará devidamente formado quanto às “consequências jurídicas” dos mesmos.

É preciso pormenorizar os casos utilizados como precedentes, não bastando afirmar que eles existem. Como lembra Jean Carlos Dias, citado por Fredie Didier Jr. (inCurso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, vol. 1, Editora Juspodivm, 7ª edição, 2007, p.421), “o dispositivo não autoriza a simples juntada de uma cópia da sentença-tipo, ou seja uma cópia reprográfica da sentença já proferida, mas sim que seu teor, seu conteúdo, seja reaproveitado para solucionar a nova demanda”. É preciso demonstrar que a ratio decidendidas sentenças-paradigmas sirvam à solução do caso em concreto posto em julgamento.

A repetição dos paradigmas no bojo da própria Sentença, indicando o caso e a solução, além de se reproduzir o teor daquelas Sentenças antes prolatadas é indispensável para a validade do novo decisum.

O autor, em eventual Recurso de Apelação, tem o direito de argumentar que o seu caso concreto não se amolde nas decisões tomadas como parâmetros, mas para isso precisa que tais precedentes estejam minuciosamente registrados na Sentença hostilizada.

Ora, em decorrência da força conferida aos precedentes, é indispensável que eles estejam consignados na própria Sentença de improcedência prima facie, sob pena de nulidade absoluta.

O douto Magistrado afirmou que “os presentes autos se enquadram perfeitamente na hipótese aqui esquadrinhada, sendo o convencimento deste julgador em casos que tais pela improcedência da pretensão da parte autora” (fls. 41). Furtou-se, contudo, de apontar os paradigmas descrevendo o caso e a solução, além de reproduzir o teor daquelas Sentenças antes prolatadas. Da leitura da Sentença hostilizada, não se pode extrair quais foram os casos precedentes que serviram de modelo para a sua prolação.

À evidência está demonstrada a segunda mácula da Sentença hostilizada, pois os precedentes não foram consignados no decisumora analisado.

Como terceiro requisito necessário para que se possa aplicar a regra do art. 285-A está a necessidade de que não apenas um, mas pelo menos dois “casos idênticos” tenham sido julgados anteriormente, sendo certo que tais processos servirão como paradigma para a ação que será julgada a posteriori.

Este requisito é um corolário lógico da expressão “outros casos idênticos” na redação do estudado artigo e seu cumprimento está intrinsecamente ligado ao cumprimento do requisito antecedente que, na hipótese vertente não foi observado no momento da prolação da Sentença.

O quartorequisito que apenas será registrado aqui obter dictum: a Sentença do julgador, para permitir a extinção liminar com julgamento do mérito, precisará ser de improcedência e jamais de procedência. E tal improcedência precisa ser total, de modo que a eventual improcedência parcial não permite a solução da ação sem que se tenha a citação do réu. E isso se dá por uma razão muito simples: a “improcedência parcial” significa, em verdade, a “procedência parcial”, o que, para acontecer, exige, por evidente, tenha o réu sido citado para apresentar a sua resposta ao pedido autoral.

Ressalte-se ademais que os julgamentos paradigmas não necessariamente precisam ter sido de improcedência absoluta. O que importa é que a parte deles que eventualmente tenha julgado improcedente o pedido seja o único ponto agora discutido na ação posta para julgamento.

Por tudo o quanto exposto, vislumbro que o douto Juiz de 1º grau, ao prolatar a Sentença de improcedência prima facie ora hostilizada, não obedeceu aos requisitos de validade indispensáveis insculpidos no art. 285-A do CPC, razão pela qual fica evidenciada a nulidade absoluta do referido ato judicial.

Em sendo assim, decreto, de ofício, a nulidade da Sentença hostilizada, devolvendo os autos ao juízo de origem para o prosseguimento da ação originária, seja com a prolação de nova Sentença, desde que obedecidos os requisitos do art. 285-A do CPC, seja para intimar o réu para responder a demanda, sob as penalidades da lei, com o seguimento normal do processo.

Publique-se para efeitos de intimação.

Salvador, 15 de abril de 2011.

José Cícero Landin Neto

Desembargador Relator

 

Fonte: Diário de Justiça da Bahia

Vídeos da notícia

Imagens da notícia

  • Decisão Anulada 1
Categorias:
Tags: